Principal desafio político do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada, ontem, no Senado, confirmou os nomes para integrar os postos-chaves do colegiado. Em uma derrota do Palácio do Planalto, o senador Renan Calheiros assumiu a relatoria do colegiado apresentando um plano inicial de ações que deverão ser implementadas para investigar a atuação do governo federal no combate à pandemia da Covid-19. Na ocasião, Calheiros afirmou que “tem muita coisa já produzida no que se refere a provas, a postagens, a atos publicados”, e que cabe agora à CPI “dar as respostas que a sociedade cobra”.
Calheiros disse ainda que será imparcial na decisão, fazendo críticas à Operação Lava Jato. “A CPI investiga se por ação, omissão, desídia ou irresponsabilidade alguém colaborou para que a matança avançasse. Vamos apurar, mas com critérios. Só valerão provas efetivas. Não vamos condenar por convicção ou fazer powerpoints contra ninguém”, ressaltou o relator. Renan Calheiros assumiu a relatoria da CPI após derrubar uma liminar da Justiça federal que impedia a movimentação do parlamentar na comissão.
Na ocasião, Calheiros ainda declarou ter absoluta convicção de que a crise poderia ter sido atenuada com atitudes corretas. “O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes e eles devem ser punidos imediata e emblematicamente”, pontuou. Ao todo, o relator elencou 11 temas que devem compor o plano de trabalho da CPI e estabeleceu um prazo de 24 horas para os demais membros da comissão avaliarem as propostas e sugerirem alterações ou inclusões ao texto.
Caberá a Renan Calheiros elaborar o plano de trabalho da comissão, definir cronogramas e, sobretudo, elaborar o documento final da CPI, que poderá pedir a órgãos externos, como o Ministério Público, o indiciamento de membros e ex-membros do governo. O senador apresentou uma série de pedidos como primeiros passos do grupo, que ainda precisam ser aprovados pela maioria da comissão. O plano de trabalho do emedebista inclui a solicitação de todos os processos relacionados às aquisições de vacinas e insumos do Ministério da Saúde.
O relator também sugeriu o pedido de toda a regulamentação feita pelo governo federal sobre isolamento social, quarentena e proteção da coletividade. Além de todos os documentos relacionados a medicamentos sem eficácia comprovada, tratamentos precoces e campanhas de comunicação do governo.
Calheiros também quer que as autoridades sanitárias de Manaus encaminhem os pedidos de auxílio e de envio de suprimentos hospitalares, em especial oxigênio, além da convocação do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, dos outros três que o antecederam na pasta, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e general Eduardo Pazuello, e do presidente da Anvisa, Antônio Barra.
A convocação do atual ministro e ex-ministros para depor na CPI só vai acontecer após a aprovação do plano de trabalho, marcado para ocorrer amanhã, pelo presidente do colegiado, Omar Aziz. A partir daí, poderão ser analisados e votados os primeiros requerimentos. Mandetta deve ser o primeiro convocado.
Análise
Para o estrategista eleitoral e cientista político Vitor Diniz, a primeira reunião da CPI mostra que Bolsonaro não terá vida fácil nos próximos meses. “O governo passará os próximos meses sob forte pressão política. Será um período de turbulência em que a CPI terá destaque tanto na imprensa como nas conversas políticas, até porque virou um tema nacional e também tem relação com a eleição do ano que vem. Não tem como não fazer essa associação entre a CPI deste ano e a eleição do ano que vem”, explicou.
Além disso, Diniz destaca o recado de Renan Calheiros, indicando que vai tentar sim comprovar e implicar o governo federal. “Não sabemos qual será a estratégia do relator e se a culpa recairá sobre o ex-ministro da Saúde, general Pazuello, ou se a CPI vai focar exclusivamente no presidente Jair Bolsonaro. Isso aí é realmente política, as coisas mudam muito rapidamente, então é preciso acompanhar todos os dias para ver como é que isso aí vai se desenvolver”, ressalta.
Já o cientista político Alex Ribeiro destaca que o presidente tem feito política para sobressair do cenário complicado da CPI. “Não se pode desprezar as negociações e o convívio com outros Poderes. A continuação da narrativa contra governadores, STF e parte do Congresso não é o melhor caminho. Fazendo isso, Bolsonaro nega a política. E essa negação leva a uma crise constante. E parece ser a tendência de todo o seu governo”, afirmou.
Blog da Folha