O pré-candidato tucano à Presidência da República, João Doria, começa a semana com novo coordenador de campanha e correndo contra o calendário. O ex-governador de São Paulo tem exatamente um mês para mostrar que é viável eleitoralmente e virar o jogo a seu favor. Em 18 de maio, dirigentes de PSDB, União Brasil, MDB e Cidadania devem anunciar os nomes que formarão a chapa única do bloco para a sucessão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Até lá, Doria enfrentará as disputas internas do PSDB e tentará colecionar apoios dos diretórios estaduais para se consolidar como o nome do partido a encabeçar a chapa do autoproclamado centro democrático.
Já sob o comando do presidente do PSDB em São Paulo, Marco Vinholi, a pré-campanha de Doria será reorganizada para ampliar apoios nos estados, melhorar a posição do candidato nas pesquisas e, consequentemente, ganhar musculatura para enfrentar a ala do partido que prefere apostar em uma composição com o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite. A divisão dentro do ninho tucano ficou clara com a saída do presidente nacional da legenda, Bruno Araújo (SP), da coordenação da campanha, por decisão de Doria, anunciada em plena Sexta-feira da Paixão.
“O que está em jogo é o controle do partido”, avaliou o doutor em ciência política Leandro Gabiati, da Dominium Consultoria. Para ele, Doria surgirá “naturalmente como a nova liderança da legenda” se conseguir mostrar viabilidade de sua candidatura. Gabiatti lembrou que o PSDB sempre teve dificuldade de se unir em torno de nomes para a Palácio do Planalto desde o fim dos oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso. Cita como exemplo os pleitos de 2002 e 2010, quando o atual senador José Serra (SP) enfrentou Lula e Dilma Rousseff, respectivamente, e em 2006, quando Geraldo Alckmin não impediu a reeleição de Lula. “Em 2018, com Alckmin, novamente o PSDB chegou dividido e sem compromisso com a candidatura presidencial. O único que conseguiu unir o partido foi Aécio Neves (MG), em 2014, diante do desgaste do PT e da perspectiva de vitória sobre Dilma.”
Ao Correio, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse que Doria tem condição de reverter a rejeição ao seu nome e se posicionar como candidato do partido. Mas lembra que o ex-governador paulista aceitou o acordo fechado pelo PSDB com MDB, União Brasil e Cidadania no sentido de formar um consórcio partidário de centro para disputar a eleição de forma unificada. “Se ele (Doria) concordou e essa é a regra, o acordo é para ser cumprido”, ponderou Izalci, que minimizou a crise deflagrada com a “demissão” de Bruno Araújo do comando da pré-campanha. “Não é grave. Esse ruído logo, logo, passa. O PSDB tem muita importância no cenário político e qualquer fato como esse toma conta da mídia. Campanha tem disso, do momento, mas vamos superar.”
A senadora Simone Tebet (MS), pré-candidata do MDB à Presidência assegurou — em entrevista exclusiva ao Correio, publicada na edição de ontem — que não está conversando com Eduardo Leite a formação de uma chapa sem o ex-governador de São Paulo, apesar de ser essa a alternativa que conta com mais simpatia entre boa parte dos dirigentes do possível consórcio partidário. “O PSDB fez uma escolha. Certa ou errada, eu não saberia responder. Isso é uma decisão interna do partido, que passou por prévias, um instrumento dos mais democráticos e mais importantes para fortalecer a democracia”, enfatizou Tebet. “O vencedor foi João Doria. Até que se prove o contrário, até que o ex-governador se pronuncie de forma contrária, ou que o próprio PSDB junto com o ex-governador chegue a outro denominador comum, não podemos nos pronunciar sobre decisões de outros partidos.” O outro postulante à vaga de candidato único do consórcio de centro é o presidente do União Brasil, deputado Luciano Bivar (PE).
Enfrentar oposição dentro do próprio partido não é novidade na carreira política de Doria. Em 2016, com apoio do então governador do estado, Geraldo Alkmin, ele se lançou candidato à Prefeitura de São Paulo depois de vencer a prévia convocada pela legenda contra o então vereador Andrea Matarazo, preferido da ala tucana ligada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; e o deputado federal Ricardo Tripoli, apoiado por Bruno Covas, então deputado federal, e José Aníbal, que presidia o Instituto Teotônio Vilela. Na eleição, Doria bateu no primeiro turno o candidato do PT, Fernando Haddad, que tentava a recondução.
Dois anos depois, o então prefeito abriu nova frente de embate com o partido ao decidir deixar o cargo e lançar-se candidato à sucessão de Alckmin, que viria a ser o nome do PSDB à Presidência da República naquele ano. Doria mostrou força: conquistou o apoio da sigla, venceu as prévias internas com 80% de apoio e acabou eleito governador no segundo turno, ao bater o então candidato do PSB, Márcio França, por diferença apertada: 51,75% a 48,25%, uma diferença de pouco mais de 740 mil votos. Mas, na campanha, praticamente abandonou Alckmin na disputa presidencial e, logo após o primeiro turno, declarou apoio a Bolsonaro, quando foi cunhado o termo “BolsoDoria”.
O futuro de Doria passa por duas datas importantes nos próximos meses, uma delas, imposta pela legislação eleitoral. Primeiro, terá de vencer, até 18 de maio, a resistência interna para não ser excluído da chapa única dos partidos de centro não bolsonaristas. Se não conseguir, restará ao pré-candidato aceitar a decisão da cúpula partidária ou forçar a situação e levar seu nome à Convenção Nacional do PSDB, que deverá ocorrer entre o fim de julho e o início de agosto, no calendário da Justiça Eleitoral. Como vencedor das prévias da legenda, Doria poderá, inclusive, judicializar a questão, caso seja excluído da disputa de 18 de maio.
A possibilidade de judicialização já foi levantada por interlocutores do pré-candidato tucano. O tesoureiro do PSDB, Cesar Gontijo, declarou, no início do mês, que “prévia não indica, elege”. “E, uma vez eleito, o pré-candidato está referendado pelo partido com o voto da maioria da militância.”
“Temos de ver como Doria chegará à convenção do PSDB, em julho, em relação às pesquisas. Parece muito difícil que ele consiga reverter essa situação, mas, em política, tudo é possível. A verdade é que Doria tem problemas sérios que ele não está sabendo resolver, ou, talvez, nem tenham solução”, destacou Gabiati. “Doria entrou em um beco sem saída. Parte do partido não o quer porque ele não avançou nas pesquisas. Doria pensou que a questão das vacinas (contra covid-19) lhe daria projeção nacional, uma imagem positiva, mas isso acabou não acontecendo.”
Traições e boicotes são marcas da disputa na terceira via
Além do ex-governador paulista João Doria (PSDB), pelo menos outros dois presidenciáveis tentam se desvencilhar de traições e boicotes em série e deslanchar nas pesquisas de intenção de voto. A senadora Simone Tebet (MDB) e o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) sofrem o que parece ser uma antecipação da “cristianização”, o abandono por parte de correligionários do candidato oficial de seu partido diante da estagnação. O processo começou a ocorrer no nascedouro dessas candidaturas alternativas, fomentado por grupos dissidentes ciosos da própria sobrevivência eleitoral, a quatro meses da campanha oficial.
Entre o fim de março e o início de abril, prazo final previsto em lei para filiação e desincompatibilização, Moro e Doria flertaram com a desistência de suas pré-candidaturas. O tucano voltou atrás, mas o ex-ministro da Justiça, que trocou o Podemos pelo União Brasil, perdeu o status de pré-candidato e não tem mais a garantia de legenda para disputar o cargo.
Ele era almejado por uma ala minoritária do União Brasil, egressa do PSL, e foi barrado por nomes influentes vindos do DEM. Agora, o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do União, passou a ser apresentado como pré-candidato.
O ex-juiz insiste em dizer que “não desistiu de nada”, mas reconhece em reservado que alas de seu atual partido e do anterior trabalham por uma aliança com o Planalto. Ele descartou ser postulante a deputado federal. A interlocutores, reclamou da falta de estrutura que recebeu enquanto pôde se apresentar como pré-candidato do Podemos e que tem a sensação de que “não interessa a ninguém uma terceira via para valer”. Há mágoas dos dois lados, e ex-entusiastas do Podemos afirmam que Moro decidiu tudo sozinho.
Os partidos União Brasil, PSDB, MDB e Cidadania querem apresentar uma chapa conjunta até 18 de maio, mas sofrem com rachas internos que podem esfacelar o endosso e o apoio real a um candidato do centro.
A senadora Simone Tebet, por sua vez, sofre constrangimentos públicos de uma ala influente no MDB, que prefere apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em vez de lançar uma candidata própria. O grupo é liderado por cardeais da sigla no Senado, tendo ex-presidentes do Congresso na lista, como Renan Calheiros (AL), Eunício Oliveira (CE), José Sarney (MA) e Garibaldi Alves (RN). Todos se reuniram, na semana passada, com o pré-candidato petista, a maioria em um simbólico jantar oferecido a Lula.
O tom do discurso deles é o mesmo: questionam a competitividade da pré-candidata do MDB, que tem apoio do comando do partido, e ponderam que ela pode repetir o fracasso de Henrique Meirelles em 2018 — o ex-ministro da Fazenda amargou um sétimo lugar, o que, na análise dos senadores, teria colaborado para a redução das bancadas no Congresso.
Tebet reagiu dizendo que a divergência é normal e focou em divulgar uma série de apoios internos dos diretórios regionais do MDB e núcleos setoriais do partido.
Correio Braziliense