O anúncio da extinção do Ministério do Trabalho, integrando o pacote de cortes e fusões que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) deseja fazer a partir de janeiro de 2019, se soma ao esforço – defendido pelo pesselista ainda em campanha – de enxugar a máquina pública federal. Enquanto alguns aplaudem a iniciativa, alegando que ela ajudará a reduzir custos, outros a encaram com resistência, afirmando que o arranjo provocará o enfraquecimento de políticas públicas específicas para geração de emprego e renda, a fiscalização do trabalho e a política salarial, além de desmobilizar uma frente institucional histórica que acompanhou a modernização do trabalhismo brasileiro.
A ideia de reduzir pastas estava prevista já no plano de governo de Bolsonaro, sob o mote de que “o País funcionará melhor com menos ministérios”. Contudo, o esforço para ajustar as contas públicas, desde o primeiro momento, incomodou vários setores, à medida que o plano passou a ser traçado. A fusão entre as pastas de Agricultura e Meio Ambiente, por exemplo, não foi bem recebida por ambientalistas e ruralistas, forçando o presidente a voltar atrás. Ao divulgar a exclusão do Ministério do Trabalho, Bolsonaro foi breve, ao dizer que a estrutura seria realocada em outro ministério, o que deixou uma série de dúvidas sobre suas consequências.
Proposta ainda em avaliação, há alternativas para a extinção do ministério, a exemplo de associar a área de emprego e renda a algum órgão ligado à Presidência. Outra opção é fatiar as diferentes áreas da pasta, transferindo, por exemplo, a gestão da concessão de benefícios para órgãos ligados ao campo social. A gestão da política de trabalho e renda ficaria com o novo Ministério da Economia ou com um órgão dedicado às questões de produtividade – um dos temas considerados prioritários da equipe do futuro ministro Paulo Guedes.
Mas, independentemente do cenário que a equipe de transição proponha, a decisão encontra resistência imediata tanto dos ocupantes do órgão público, quanto de atores políticos e econômicos ligados ao trabalhismo brasileiro.”O futuro do trabalho e suas múltiplas e complexas relações precisam de um ambiente institucional adequado para a sua compatibilização produtiva”, declarou a pasta, por meio de nota pública, em resposta ao anúncio feito pelo capitão de reserva.
Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) se manifestaram e criticaram a decisão. “A Constituição estabelece que o Brasil deva ter pleno emprego, e cabe ao Ministério do Trabalho traçar essas políticas públicas”, diz o ministro Alexandre Agra Belmonte. Para ele, poderiam ser agregadas ao ministério outras pastas. “Mas, em um momento de desemprego e trabalho informal, se há um País que precisa de um Ministério do Trabalho é o Brasil.” Cinco entidades de representação de magistrados, procuradores e advogados também divulgaram uma nota técnica, essa semana, contra a decisão. Para as entidades, a medida “sinaliza negativamente para um retorno do Brasil à década de 1920”. Segundo a nota, a iniciativa do presidente eleito “gerará irreversível desequilíbrio nas relações entre capital e trabalho”. Para os signatários, há “evidente risco de violação dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na promoção do trabalho decente”.
88 anos
O Ministério do Trabalho foi criado em 1930 pelo presidente Getúlio Vargas e acompanhou, ao longo dos últimos 88 anos, a modernização do trabalho durante a industrialização do País. De acordo com o economista e consultor externo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Leandro Morais, foi necessário um esforço durante o período de transição, após 300 anos de escravismo, e o ministério cumpriu papel relevante para estabelecimento de novas práticas. Avaliando como “lamentável” a exclusão da pasta, Leandro Morais acredita que a escolha de Bolsonaro gera insegurança perante os atores internacionais. “A própria OIT não tem muito claro o impacto da onda tecnológica, do ponto de vista dos trabalhos, da exclusão de uns e o aparecimento de outros. Será que a extinção do ministério dá conta de enfrentar os grandes desafios do mercado?”, indaga.
“Tivemos avanços importantes com a formalização do emprego. O aumento de concursos para auditores e fiscais do trabalho foi muito importante. O Brasil, com todo avanço que se vê, está muito aquém do necessário”, avalia Morais.
Estrutura
Há uma ampla estrutura à serviço do Ministério do Trabalho que, por força constitucional, não poderá ser simplesmente posta para fora do Estado, por uma canetada. Segundo o professor de Ciência Política da Unicamp, Roberto Romano, culturalmente há uma concentração da execução de políticas públicas no Executivo federal. “Há uma necessidade de administrar minimamente esses setores concentrados no Executivo, como Educação, Saúde, Segurança. Uma forma (de resolver esse problema) que dominou foi aumentar o número de ministérios pra descentralizar a gestão dos planos”, explica.
Entretanto, diante da fragmentação partidária vivenciada, especialmente, pelos governos Michel Temer (MDB) e Dilma Rousseff (PT), a atuação dos ministérios passou a sofrer com os obstáculos para gerar governabilidade. Pastas técnicas, como Cidades e Trabalho, precisaram abrigar grupos políticos aliados do governo, com projetos distintos, e perderam eficiência diante do alto custo da coalizão.
Naturalmente, para um País que chegou a 39 ministérios, no auge da ingovernabilidade, sem que a presidente conseguisse dar conta dos seus auxiliares, mesmo os mais corporativistas concordam com a necessidade de enxugamento.
Para o economista Gustavo Maia Gomes, o maior ganho da redução é simbólico. “Nenhum governante consegue deliberar com 40 assessores no primeiro escalão. Alguns ministros se tornam mais importantes do que outros”, avalia. Favorável à extinção da pasta, Maia argumenta que políticas importantes, como o seguro-desemprego , o abono salarial, e a fiscalização dos pagamentos do FGTS e do 13º salário, estão previstos na Constituição e que suas aplicações estão asseguradas.
Por outro lado, o professor e coordenador do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, Marcelo Marchesini, argumenta que, para surtir efeito e não soar como mera medida retórica, a redução do tamanho da burocracia brasileira precisa ser mais detalhada e pensada. “Há dificuldades decorrentes da mudança organizacional com a fusão de ministérios. A concentração de poder em superministérios gera perda de especialização e de interlocutores com poder de decisão no diálogo entre a sociedade civil e governo”, pondera. Essa equação precisará ter em conta como serão gerenciados recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que custeia o programa do Seguro-Desemprego (concedido a 20,8 milhões de trabalhadores, entre 2016 e 2018), o Abono Salarial e o financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico.
As diretrizes de fiscalização também precisarão de um olhar especial, já que, apenas entre janeiro e agosto de 2018, foram realizadas mais de 150 mil ações para verificar o cumprimento das normas trabalhistas e de segurança e saúde no trabalho. Ao todo, as fiscalizações alcançaram 37,5 milhões de trabalhadores. Além disso, a pasta foi responsável pela recuperação de R$ 4,1 bilhões para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de janeiro a setembro deste ano. A quantia foi recuperada por meio de autuações realizadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Folhape