Em audiência na Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta terça-feira (23), que a sua empresa fora do país instalada em paraíso fiscal (offshore), nas Ilhas Virgens Britânicas, é “absolutamente legal”, disse que não entrou no governo por “oportunismo” e que não há conflitos de interesse com a manutenção da conta no exterior.
No início de outubro, a série de reportagens Pandora Papers, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, apontou que Guedes, enquanto era sócio da Bozano Investimentos, fundou a Dreadnoughts International, nas Ilhas Virgens Britânicas.
Segundo as reportagens, Guedes segue com a empresa ativa e tinha, em 2015, patrimônio de US$ 9,5 milhões.
Ter offshore não é ilegal, desde que a empresa seja declarada à Receita Federal. As reportagens revelaram também que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, criou a Cor Assets S.A., no Panamá. Campos Neto, que havia declarado esta e outras empresas no exterior em sabatina no Senado, fechou a companhia no ano passado.
Guedes foi convocado para falar sobre o assunto nas Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e de Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados.
O ministro afirmou que enviou recursos ao exterior em 2015, em uma única vez, e depois não mexeu no dinheiro. Disse que os valores são declarados anualmente à Receita Federal, ao Banco Central e informou que, quando entrou no governo, remeteu as informações também ao Conselho de Ética da Presidência da República.
“Existe algum conflito de interesse? A resposta é não, mil vezes não”, disse o ministro.
Guedes disse que a listagem de seus familiares como diretores e acionistas da empresa offshore se deu por questões sucessórias. Se a conta fosse em nome da pessoa física, o recurso iria para o governo, não para os familiares, afirmou.
“Offshore é um veículo de investimento absolutamente legal. É absolutamente legal. Por razões sucessórias, se você quiser investir em alguma coisa, por exemplo, nos Estados Unidos Se tiver uma conta em nome da pessoa física, se você falecer, 46%, 47% é expropriado pelo governo americano. Tendo uma conta em pessoa física, todo seu trabalho de vida, ao invés de deixar para herdeiros, vira imposto sobre herança. Então o melhor é usar offshore. Se eu morrer, invés de metade ser apropriado pelo governo americano, vai para a sua sucessão. Isso é o que explica colocar um parente.”
Os recursos lá fora e seus investimentos no Brasil estão sendo geridos por um “blind trust”, administração sem interferência de sua família, afirmou Guedes.
“São recursos das famílias que estão lá, estacionados. Nenhuma operação com empresas brasileiras listadas em bolsas, que estão fazendo IPOS, índices brasileiros, não tem nada disso. São fundos de longo prazo, recursos da família, transparentes, registrados no BC, com origem, declarados à Receita Federal todos anos”, disse.
Guedes contou que formou seu patrimônio no mercado financeiro e na área de educação. Lembrou que foi um dos fundadores do Banco Pactual, e que também abriu a maior escola de ensino básico brasileiro, na Abril Educação, no Ibmec e no Insper, além de ter iniciado os cursos de MBA (Master Business Administration), um treinamento para executivos, no Brasil.
“Tive oportunidade de vir para o governo antes e não vim. Se fosse alguém que quisesse ganhar, usar conflito de interesses, informação privilegiada, teria vindo antes. Quando Tancredo Neves foi eleito, (Francisco) Dornelles pode dizer que fui convidado por ele para vir ao governo”, revelou.
O ministro disse que abriu mão do rendimento de capital de diversos investimentos no Brasil e, por isso, perdeu dinheiro ao entrar no governo.
“Eu perdi mais do que o valor dessa offshore”, disse. “Perdi muito dinheiro vindo aqui (ao governo) para evitar problemas. Tudo que estava nas minhas mãos, que eu estava investindo, eu vendi ao preço do investimento.”
Guedes afirmou ainda que não há conflito de interesses porque deixou a empresa antes de ingressar no governo.
O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais.
“A offshore é como se fosse uma ferramenta, uma faca. Você pode usar para o mal, para matar alguém; ou para o bem, para descascar uma laranja. Eu fiz um depósito lá fora, em 2014 ou 2015. E nunca mais houve saque para trazer para o Brasil. Não houve mais depósitos ou remessas ao Brasil. São recursos que foram e é parte da sucessão familiar”, afirmou.
O ministro também negou que tenha atuado para elevar a cotação do dólar e, com isso, lucrar com seus recursos depositados no exterior. Como os valores estão em moeda norte-americana, os investimentos se valorizam se o dólar sobe. Nos últimos anos, com tensões políticas e a pandemia da Covid-19, o dólar disparou no Brasil.
“Quanto ao câmbio, ninguém lutou mais por um Banco Central independente do que eu. Se quisesse manipular o câmbio, fazer alguma coisa, eu ficava com o Banco Central sob meu comando. É o contrário. Agradeço à Câmara por ter aprovado o Banco Central independente, pois tira o espaço de atuação do Ministério da Economia. É a despolitização da moeda”, disse.
Guedes creditou a alta do dólar nos últimos anos à pandemia da Covid-19.
“Um vez eu falei que se o câmbio chegar a R$ 5 é porque eu falei muita besteira. Volta e meia tem um economista mais engraçadinho que fala que eu fiz muita besteira. Eu pergunto assim: você ouviu falar de Covid? Se ouviu falar, por favor, não brinque disse. Houve uma tragédia no mundo e o Brasil foi um dos países que melhor reagiram”, declarou.
Agência O Globo