É difícil descobrir alguém que tenha encenado Jesus Cristo mais vezes do que José de Souza Pimentel. Só em Fazenda Nova, no Brejo da Madre de Deus, foram 19 anos com o papel principal na Paixão de Nova Jerusalém, de 1978 a 1996. No ano seguinte, o ator natural de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, idealizou, dirigiu e, claro, interpretou o Messias na Paixão do Recife, no Estádio do Arruda. Resistente, superou dificuldades financeiras, falta de investimentos e chegou a montar reduzidas adaptações em Olinda e no Clube Português, até levar, em 2001, a Paixão ao Marco Zero. Em 2018, após 40 anos como Cristo, ele deixou de ser Jesus pela primeira vez. Ontem, às 9h, José Pimentel teve seu último ato. Faleceu aos 84 anos. O destino tem dessas ironias.
No dia 30 de julho, Pimentel sentiu um cansaço e foi levado ao Hospital Esperança, no Recife, onde ficou internado para diagnóstico e iniciou o tratamento de um enfisema pulmonar. O quadro de saúde se agravou a partir do último dia 8, quando ele foi transferido para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Foi diagnosticado com neoplasia biliar, um tipo de câncer desenvolvido na vesícula biliar, pequeno órgão abaixo do fígado. Respirando com a ajuda de aparelhos e submetido a sessões de hemodiálise, ele não resistiu. Nascido no dia 11 de agosto de 1934, faleceu três dias depois de completar 84 anos.
O velório ocorreu na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), sob clima de comoção de familiares, amigos, classe artística e fiéis, que tinham nele a imagem de um propagador da mensagem de amor e dedicação para além do personagem. Não por acaso, o corpo foi velado ontem e será sepultado hoje com as vestes branca e vermelha, símbolo do manto sagrado. “Meu pai deixa um legado de luta, trabalho e amor à arte. Ele é um exemplo a ser seguido em diversos ângulos, seja na vida profissional ou familiar. Foram muitos anos dedicados ao teatro, com muito amor, perseverança e o principal, sem nunca desistir”, disse Lílian Pimentel, a única filha do artista.
Hoje, às 8h, um cortejo sairá da Alepe em direção à Capela do Cemitério de Santo Amaro, onde será realizada missa aberta ao público, às 10h. O sepultamento está marcado para as 11h, no mesmo local.
Presente no velório, a secretária de Cultura do Recife, Leda Alves, homenageou o ator e diretor de teatro com quem contracenou nos palcos. “O Recife agradece a Pimentel o fato de ele ter colocado a serviço do nosso povo todos os seus talentos, como homem de teatro, diretor, ator, cenógrafo, técnico de luz e som. Dedicou-se a cada um desses papéis impregnado de paixão e entrega. Esse é o grande exemplo que ele nos deixa”, disse.
APEGO
Com mais de 60 anos de carreira artística, José Pimentel tinha apego ao personagem e ficou contrariado por ficar de fora da Paixão de Cristo do Recife em abril deste ano. O papel foi desempenhado pelo ator potiguar Hemerson Moura no espetáculo cancelado semanas antes da estreia, mas retomado depois, com menos recursos. “Ele ficava sentado na frente do palco, vi os olhos dele lacrimejando. Ele sentia falta de estar lá”, afirmou a neta, Bruna Pimentel. Em entrevista durante coletiva de imprensa na época da peça, ele chegou a afirmar que voltaria, em breve, a interpretar Jesus. Ao menos na lembrança de quem o assistiu em cena, já está eternizado.
Depoimentos
“Meu avô tinha uma essência fora do comum, uma humanidade ímpar. Quero levar isso comigo e vou passar para o meu filho, que se chama José Pimentel (4 anos). Ele foi um orgulho para a família. Tanta coisa que aprendi com meu avô.”
Bruna Pimentel, neta de José Pimentel e produtora cultural
“José Pimentel teve uma participação marcante na história do espetáculo de Fazenda Nova graças à sua determinação. Com a morte, perdemos um dos grandes entusiastas do teatro pernambucano que, de forma incansável, deixa, como produtor, diretor e ator, um legado notável de grandes espetáculos.”
Robinson Pacheco, presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova
“Fui a primeira mãe dele na Paixão do Recife. Apesar de ser meio ‘pipocado’, as pessoas riam das reações dele. Ele se irritava quando era erguido de forma errada na cruz, e a gente ficava acalmando. Ele tinha uma interação maravilhosa no palco.
Tinha um coração muito bom.”
Vanda Phaelante, Atriz que interpretou Maria por 2 anos na Paixão do Recife
“Pimentel será lembrado sempre como uma pessoa carinhosa, um amigo acima de qualquer coisa e profissional ímpar. Recebi muitos ensinamentos, muitas broncas, reclamações, mas ele tinha uma dedicação e olhar carinhoso para mim e meus companheiros.”
Ivo Barreto, ator que interpreta Judas na Paixão do Recife
Diario de Pernambuco