O megapacote de medidas sociais e econômicas Pró-Brasil, que o governo chegou a anunciar que lançaria nesta terça-feira (25/8) e depois voltou atrás, poderia trazer um jabuti: a privatização da Eletrobras. Aprovada pelo conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em 2017, a desestatização da maior companhia de energia elétrica da América Latina patina desde então. No Congresso, a aprovação encontra forte resistência, por isso, entre as estratégias de tentar emplacar a capitalização da Eletrobras até diluir a participação majoritária da União, o governo estuda inverter a tramitação nas casas legislativas e iniciar o processo pelo Senado. Para os especialistas, nenhuma das alternativas será capaz de privatizar a Eletrobras em 2020.
O texto oficial do governo tramita na Câmara dos Deputados. A expectativa do Ministério de Minas e Energia (MME) era de que a capitalização rendesse R$ 16 bilhões aos cofres públicos. Porém, a exigência dos parlamentares, de a União manter uma golden share (ação especial com poder de veto) para aprovação do projeto, reduz o valor da companhia.
Segundo Mário Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), houve um movimento do MME para incluir dispositivos no PL nº 5877/2019, em análise na Câmara, para facilitar sua aprovação. “O que eu temo é que o custo de aprovar seria grande, ao colocar golden share e fundos de recursos hídricos para a região Norte, com resultado pequeno. Porque tudo isso será deduzido dos R$ 16 bilhões”, explicou. O PL não continha a golden share, lembrou Menel. “Mas houve movimento de parlamentares condicionando isso à aprovação e o governo estaria disposto a voltar atrás, mas isso diminui o valor de mercado da empresa.”
Na opinião de Fabio Izidoro, sócio da área de infraestrutura do Miguel Neto Advogados, embora a desestatização da Eletrobras seja aguardada pelo mercado, colocá-la no Pró-Brasil poderia ser um tiro no pé. “As últimas movimentações legislativas nas quais o governo tentou colocar jabuti à força não deram certo. O Congresso sente-se ofendido. Só funcionaria com uma costura política muito perfeita, o que eu acho difícil neste momento”, avaliou.
Segundo Izidoro, o governo quer reduzir o deficit fiscal com a privatização da Eletrobras. “Mas, fazer algo tão delicado com pressa e resistência política, é muito complicado. Além disso, não sei se o governo tem claro o modelo que quer. Precisa definir isso. Já chegou a cogitar privatizar subsidiárias, porque não precisaria de aprovação”, lembrou. O especialista também ressaltou que iniciar a tramitação pelo Senado talvez não seja uma boa estratégia. “Matematicamente pode parecer mais fácil convencer 81 senadores do que centenas de deputados, mas o Senado derrubou o veto presidencial sobre reajuste de servidores”, recordou.
Rebuliço
Maurício Zockun, sócio do Zockun & Fleury Advogados, disse que o governo requentando o projeto. “No fundo, não tem nada de novo. Lá no início, quando a privatização foi inserida no PPI, em 2017, o governo previa golden share. Em 2018, um pregão chegou a ser iniciado para contratar pessoas e fazer modelagem. O PL 5877 foi uma tentativa de viabilizar a alienação, sem golden share”, enumerou. “Colocar no Pró-Brasil para tentar desestatizar sem autorização legal é só para criar rebuliço”, opinou.
Apesar de não considerarem possível a aprovação ainda em 2020, os especialistas e o presidente do Fase concordam que há necessidade de privatizar a Eletrobras. Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE) ressaltou que a empresa precisa de injeção de capital e o governo está sem dinheiro. “O Estado brasileiro não tem mais capacidade de investir e alguns setores da economia têm condições de financiar isso para que a Eletrobras exerça, na integralidade, a sua função e importância que tem no setor elétrico do país”, disse.
Contudo, Vivan também não acredita em privatização este ano. “A gente esperava que ocorresse no segundo semestre, mas com a pandemia e os olhos do Congresso voltados para outros pontos, ficou difícil. O governo está tentando viabilizar, colocar no programa para ver se facilita. Mas existe uma grande resistência no Congresso, que só se justifica porque em alguns rincões as subsidiárias têm peso político muito grande”, analisou.
Correio Braziliense