O relógio marcava 14h20 (9h20 em Brasília), quando a policial Stéphanie M., 49 anos, atravessou o saguão de entrada da delegacia de Rambouillet, 53km a sudoeste de Paris. Foi quando Jamel G., 36, tunisiano que vivia na França havia 12 anos, usou uma faca para golpear duas vezes a garganta da mulher, que retornava do intervalo do almoço. De acordo com testemunhas, o assassino gritou “Allahu Akbar” (“Deus é grande”, em árabe) ao esfaquear a funcionária da polícia.
Stéphanie sofreu uma parada cardíaca e morreu pouco depois, após os primeiros socorros. Ela deixa dois filhos, de 13 e de 18 anos. Jamel G. foi executado por outros policiais. O atentado chocou a pacífica cidade de 26 mil habitantes e comoveu a França. A Promotoria Nacional Antiterrorismo assumiu as investigações. “Ela era uma policial. (…) A nação está ao lado de sua família, de seus colegas e da polícia. Não cederemos na luta contra o terrorismo islâmico”, prometeu o presidente francês, Emmanuel Macron, por meio do Twitter.
Na mesma rede social, o primeiro-ministro, Jean Castex, visitou Rambouillet, na companhia do ministro do Interior, Gérald Darmanin, e rendeu homenagens à família de Stéphanie. O premiê também saudou os agentes por terem “neutralizado o autor”. Castex reforçou que a determinação da França na luta contra o terrorismo está mais do que nunca intacta. “A República acaba de perder uma de suas heroínas, em um gesto bárbaro e de covardia infinita”, lamentou.
O jornal Le Monde divulgou que Jamel era um desconhecido para os serviços de inteligência e para a polícia da França. Segundo a publicação, o assassino teria assistido a vídeos de propaganda islâmica no celular antes de matar Stéphanie. A polícia anunciou a prisão de três pessoas associadas a Jamel, que obteve uma autorização para residência na França dois anos atrás. Ele não tinha antecedentes criminais.
Premeditado
Em entrevista ao Correio, Jean-Charles Brisard — presidente do Centro de Análise do Terrorismo (CAT), em Paris — afirmou não ter dúvidas de que o incidente em Rambouillet se encaixa na definição de um ataque terrorista. “O ato foi premeditado. O indivíduo fez o reconhecimento e o patrulhamento da área antes do atentado. Também utilizou uma faca, assim como os autores de outros casos na França. Além disso, o ataque foi louvado por muitas organizações jihadistas ao redor do mundo”, comentou o especialista e autor de um livro sobre o Estado Islâmico.
“O alvo foi a polícia, um símbolo do Estado. Tratou-se do sexto atentado a sacudir a França em dois anos. O país está visado pelo terror, pois muitos dos cidadãos franceses engajaram-se em combates no Iraque e na Síria, e o Estado francês envolveu-se em operações antiterrorismo nessas nações”, acrescentou Brisard, que também atuou como advogado de familiares de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001. Ele explicou que muitos dos terroristas dissimulam seus laços com o jihadismo, o que dificulta o rastreamento por parte das agências de inteligência. “Há uma necessidade de repensarmos nossa organização para prevenir a radicalização e deter potenciais terroristas.”
Para Claude Moniquet, ex-agente da inteligência francesa por 20 anos e diretor do Centro Europeu de Segurança e Inteligência Estratégica (ESISC), o ataque em Rambouillet foi uma “clássica ação terrorista de baixa intensidade”. “Esse tipo de atentado foi recomendado por Abu Mohammed Al-Adnani — porta-voz do Estado Islâmico (EI) — em mensagem de 22 de setembro de 204. É um ataque vantajoso para o EI: não custa nada e depende apenas da radicalização de um indivíduo. Esses ataques de baixa intensidade correspondem a uma estratégia conhecida como ‘cortes 1.000’, teorizada por Abu Musab Al-Suri, ideólogo da rede Al-Qaeda: ‘Um golpe não matará, mas 100 ou 200 enfraquecerão o oponente, e 1.000 o farão sangrar até a morte’”, disse ao Correio.
Moniquet afirmou que tudo o que se sabe sobre o extremista de Rambouillet é que ele mudou o comportamente nas redes sociais nos últimos meses. “Por anos, ele atacava abertamente aqueles que considerava ‘inimigos do islã’. No início do primeiro confinamento, em abril de 2020, as publicações políticas deram lugar a publicações mais marcadas pela religião, como orações, versos do Corão, etc. A radicalização dele não foi detectada. Esse tipo de perfil é preocupante porque significa que a qualquer momento um jihadista pode emergir das sombras e agir.”
Os últimos meses foram marcados por ataques com faca na França. Em 16 de outubro de 2020, o professor de ensino médio Samuel Paty foi decapitado por um homem de 18 anos de origem chechena por mostrar a alunos desenhos animados de Maomé, na comuna de Conflans-Sainte-Honorine. No mesmo mês, três pessoas foram mortas por um recém-chegado tunisiano à França em uma igreja de Nice. Em setembro, um paquistanês feriu duas pessoas com uma faca em frente à antiga sede da revista satírica Charlie Hebdo, que publicou charges de Maomé. Em 3 de outubro de 2019, nas dependências da sede da polícia de Paris, um empregado matou três policiais e um funcionário com uma faca, antes de ser morto.
Eu acho…
“Esse tipo de terrorismo utiliza meios limitados, além de armas e de modus operandi improvisados. Ele se revela um desafio para os serviços de inteligência, no sentido de identificar os potenciais extremistas e prevenir os ataques, que ocorrem de forma repentina. Mais de 60% dos autores de atentados na França desde 2012 eram desconhecidos das autoridades.” Jean-Charles Brisard, presidente do Centro de Análise do Terrorismo (CAT), em Paris, e autor de um livro sobre o Estado Islâmico.
“Do momento em que o autor ‘está no radar’, é extremamente difícil, senão impossível, localizá-lo e impedi-lo de cometer o ataque. Parece que é o caso do terrorista de Rambouillet: ele não era fichado, era ‘desconhecido dos serviços de inteligência’ e provavelmente não tinha ligações com um grupo ou uma organização.” Claude Moniquet, ex-agente da inteligência francesa por 20 anos e diretor do Centro Europeu de Segurança e Inteligência Estratégica (ESISC).
Correio Braziliense