Por Laurez Cerqueira
As luzes dos aposentos do Palácio do Jaburu, às margens do Lago Paranoá, varam madrugadas acesas. Temer não dorme. Também não renuncia e não faz outra coisa na vida a não ser se defender, tamanho o pânico de ouvir o barulho do ferrolho da grade de ferro da cela, que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, o faz sentir.
Isolado como uma presa, pela matilha de chacais que o cerca e pela própria base parlamentar que lhe dá sustentação política e o protege no Congresso, Temer tenta sobreviver dando-lhes nacos de verbas e cargos públicos.
Apesar de tentativas de romper o cerco, com chamados de parlamentares para agendas com ele no Palácio do Planalto, Temer começa a sentir o abandono e a possibilidade de ser afastado da Presidência da República.
Parlamentares da base sequer se deixam fotografar ao lado dele, tamanha a rejeição que ele sofre da sociedade, não só por ter sido pego em flagrante delito em escândalos de corrupção e obstrução de investigações, mas, sobretudo, pelas odiadas reformas que ele e seus cachais insistem fazer o povo engolir.
A base de sustentação do golpe de Estado ganhou vida própria no Congresso Nacional. Negocia e vota as infernais reformas pautadas pelos lobbies empresariais e financeiros, sob comando de Eliseu Padilha, Moreira Franco, o tucano Antônio Imbassay, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, que acaba de ser preso, e, de dentro do presídio em Curitiba, Eduardo Cunha, que ajuda no manejo do “centrão”. Essa gente faz de Temer um office boy, um despachante, um mero rubricador de papéis.
Quando presidente da Câmara, Eduardo Cunha pautou e aprovou a emenda constitucional do orçamento impositivo, que dá a cada deputado o poder de distribuir R$ 15,3 milhões do orçamento da União, sendo metade para a área da saúde, aos municípios de sua base eleitoral.
Com crise ou sem crise, o governo federal é obrigado a destinar a cada parlamentar esse extraordinário volume de verbas em emendas parlamentares. Ou seja, recursos que não dependem mais de barganha com o Palácio do Planalto.
Temer continua sendo o “Vice-Presidente decorativo” que ele mesmo disse ser, em carta à Presidenta Dilma, logo no início da conspiração que a derrubou.
Ele é fraco, titubeante, inseguro ao ponto de precisar de alguém por perto para decidir por ele. Revelou-se um desastre na presidência da República ao deixar o país mergulhar na mais profunda depressão econômica, política e social da história da República.
Nas aparições públicas, principalmente nas viagens internacionais, ele demonstrou ser pequeno, muito aquém do posto que ocupa, com tropeços e vexames próprios de um inepto no exercício da chefia de Estado.
A rejeição que atingiu 93% da população, dá a dimensão do que ele representa para a sociedade.
No judiciário, o ministro Gilmar Mendes, que trama em favor do golpe de Estado desde a conspiração inicial, com enorme desenvoltura política, age como um coringa.
Cuida da proteção de Temer como um tutor e dos principais líderes do golpe. Mendes entra e sai do Palácio do Planalto a hora que quer, numa promiscuidade com o investigado como nunca se viu.
Estão sendo construídos aceiros para evitar chamas de incêndio que possam incinerar o governo ilegítimo de vez. Mas há dúvidas se resolverá. O Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a prisão de Rocha Loures, “o homem da mala” de propinas, antes que ele delatasse Temer.
Aécio Neves teve seu mandato devolvido pelo Ministro Marco Aurélio Melo e afastada a possibilidade de ser preso, com elogios rasgados de “fortes elos com o Brasil” e “carreira política elogiável”, escritos na decisão do ministro.
Além disso, os inquéritos, conforme sorteio da roleta do STF, ficaram “coincidentemente” com os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
A irmã de Aécio Neves, Andrea Neves, o primo, Frederico Pacheco de Medeiros, Menderson Souza Lima, ex-assessor do senador Zezé Perrela, portadores de propina do empresário Joesley Batista, segundo o próprio empresários, também foram soltos antes de possíveis acordos de delação. Tudo isso, feito com “maquiagem de legalidade”, de “respeito” ao Estado democrático de direito.
Mas por que só agora esse “senso de justiça” tomou conta do espírito de certos magistrados do STF? Seria porque chegou a Aécio Neves, ex-candidato derrotado do PSDB, um dos mais agressivos mentores do golpe de Estado, mais ministros e parlamentares que dão sustentação a Michel Temer?
Por que nunca foi preso, nem conduzido coercitivamente, nenhum investigado do PSDB? Por que o “mensalão tucano” está prestes a prescrever sem que nenhum dos criminosos tenham sido condenados pela justiça? Que justiça é essa?
A turma do “segura Temer” tenta ganhar tempo até setembro, quando Raquel Dodge, escolhida por Gilmar Mendes, ocupará o lugar de Rodrigo Janot, na Procuradoria-Geral da República. Ou seja, o presidente denunciado por corrupção, a matilha de chacais da base de sustentação do governo, evidentemente deve aprovar o nome da procuradora no Senado.
Sem a aprovação dos chacais ela não será nomeada. Ou seja, vão aprovar o nome de quem vai dirigir o órgão que os investiga.
Certos movimentos políticos apontam para a manutenção de Temer isolado, como rubricador de papéis até 2018. O grupo de chacais está bancando Temer a qualquer custo e ele, por sua vez, depende deles para isso. Os tucanos são os maiores entusiastas dessa ideia.
Por outro lado, no Congresso, o segundo semestre do ano anterior ao ano eleitoral é, tradicionalmente, o momento de embarque ou desembarque de parlamentares que apoiam governos. Depende da avaliação dos governos.
Todos querem obviamente se reeleger e medem milimetricamente as consequências dos apoios. Eles só embarcam em candidaturas que dão pedal. Pode, também, ter chegado a hora de descarte de Temer. A volatilidade da conjuntura coloca o país em absoluta imprevisibilidade e isso está afetando o mercado e os negócios.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, outro envolvido em escândalos de corrupção, por exemplo, avisou à cúpula do DEM que não há mais condições de segurar a pressão sobre ele. O STF colocou nas mãos dele o pedido de abertura de processo contra Temer e de decisão se acata ou não os 21 pedidos de impeachment. Dependendo da decisão, tudo pode mudar.
O golpe de Estado, que parecia fácil de ser levado até 2018, com imensa base de sustentação no Congresso, apoio da mídia hegemônica e de movimentos de rua, derreteu muito antes do esperado e derrete a confiança nas instituições da República que se envolveram na ilegalidade, nas tramas do golpe de Estado.
Derreteu o governo federal, com sua ilegitimidade e ofensiva com reformas que subtraem direitos, e incompetência ao deixar o país chegar à beira do abismo, com profunda crise econômica, social, e desemprego estrutural. Derreteu o Congresso Nacional, tomado por corrupção e por, talvez, a maior crise de credibilidade da história da República.
Derreteu o Ministério Público ao adotar abertamente posição política com pirotecnias, seletividade, e perseguição, no processo de investigação sob comando do procurador Deltan Dallagnol. Devido a isso, sofreu um estrago monumental na imagem que estava sendo construída na última década.
Derreteu o judiciário, hoje na berlinda, também por assumir posição política, seletividade e perseguição a investigados, como acontece com o ex-presidente Lula. Deixou de cumprir função elementar de assegurar as garantias constitucionais do Estado democrático de direito.
Revelou-se protetor de privilégios de classe, em destaque o STF e, particularmente, o juiz Sérgio Moro, ao desencadear juntamente com Dallagnol, verdadeira caçada ao ex-presidente Lula, com ganas de prendê-lo, sem provas.
Além disso, magistrados que investigam casos de corrupção foram flagrados em jantares e encontros secretos com investigados, em íntima relação com réus. Derreteu a mídia hegemônica, que sofre a maior baixa de audiência de sua história, por envolvimento direto na articulação do golpe de Estado.
Audiência de telejornais como os da Globo despencam, as revistas de final de semana, jornais impressos encalham nas bancas. Parece que o povo está virando as costas para a velha mídia. Derreteu o movimento de rua que apoiou o golpe. Não se ouve mais falar de manifestações de pessoas vestidas de camisas da CBF, indignadas com a corrupção.
Derreteram as candidaturas presidenciais das forças políticas que articularam o golpe de Estado. Por isso, o “segura Temer”. Elas não têm candidato e querem tempo. Restaram aos brasileiros as urnas e a luta por eleições gerais, como alicerce para reconstruir a democracia e reaver as conquistas que o golpe de Estado, liderado por bandidos, roubou do país.