Fraude com cartão de vacina envolve de Bolsonaro a ex-prefeito de Caxias

Em outra frente, a Polícia Federal deflagrou na quinta-feira uma nova operação na investigação que apura a falsificação de dados de vacinação contra a Covid-19, caso no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outros 15 pessoas foram indiciados em março.

Os principais alvos da ação, que cumpriu mandados de busca e apreensão sob autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), foram o ex-prefeito de Duque de Caxias (RJ) Washington Reis (MDB) — aliado de Bolsonaro e hoje secretário estadual de Transportes do Rio no governo de Cláudio Castro (PL) —, apontado como um dos beneficiários do esquema, e a secretária de Saúde da cidade, Célia Serrano.

Na casa do ex-prefeito em Xerém, distrito do município da Baixada Fluminense, os agentes encontraram cerca de R$ 200 mil em espécie.

As investigações apontam que Duque de Caxias serviu como base para a inserção dos dados nas cadernetas de vacinação de Bolsonaro, Cid e da família Reis. Segundo apurou O Globo, a PF vai solicitar ao relator, ministro Alexandre de Moraes, o desmembramento do inquérito com o objetivo é apurar se mais pessoas se beneficiaram do esquema criminoso na cidade da Baixada.

Ainda segundo a apuração, os registros fraudulentos nos sistemas do Ministério da Saúde eram feitos pelo então secretário municipal de governo de Caxias João Carlos Brecha, que foi nomeado ao cargo por Washington Reis. Em março, Brecha, Célia Serrano e o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do secretário do Rio e que também teria sido beneficiado pelo esquema, foram indicados no caso junto com Bolsonaro pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos. Eles negam as acusações.

De acordo com os investigadores, as informações de vacinação de Washington Reis foram incluídas em 19 de janeiro de 2022 por seu então secretário de governo no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), ambos do Ministério da Saúde. A PF interceptou a mensagem de uma servidora do município, enviando a ficha de vacinação de Reis acompanhada de um emoticon de uma boca fechada com zíper, o que indica segredo.

Valores em euro e dólar
Ao realizar buscas na casa de Washington Reis na quinta-feira, a PF apreendeu, além de documentos e telefones celulares, R$ 164 mil, US$ 5.700 (R$ 31,3 mil na cotação de quinta-feira) e € 170 (pouco mais de R$ 1 mil) — todos os valores em espécie. O dinheiro estava em uma mochila e em bolsos de paletós de Reis e foi levado para a sede da corporação, na Praça Mauá, no Rio. Sua origem será investigada.

Nesta quinta, após o cumprimento do mandado, Reis negou qualquer irregularidade com a vacinação em Duque de Caxias e afirmou que não iria “bater boca com a Justiça”:

— Fomos a cidade número 1 do país. Não fechamos, abrimos hospitais, abrimos 200 leitos de CTIs, atendemos toda a Baixada Fluminense, vacinamos todo mundo. Não guardamos vacina e nunca faltou vacina. Agora nós estamos sendo vítimas, não vou dizer de covardia porque não sou frouxo. Eu vacinei no meio da rua, mostrando o meu braço.

O secretário do governo do Rio também criticou a proximidade da operação com as eleições municipais. O sobrinho do ex-prefeito, Netinho Reis (MDB), é pré-candidato a prefeito de Duque de Caxias, que é comandada hoje por Wilson Miguel (MDB), tio de Washington Reis.

— Reviraram a casa de cabeça para baixo, não tenho nada a esconder. Moro aqui há 57 anos, eles podem vir 600 vezes. O que acho engraçado é que é sempre em época de eleição. Estou há dois anos esperando, não aparece nada. Mas vida que segue. Levaram papel, mas de vacina zero — disse o ex-prefeito.

A secretária de Saúde da cidade, Célia Serrano, também alvo da operação de quinta-feira. Ela teria convencido uma pessoa identificada como Theo a fornecer a senha para o acesso aos dois sistemas do Ministério da Saúde que computam as doses de vacina contra a Covid-19.

“Os dados descritos no Relatório de Análise evidenciou que há fortes elementos indiciários de que Claudia Helena (a servidora) e Celia Serrano da Silva atuaram na inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefícios de várias pessoas”, diz relatório da PF.

Chefe da central de vacinação de Duque de Caxias, Cláudia Helena da Costa Rodrigues também foi indiciada em março. Ela teria feito a inserção de dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde junto com João Carlos Brecha.

Foco no ex-presidente
O inquérito que mira fraudes de comprovantes de vacinação contra Covid-19 em nome de Bolsonaro e de sua filha caçula é o mais avançado entre os cinco contra o ex-presidente em tramitação no Supremo. Ele nega que tenha sido responsável pelos documentos falsos. No relatório final da investigação, a conclusão dos investigadores foi que o ex-presidente não só tinha ciência, como ordenou a Mauro Cid que emitisse os certificados fraudulentos. Segundo a PF, o ex-ajudante de ordens, inicialmente, forjou comprovantes de vacinação para ele e seus familiares, para que pudessem viajar ao exterior sem que precisassem de fato se imunizar.

Em abril, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu novas diligências na investigação por ter entendido ser necessário esclarecer se o ex-presidente e outros investigados utilizaram os certificados falsos para entrar e permanecer nos EUA, para onde viajaram no fim do mandato de Bolsonaro. A PF vê ligação do caso sobre os dados de vacinação com outro em curso, que trata sobre uma suposta trama golpista. Na avaliação dos investigadores, a fraude “pode ter sido utilizada pelo grupo para permitir que seus integrantes, após a tentativa inicial de golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para a entrada e permanência no exterior (cartão de vacina)”.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.