A crise institucional virou uma constante no Brasil desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Porém, nas últimas semanas, alcançou um novo patamar, caracterizado por ataques abertos do presidente em direção a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Voto impresso
O aprofundamento da crise tem como plano de fundo a implementação do voto impresso nas eleições de 2022. Desejado por Bolsonaro – que já chegou a afirmar que sem o sistema não haverá eleição – ele é criticado por especialistas e por diversos atores políticos, e refutado pelo presidente do TSE e ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, que vem sendo alvo recorrente de Bolsonaro por conta da sua posição. A explosão da crise se desenhou no final de julho, quando, em uma live, o presidente utilizou informações falsas para justificar “fortes indícios” de fraudes nas urnas eletrônicas nas eleições que ele próprio saiu vitorioso. A partir daí, houve reação do STF e TSE.
A pedido de Barroso, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, incluiu Bolsonaro como investigado no do inquérito das fake news, tornando-se mais um alvo do mandatário. O TSE também instaurou um inquérito administrativo contra Bolsonaro, que pode culminar com a sua inelegibilidade. Apesar das respostas contundentes, desde então, as tentativas por parte de Bolsonaro em descredibilizar a urna eletrônica, visando o pleito de 2022, e os ataques à cúpula do Judiciário não cessaram.
Fux busca diálogo
Buscando frear a escalada, STF e TSE tentam se colocar no caminho do mandatário. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, procurou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para falar sobre a necessidade de conter o presidente. Na reunião com Aras, segundo nota da PGR, o encontro serviu para renovar “compromisso da manutenção de um diálogo permanente entre o Ministério Público e o Judiciário ”. Nos bastidores, porém, Aras segue sinalizando que não atuará contra Bolsonaro, apesar de continuamente pressionado por seus pares. Ontem, por exemplo, foi instado por subprocuradores-gerais da República, que argumentam que Aras não pode “assistir passivamente” aos ataques bolsonaristas ao sistema eleitoral e aos ministros do STF.
Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, ameniza o tom das críticas ao presidente e tenta dar contornos de normalidade ao cenário atual. Ontem, inclusive, sinalizou a Bolsonaro, garantindo que a PEC que prevê a implementação do voto impresso seguirá para votação do plenário mesmo tendo sido rejeitada, na última quinta, em comissão especial na Câmara.
Modus operandi
Enquanto isso, ontem, Bolsonaro manteve o seu modus operandi. Atacou novamente Barroso, a quem chamou de “aquele filho da p*”, enquanto falava com apoiadores, em evento com empresários em Santa Catarina. Já durante o ato, afirmou que “parte do nosso querido Supremo” deseja “a volta da corrupção”, enquanto ele deseja “eleições limpas, democráticas”, por meio do voto impresso auditável.
Na quinta, Bolsonaro já havia atacado Moraes e Barroso, citando “ditadura da toga”. “Vão me investigar (inquérito das fake news), será que vão me dar uma sentença, fazer uma busca e apreensão no Alvorada, como fazem com o povo comum? Vão mandar quem aqui, a PF ou as Forças Armadas?”, desafiou o presidente, em fala a apoiadores em frente ao Alvorada. Em uma entrevista no mesmo dia, sugeriu atuar fora dos limites da Constituição. “A hora dele (Moraes) vai chegar. (…) Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando”, disse Bolsonaro. Durante live na noite de quinta, novamente os dois ministros foram alvo. “Ministro Barroso e ministro Alexandre de Moraes, vocês não são donos do mundo (…) quem foi eleito foi eu e o Congresso brasileiro”, disse o presidente.
No mesmo dia, em pronunciamento, Luiz Fux elevou o tom, cancelando a reunião que estava prevista entre os três Poderes, sob a justificativa dos ataques contínuos de Bolsonaro a membros da corte. “Sendo certo que, quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro”, justificou Fux.
Nova fase
O cenário atual é estratégico para Bolsonaro e visa as eleições de 2022. Com antecedência, o mandatário tenta justificar uma possível derrota e joga com sua militância, com a suspeita de fraude das urnas, para que o resultado do pleito seja questionado e refutado. A cientista política e professora Priscila Lapa enxerga a ida das instituições a outro patamar a partir da abertura de inquéritos contra o presidente. “Saiu do campo das notas de repúdio para algo mais concreto”, pontua. Para ela, os desdobramentos dessas medidas contra Bolsonaro vão dar um bom retrato da capacidade que as instituições ainda têm de “frear o presidente”.
“O objetivo principal da estratégia de Bolsonaro é o enfraquecimento das instituições, aquela história de ‘água mole em pedra dura’. Ele vai alimentando a instabilidade e com o tempo as instituições saem desgastadas. Porém, acho que nesse momento, elas ainda têm força e a prova disso é que ainda não deixamos de ser uma democracia”, avalia Priscila Lapa.
O jurista especialista em direito constitucional e eleitoral Walber Agra destacou que Bolsonaro escolheu um caminho perigoso para a democracia. “Seguindo moldes de Trump, ele começa com mais de um ano antes das eleições a desacreditar as instituições, isso é muito perigoso. Com a ausência de qualquer narrativa, começa a desacreditar todas as instituições, sem nada plausível. Esse discurso tanto de Fux quanto de Barroso foram discursos de reafirmação da identidade democrática. Em razão de um discurso extremamente golpista (do presidente)”, avalia.
O cientista político e professor da Unicap Antônio Lucena frisa que “a estratégia de Bolsonaro é bater de frente” com as instituições e “faz escola com Trump”. “Ele escolheu esse caminho, já espera uma derrota nas urnas e trilha um golpe que não reconhece as eleições. A ideia é colocar todo o sistema sob suspeita, ativar as bases e ter condições de se manter no poder de uma forma ou de outra”, pontua.
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