Um manifesto assinado por 70 profissionais ligados ao direito, entre professores, advogados, procuradores, juízes e três ex-ministros da Justiça pede que as Forças Armadas respeitem a democracia e rejeita que elas tenham um suposto papel moderador.
“Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado”, diz o texto.
Entre os signatários estão os ex-ministros da Justiça Miguel Reale Júnior (governo Fernando Henrique Cardoso), José Eduardo Cardozo (Dilma Rousseff) e Torquato Jardim (Michel Temer).
A presença de Reale, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, e de Cardozo, que defendeu a ex-presidente neste mesmo processo, exemplifica a amplitude ideológica da lista.
Também fazem parte, entre outros, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, e advogados como Antonio Claudio Mariz de Oliveira, Alberto Toron, Fabio Tofic Simantob, Tecio Lins e Silva, Luiz Flávio Borges D’Urso e Eduardo Carnelós.
A iniciativa partiu dos advogados Marcos da Costa, ex-presidente da OAB-SP, e Marcelo Knopfelmacher, ex-presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).
A intervenção das Forças Armadas em momento de crise vem sendo defendida por diversos aliados do presidente Jair Bolsonaro, como o ex-deputado Roberto Jefferson, além de ativistas digitais de direita.
Ela se baseia numa interpretação do artigo 142 da Constituição, que abriria margem para que os militares atuassem como uma espécie de força moderadora, o que é rejeitado pelos autores do manifesto.
“A nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles”, diz o texto.
Os pedidos de intervenção militar têm se acentuado nas últimas semanas, em razão de sucessivas derrotas que Bolsonaro tem sofrido por ação do Supremo Tribunal Federal.
Exemplos recentes foram o veto à nomeação de Alexandre Ramagem para dirigir a Polícia Federal e a divulgação praticamente na íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, contra a vontade do Planalto.
A temperatura subiu ainda mais na última quarta-feira (27), quando a PF, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, fez ações de busca e apreensão contra apoiadores do presidente, no inquérito que apura a propagação de fake news.
Bolsonaro protestou contra a ação e ameaçou não cumprir mais decisões do Supremo. O manifesto defende que discordâncias sobre decisões judiciais são normais e podem ser contestadas, mas sempre seguindo os caminhos constitucionais.
“Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado democrático de Direito. Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força”, afirma o documento.
Leia a íntegra do manifesto:
“As Forças Armadas e a Democracia
A Constituição de 1988 reservou às Forças Armadas papel fundamental como instrumento de defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas (Título V), tendo como missão a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais –Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário (art. 2º) – e, por iniciativa de qualquer deles, a defesa da lei e da ordem.
Os Poderes da República são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e somente estes!
Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado.
Nem agregam o papel de poder moderador entre os Poderes, quer porque assim não está expresso na letra constitucional, quer por não terem vocação para tal mister, em função de seu próprio caráter de força.
Ademais, careceriam de condições para exercer tal incumbência, dada sua vinculação hierárquica e disciplinar ao presidente da República, chefe do Poder Executivo.
Os Poderes, por mandamento constitucional, são independentes e harmônicos entre si (art. 2º), tendo sua organização, funcionamento e atribuições expressamente previstos na Constituição, que ainda define como responsável por sua guarda o Supremo Tribunal Federal (art. 102).
Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado Democrático de Direito, da mesma forma como ocorrem em relação a deliberações dos Poderes Executivo e Legislativo.
Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força.
A nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles.
Conclamamos todos ao encontro da obediência à ordem legal, do caminho da harmonia e do respeito aos Poderes, sob a crença de que, por meio do diálogo, eles continuem o esforço de consolidação de nossa democracia e a merecer os aplausos dos brasileiros.
Só assim o Brasil poderá enfrentar as crises –sanitária, econômica e política– que corroem o ânimo nacional e reencontrar a chama da esperança tão aguardada por todas as camadas de nossa população.
Marcos da Costa (advogado, ex-presidente da OAB/SP)
Marcelo Knopfelmacher (advogado, ex-presidente do Movimento de Defesa da Advocacia – MDA)
Felipe Locke Cavalcanti (advogado, procurador de Justiça aposentado, ex-ministro do Conselho Nacional de Justiça – CNJ)
Carlos José Santos da Silva (advogado, presidente do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados – Cesa)
Paulo Penteado Teixeira Junior (procurador de Justiça e presidente da Associação Paulista do Ministério Público – APMP)
Mário Luiz Sarrubbo (procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo)
Rita Cortez (advogada, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB)
Renato Cury (advogado, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP)
Floriano de Azevedo Marques Neto (diretor da Faculdade de Direito da USP)
Miguel Reale Junior (advogado e ex-ministro da Justiça – governo FHC)
José Eduardo Martins Cardozo (advogado e ex-ministro da Justiça – governo Dilma)
Torquato Jardim (advogado, ex-ministro da Justiça – governo Temer)
Walter Baere Filho (procurador federal, ex-presidente do Conselho de Administração do BNDES)
Cristiane Romano (advogada)
Julio de Oliveira (advogado)
Maucir Fregonesi (advogado)
Renata Refinneti Guardia (advogada)
Leonardo Sica (advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo)
Antonio Claudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB/SP)
Eduardo Muylaert (advogado, ex-secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado de São Paulo)
Fabio Tofic Simantob (advogado, ex-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD)
Tecio Lins e Silva (advogado, ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB)
Luiz Flávio Borges D’Urso (advogado, ex-presidente da OAB/SP)
Eduardo Carnelós (advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP)
Rubens Naves (advogado)
Marcos Fuchs (advogado, diretor-executivo do Instituto Pro Bono)
Fernando Castelo Branco (advogado)
Pierpaolo Cruz Bottini (advogado, professor de Direito Penal da USP)
Arystóbulo de Oliveira Freitas (advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP)
Antonio Corrêa Meyer (advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP)
Alberto Toron (advogado, professor de Direito Penal da FAAP)
Nino Oliveira Toldo (desembargador federal do TRF-3, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe)
Everaldo Patriota (advogado)
Oscar Vilhena (advogado, professor de Direito da FGV/SP)
Belisário dos Santos Júnior (advogado, ex-secretário de Justiça do Estado de SP)
Marcio Kayatt (advogado, ex-pesidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP)
Antonio Ruiz Filho (advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP)
Ophir Cavalcante Junior (advogado, ex-presidente do Conselho Federal da OAB)
Márcia Dinis (advogada)
Hugo Leonardo (advogado, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD)
Roberto Delmanto Junior (advogado)
Juliano Breda (advogado, ex-presidente da OAB/PR)
José Rogério Cruz e Tucci (advogado, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP)
Celso Sanchez Vilardi (advogado)
Homero Mafra (advogado)
Marco Aurélio Carvalho (advogado)
Eloisa Arruda (procuradora de Justiça, ex-secretária de Justiça do Estado de SP)
Maria Cecília Pereira de Mello (advogada, desembargadora Federal do TRF-3 aposentada)
Celso Cintra Mori (advogado)
Marcio Elias Rosa (advogado, ex-procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo)
Paulo Sérgio Domingues (desembargador dederal do TRF-3, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe)
Humberto Gouveia (advogado)
Eleonora Rangel Nacif (advogada)
Fernanda Tortima (advogada)
Marina Toth (advogada)
Mariana Figueiredo Paduan (advogada)
Natália Tozzatti (advogada)
Luiza Alexandrina Vasconcelos Oliver (advogada)
Gustavo Ungaro (advogado)
Luísa Moraes Abreu Ferreira (advogada)
Rafael Thomaz Favetti (advogado e cientista político)
Rossana Brum Leques (advogada)
Helena Lobo da Costa (advogada)
Gabriel Freire Talarico (advogado)
Paulo Diacoli (advogado)
Juliana Rodrigues Malafaia (advogada)
Carolina de Queiroz Franco Oliveira (advogada)
Fabio Mariz de Oliveira (advogado)
Giovana Mariz de Oliveira (advogada)
Claudia Bernasconi (advogada)”
Folhapress