Inflação disfarçada faz produtos diminuírem de tamanho sem queda no preço

A inflação nem sempre aparece para o consumidor pelo aumento dos preços. Em alguns casos, o produto não fica mais caro, mas a embalagem passa a trazer menos unidades ou vem com pesos e medidas menores do que antes.

O fenômeno é conhecido em inglês como “shrinkflation” e pode ser traduzido como “reduflação”. É uma estratégia comercial das marcas: diminuir o produto para não aumentar o preço. Na prática, fica mais caro para o consumidor, porque ele está comprando menos quantidade com o mesmo dinheiro.

Brasileiros, que convivem com inflação acumulada de 9,68% em 12 meses, têm reclamado de produtos cada vez menores. A caixa de ovos que não vem mais com uma dúzia, chocolates e biscoitos que encolheram, o sabão em pó que dura menos. São vários exemplos.

Por lei, as empresas têm obrigação de avisar na embalagem quando houver uma redução. Mas órgãos de defesa do consumidor dizem que nem sempre esse aviso é claro o suficiente. Em São Paulo, se o aviso for muito pequeno, o consumidor pode pedir o dinheiro de volta.

O peso da barra de chocolate e da caixa de bombom é um dos casos que mais geram comentários nas redes sociais. O consumidor percebeu que algumas marcas populares estão vendendo embalagens cada vez menores.

A Nestlé declarou que “a adoção de novos formatos e tamanhos de embalagens pela empresa tem como objetivo acompanhar as tendências de mercado, garantir a adequação a inovações tecnológicas ou também padronizar a gramatura dos produtos das marcas, de forma a manter sua competitividade”.

Disse também que as reduções são sempre destacadas na embalagem com o aviso “Novo peso”.

A Lacta declarou que não reduziu o tamanho dos produtos nos últimos dois anos e que alguns até ficaram maiores neste período. Disse também que qualquer eventual redução será acompanhada da sinalização na embalagem, como determina a legislação brasileira.

Redução na paçoca e no pacote de açúcar
Nem a paçoquinha, uma paixão nacional, escapou. Uma das maiores fabricantes brasileiras, a Santa Helena, informou que reduziu 4g das embalagens retangulares, incluindo as da marca Cuida Bem.

Segundo a Santa Helena, a redução é por causa da inflação nas matérias-primas. A empresa diz que houve aumento de 50% no valor do amendoim e de 39% no das embalagens.

“Respeitamos a legislação e os órgãos competentes. Por isso, sempre comunicamos nas embalagens dos produtos, alertando os consumidores”, disse a Santa Helena sobre o alerta de redução.

Além do chocolate e da paçoca, os consumidores de doce sentiram a “reduflação” até no pacote de açúcar, que vem sendo comercializado com menos de 1kg.

Caixa de ovos e embalagens de carne
A caixa de ovos de galinha com uma dúzia costumava ser um padrão nos mercados brasileiros. De uns tempos para cá, muitas marcas têm optado pela caixa com dez ovos apenas.

A inflação da carne também levou a uma redução na dimensão das embalagens -e o consumidor percebeu. O tamanho da bandejinha de carne virou até meme nas redes sociais.

A ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) declarou que “a decisão de pesagem e quantitativos de produtos são estratégias individuais de cada agroindústria e granja produtora”. Disse também que “entre estas estratégias estão a adequação das porções de produtos para venda em quantitativos adequados à demanda de padrão de consumo das famílias brasileiras em temos de números de membros, e de cada perfil de consumidor”.

Sabão em pó menor lava mais?
Outro item que tem chamado a atenção dos consumidores é o sabão em pó. A embalagem tradicional, com 1kg é cada vez mais rara, sendo substituída por caixas menores.

A fabricante do sabão Omo, líder do mercado, alega que a nova fórmula faz com que o produto renda mais e que, portanto, não haveria prejuízo ao consumidor.

Disfarça inflação, diz especialista
André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que a redução das medidas dos produtos é uma estratégia comercial para mascarar a inflação. “É uma forma de não repassar o preço ao consumidor final, uma estratégia de marketing”, diz.

“O consumidor paga a mesma coisa, mas tem uma satisfação menor com o mesmo produto. Com o tempo, ele percebe a diferença”, afirma o economista.

Segundo Braz, quando um produto “encolhe”, isso precisa ser calculado nos índices de inflação (como IPCA, INPC e IGP-M). Mas como esse cálculo não é simples, é comum que certos produtos sejam simplesmente excluídos da lista de itens avaliados.

Diminuição precisa ser avisada na embalagem
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, afirmou que a redução das medidas dos produtos é permitida, desde que respeite as regras de sinalização.

“No caso específico de produto embalado, existe uma determinação normativa que obriga os fornecedores a informarem na parte frontal do rótulo desses produtos sempre que houver alterações quantitativas”, afirmou em nota.

A reportagem questionou a Senacon sobre autuações a empresas que descumpriram a portaria do Ministério da Justiça, mas a secretaria não respondeu.

Segundo o Idec (Instituo Brasileiro de Defesa do Consumidor), as empresas são obrigadas a informar de maneira clara ao consumidor qualquer alteração em embalagem ou quantidade. “Não adianta apenas uma pequena indicação no mesmo lugar onde o volume anterior estava. É preciso ter destaque.”

O Idec orienta a ficar atento ao tamanho da embalagem e ao preço, mesmo que seja um produto que você compra frequentemente.

“Caso perceba que a quantidade diminuiu e não foi alertado de forma visível no rótulo, faça uma reclamação ao Procon de sua cidade e acompanhe o processo.”

O Procon-SP citou uma lei estadual que obriga as empresas em São Paulo a ocuparem pelo menos 20% da embalagem com um alerta em caso de redução das medidas.

“Aos consumidores que adquirirem os produtos em desconformidade com essa lei, fica assegurado o direito de trocá-los por outro produto de sua livre escolha ou obter a devolução do valor pago em dinheiro”, afirmou.

Folhapress

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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