Ao melhor estilo de Abraham Weintraub, o agora ex-ministro da Educação deixou o governo federal envolvido em mais uma polêmica. Ainda oficialmente na condição de integrante do primeiro escalão do Executivo — mesmo tendo anunciado a sua demissão na quinta-feira ao lado do presidente Jair Bolsonaro —, ele aproveitou do passaporte diplomático ao qual tinha direito para sair às pressas do país e desembarcou ontem de manhã em Fort Lauderdale, cidade da Flórida, nos Estados Unidos. O documento perdeu a validade horas depois, quando a exoneração foi publicada no Diário Oficial da União, mas serviu para os interesses do Palácio do Planalto de retirá-lo dos holofotes no Brasil.
Por mais que, no fim de maio, o governo americano tenha barrado a entrada de pessoas vindas do Brasil como medida de combate ao novo coronavírus, o fato de Weintraub portar, além do passaporte diplomático, visto especial de ministro de país estrangeiro, o dispensou da necessidade de cumprir quarentena em outra nação antes de ingressar nos EUA. Segundo o site da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, essa é uma das categorias de visto que está dentro da exceção da resolução do presidente Donald Trump que trata sobre as restrições de acesso ao país durante a pandemia. Em nota, a embaixada dos EUA disse que não fornece informações sobre casos individuais de visto.
De todo modo, o “jeitinho brasileiro” do ex-ministro para deixar o país, na visão de juristas ouvidos pelo Correio, pode ter representado mais de um delito, como crime de responsabilidade, o que, segundo o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, poderia ter reflexos para Bolsonaro. Para o advogado, como existem inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) que investigam Weintraub, como o das fake news e o do racismo, caso o presidente tenha montado uma estratégia para garantir a saída do ex-ministro do Brasil, sabendo que ele seria alvo de um mandado judicial, isso caracterizaria uma tentativa de obstrução de Justiça.
“É uma utilização indevida do mandato para evitar que alguém pudesse, em tese, se submeter à Justiça. Em se confirmando que há uma tentativa de fuga, é uma situação de incidência da atuação da polícia judiciária”, opinou Cardozo, que foi ministro da Justiça durante o governo Dilma.
Na avaliação de outros advogados, Weintraub ainda pode ter cometido improbidade administrativa ou estelionato. “Tem uma fraude do ponto de vista administrativo, porque ele se utilizou da prerrogativa de um cargo que, de fato, já não existia. Entendo que existe crime de estelionato, porque ele burlou a legislação estadunidense e induziu ao erro uma autoridade”, pontuou o membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Eduardo Tavares.
Tavares ainda apontou um suposto desvio de finalidade na atitude do ex-ministro da Educação, o que também poderia atingir Bolsonaro. “A burla aos princípios da legalidade e da impessoalidade pode fazer com que o presidente e Weintraub respondam por ação de improbidade administrativa, porque está claro que houve o abuso de um direito, de uma prerrogativa, para garantir exclusivamente à pessoa dele que ascendesse à migração internacional.”
Tavares acredita que, por mais que a demissão de Weintraub tenha sido efetivada apenas com a publicação no Diário Oficial da União, ele deixou de ser ministro a partir do momento que divulgou a notícia por meio de um vídeo nas suas redes sociais, na quinta-feira. “Nós temos o princípio da realidade. E, na realidade, ele já estava exonerado desde o momento do vídeo. O ato administrativo de exoneração é um mero ato formal. Portanto, houve uma burla ao procedimento interno de migração. Isso é caso de nulidade da entrada dele nos Estados Unidos, o que pode sujeitá-lo — ou sujeitaria em condições normais de tempo, temperatura e pressão —, a uma reversão, que seria a deportação, pois ele passou a ser um cidadão comum”, explicou.
A advogada constitucionalista Vera Chemin acrescentou que o ato de improbidade administrativa estaria caracterizado porque Weintraub feriu os princípios da honestidade e da boa-fé. “Do ponto de vista prático, essa viagem que ele fez às pressas representa, realmente, uma forma de usufruir do cargo que ele ainda tinha, pelo menos do ponto de vista formal. Desse pressuposto, a gente pode deduzir que foi, de certa forma, um ato de má-fé. Ele, talvez, tenha querido sair rapidamente do país por medo de ser preso, porque parece que havia essa possibilidade, mesmo que remota”, detalhou.
Falsa identidade
Professor de pós-graduação de direito penal da Escola de Direito do Brasil (EDB), Fernando Castelo Branco tem o entendimento de que Weintraub cometeu falsa identidade, crime previsto no Código Penal. “Quando ele se faz passar por diplomata ou alguém que tem as benesses de um ministro, como o passaporte diplomático e o visto, mesmo já não mais o sendo, ele pode estar em curso nesse tipo de crime. É uma forma de falsidade. Ele está iludindo alguém a respeito da própria identidade para obter alguma vantagem. Isso é, no mínimo, lamentável, para não dizer criminoso.”
Castelo Branco acredita que uma investigação é, sim, necessária. “Caberia ao Ministério Público Federal determinar uma investigação ou a própria Polícia Federal investigar esses fatos e, consequentemente, uma eventual ação penal. É um crime de menor potencial ofensivo, mas não importa. Tem todo o procedimento criminal adequado a ele”, observou.
De acordo com a resolução formulada pelo presidente Donald Trump para controlar a entrada de estrangeiros no país, o imigrante que apresentar informações falsas no momento do acesso aos EUA pode ser deportado. “Um estrangeiro que contornar a aplicação desta proclamação por meio de fraude, deturpação intencional de um fato relevante ou entrada ilegal deve ser removido prioritariamente pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA”, informa o documento.
Rota
De acordo com informações enviadas pela assessoria do ex-ministro ao Blog da Denise, Weintraub chegou aos Estados Unidos por volta das 7h. O voo foi operado pela Azul, e saiu do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), na noite de sexta-feira. Amigos de Weintraub informaram que ele seguiu ainda ontem para Washington, onde pretende assumir um cargo no Banco Mundial. Para isso, o ex-ministro precisará de um visto diferente do que permitiu a sua entrada ontem nos EUA e daquele que cobrirá sua permanência nesse período em que nem é ministro nem funcionário de um organismo internacional. Dessa forma, ele terá de sair do território americano, recorrer a alguma embaixada americana mundo afora e providenciar o novo documento.
Correio Braziliense