Governadores de vários estados do país vão pedir uma reunião com a cúpula das Forças Armadas para falar sobre as manifestações de 7 de setembro em favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Os gestores locais pretendem diminuir as tensões e externar aos militares preocupações com o tom ameaçador que os organizadores dos atos têm adotado contra as instituições e a democracia.
A preocupação dos governadores com o 7 de Setembro aumentou após a descoberta de que policiais militares estavam usando as redes sociais para convocar os colegas de farda a participarem dos atos do Dia da Independência — o regulamento da corporação proíbe manifestações políticas de seus membros.
Na segunda-feira, o governador de São Paulo, João Doria, um dos principais adversários de Bolsonaro, anunciou o afastamento do coronel Aleksander Lacerda, que chefiava o Comando de Policiamento do Interior-7 da PM do estado. Além de convocar “os amigos” para as manifestações, o oficial dirigiu ofensas ao próprio governador, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e ao STF.
Os gestores estaduais pretendem que a reunião com a cúpula das Forças Armadas seja presencial e ocorra na próxima semana. A ideia surgiu ontem, um dia depois da reunião do Fórum Nacional dos Governadores. Durante o evento, com o mesmo objetivo de prevenir casos de violência e outras perturbações, 25 chefes de Executivos estaduais e do Distrito Federal decidiram pedir uma reunião com Bolsonaro e com os presidentes do Congresso e do STF.
O ofício que trata dessa solicitação diz que o objetivo é “identificar e pautar pontos convergentes e estratégias visando salvaguardar a paz social, a democracia e o bem-estar socioeconômico da população brasileira”.
Os governadores também assumem o compromisso de “zelar para que a missão das polícias estaduais ocorra nos limites constitucionais e da lei, como se tem verificado na história do país desde a promulgação da Constituição de 1988”.
Pesquisa
Um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a Decode Pulse, investigou a adesão dos policiais militares à agenda conservadora de Bolsonaro. Esse trabalho se concentrou nas manifestações de representantes das corporações em ambientes digitais.
A pesquisa mostrou que 41% dos perfis públicos de praças da PM endossam as pautas do presidente, enquanto 25% adotam um discurso mais radicalizado. O estudo também apurou os posicionamentos pessoais em relação às instituições públicas, costumes sociais, distanciamento social na pandemia da covid-19, imprensa, direitos humanos, entre outros temas. O resultado mostrou que 12% dos PMs compartilham conteúdos contra as instituições, que incluem a defesa do fechamento do STF e da prisão dos ministros da Corte.
À reportagem, o deputado estadual e coordenador-geral da Associação Nacional de Praças (Anaspra), Marco Prisco Caldas Machado (PSC-BA), conhecido como Soldado Prisco, admitiu que Bolsonaro desfruta de grande simpatia entre os PMs de todo o país. Ele defendeu o direito de os agentes se politizarem e disse que os regulamentos das corporações são “opressores”, por proibirem manifestações políticas por parte de membros da tropa.
“A politização dos policiais militares, dependendo do ponto de vista, eu não vejo nada de ruim. Eu acho que a tropa tem de, cada vez mais, se politizar. Para mim, politização é conscientização. Os policiais militares, desde sua fundação até hoje, são uma categoria esquecida pela Constituição Federal, e os governadores são mais repressores possível”, acusou. “Isso porque os regulamentos de todas as polícias militares brasileiras são opressores”, acrescentou ele, que coordena uma entidade com cerca de 15 mil policiais e bombeiros militares filiados.
Defensor da desmilitarização da PM, Soldado Prisco disse não ver problemas em um agente da corporação participar de manifestação, desde que pacífica.
Já a Associação dos Militares Estaduais do Brasil (Amebrasil) divulgou nota, ontem, afirmando que “as polícias militares não podem ser empregadas de forma disfuncional por nenhum governador, pois são instituições de Estado, e não de governo”. O comunicado destaca, ainda, que, em caso de ruptura institucional, essas corporações atuarão como forças auxiliares do Exército.
A nota da Amebrasil é assinada pelo coronel da reserva Marcos Antônio Nunes de Oliveira, que foi comandante-geral da PM do DF. O texto afirma que “às Forças Militares Estaduais e do Distrito Federal (Polícias Militares) compete a segurança e a ordem pública conforme mandamento da Constituição Federal no seu artigo 144”. Também segundo o comunicado, “afora essas missões, ainda lhes são atribuídas, no campo da defesa interna ou no caso de ruptura institucional (estado de sítio ou de defesa), compor o esforço de mobilização nacional para a defesa da Pátria, a garantia dos Poderes constitucionais e garantir a lei e a ordem”.
Ameaças na web
Na internet, proliferam manifestações de PMs. Além de São Paulo, veja outras unidades da Federação:
Rio de Janeiro
Eduardo da Silva Marques Junior, o sargento Da Silva, não comanda batalhões, mas se comunica com um grande contingente. Tem mais de 162 mil seguidores no Facebook. No domingo, o militar da ativa publicou uma foto em que aparece fardado ao lado do presidente Jair Bolsonaro. “Soldados do povo! Guerreiros por natureza! 7 de Setembro será um grande dia! Milhões de cidadãos de bem de todas as regiões do Brasil estão com o senhor!”, escreveu o policial, que tentou ser vereador do município de Belford Roxo (RJ) na eleição de 2020.
Espírito Santo
Na Assembleia do Espírito Santo, o capitão Assumção (PSL) é o principal representante do bolsonarismo. Ele tem usado as redes sociais para convocar apoiadores para uma manifestação no dia 7, que terá como bandeiras a volta do voto impresso e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF. “Chegou a hora do basta!”, postou o capitão.
Santa Catarina
O subtenente Rudinei Floriano preside o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) desde o início do governo de Carlos Moisés (PSL), em janeiro de 2019. As atribuições na autarquia não o impediram de se manifestar politicamente nas redes, nas quais chama Bolsonaro de “mito” e ecoa críticas do presidente a ministros do Supremo. No Facebook, publicou vídeo do chefe do Planalto convidando para a manifestação com frases como “7 de setembro eu vou” e “vai ser gigante”. Por sua vez, o deputado Sargento Lima (PSL) também tem pedido para que seus apoiadores compareçam. “Chamar de gado é fácil. Difícil vai ser aguentar o estouro da boiada. Vai ser gigante em SC.”
Ceará
Davi Azim, coronel da reserva do Corpo de Bombeiros do Ceará, convocou “o nosso grande artista Sérgio Reis, todos os caminhoneiros, todos do agronegócio e todos que estarão em Brasília para o dia 7 de Setembro” a participarem de invasão ao STF e ao Congresso. “Quero dizer a vocês que ninguém pode ir a Brasília simplesmente para passear, balançar bandeirinhas e, tampouco, ficarmos somente acampados. Nós que estamos, se Deus quiser, em milhão ou mais (…), teremos pessoas com conhecimento de como podemos fazer formações de grupamentos para adentramos ao STF e ao Congresso”, disse em vídeo postado nas redes sociais.
“(…) Queremos entrar na paz, mas, caso haja reações, aí, sim, nós vamos ter de enfrentar. Mesmo com a força, porque, o que tiver lá para nos impedir, nós poderemos atropelá-los. (…) Não vou mais a lugar nenhum se não for para adotar atitudes, ficar no blá, blá, blá; no mimimi (…). Não estamos mais para qualquer brincadeira.”
Paraíba
Na Paraíba, o cabo Gilberto Silva (PSL) publicou: “Quem vai dia 7? Acabou a democracia. Temos de lutar pela nossa liberdade. Faremos a maior manifestação da história deste país!”
Lira defende atos “ordeiros”
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu o direito às manifestações, como as previstas para 7 de setembro, mas enfatizou que os atos não podem agredir o Estado democrático de direito. “A democracia é feita para isso”, frisou, durante participação num evento virtual promovido pela XP Investimento
“O que esperamos é que qualquer manifestação seja ordeira, sem ato antidemocrático e que não agrida nenhuma instituição. É importante que a população coloque em pauta suas satisfações ou insatisfações, mas que respeite o funcionamento do Estado do Brasil”, destacou. “O que espero é isso: de forma ordeira e respeitosa, sendo ouvida por quem precisa ouvir e refletida por quem tem de refletir, isso é normal da democracia.”
Na Câmara, deputados estão preocupados e defendem punições aos congressistas que incentivarem movimento golpista. “As instituições e o interesse público devem ser rigorosos com esses parlamentares. Acho que isso é localizado em algumas lideranças, e essas pessoas têm de responder na forma da lei, com prisão e perda de mandato”, argumentou o deputado Afonso Florence (PT-BA).
“Esses boatos geram preocupação, há uma onda de fake news, mas há policiais cometendo crimes. Esses têm de responder na forma da lei. São as mesmas pessoas que defendem milicianos, querem acabar com o voto popular e manter Bolsonaro sem eleição. São pessoas que fazem questão de desgastar o tecido social e instalar o caos para atingir esse objetivo”, criticou.
Correio Braziliense