Especialistas veem falhas em atos de plantonista e de Moro

Folhapress

A queda de braço de juízes no pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fere a credibilidade do Poder Judiciário, traz insegurança jurídica e desestabiliza a democracia, dizem especialistas em direito ouvidos pela reportagem. Eles foram unânimes em criticar a forma como o processo foi conduzido pelos magistrados e afirmam que o embate fragiliza a instituição.

“Quem errou mais não sei, mas quem perdeu foi a estabilidade necessária para a democracia”, diz Joaquim Falcão, professor da FGV Direito Rio e ex-membro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). “Estou preocupado com os efeitos desestabilizadores para a economia a partir dessa instabilidade judicial”, afirma.

Apesar de o juiz plantonista Rogério Favreto, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), poder julgar um pedido de habeas corpus em fim de semana, um fato novo deveria fundamentar a urgência da concessão de liberdade. Os deputados federais Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, todos do PT, alegaram ao plantonista que Lula está impedido de participar de pré-campanha para a Presidência. O argumento foi acatado por Favreto.

Para Falcão, “é a primeira vez em nossa história em que o Judiciário interfere não pelas normas em julgamentos eleitorais, mas pelas suas ações no cotidiano”. Isso acontece, segundo ele, porque a corrupção é um fator decisivo de voto para uma parcela grande da população, “e quem é gestor da corrupção é o Judiciário”.

De acordo com o professor de direito da USP Luciano Anderson de Souza, o argumento dos deputados é questionável. “Não me parece um fato novo que justifique [a concessão de] habeas corpus”, diz. Segundo ele, já era sabido que Lula tem a intenção de disputar a eleição presidencial deste ano, mesmo condenado em segunda instância pela caso do tríplex de Guarujá (SP) e preso em Curitiba.

Embora considere os argumentos fracos, Souza afirma que não compete ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal da capital paranaense, descumprir a sentença. “[A decisão de Moro, de não cumprir a soltura,] Traz insegurança. Prejudica a imagem do Judiciário e não gera comprometimento com a sentença. Fica perante a sociedade uma imagem de desconfiança”, afirma.

O fato novo – a participação de Lula em sabatinas e entrevistas – defendido pelos autores do habeas corpus também é rebatido por Luiz Guilherme Conci, professor de direito da PUC-SP. “Não é uma fundamentação usual.”

Para o professor, porém, a decisão deveria ser contestada nas instâncias superiores, e não por Moro e João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4. “O Judiciário está em uma situação delicada e, com essas decisões, ela só é aprofundada”, diz. “É uma espécie de anarquia.”

A professora de direito da USP Maristela Basso diz que, na teoria, Favreto tem responsabilidade para julgar um habeas corpus. “Contudo, o caso já foi decidido por outro juiz”, afirma. A decisão do juiz plantonista, nesse sentido, segundo ela, afronta o princípio da boa-fé processual e também do devido processo legal.

“Ele tem competência [jurisdicional], mas não tem legitimidade. Isso compromete a instituição porque revela um Judiciário acéfalo”, diz Basso ao se referir ao limbo jurídico criado pela sequência de decisões. “É uma desordem no Judiciário, e o pior é o bate-boca entre os colegas”, afirma a professora.

Para Basso, Favreto pode ser acusado do crime de usurpação de função pública.
Questionado sobre a decisão monocrática e o ativismo judicial, Falcão critica a militância do juiz plantonista. “A questão não é o ativismo do Judiciário, mas a militância do magistrado. E a militância é um subproduto da fragmentação e da individualização da Justiça, cujo exemplo básico vem de cima, do Supremo Tribunal Federal”, afirma Falcão.

O teor político da decisão, para Basso, justifica mudanças na forma de indicação do quinto constitucional nos tribunais de segunda instância – as vagas destinadas a profissionais oriundos da advocacia. “Precisa acabar com esta politicagem [de indicação]. O melhor caminho é submeter o advogado a concurso”, afirma a professora.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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