Marina Silva diz que está pagando o preço por não apoiar o impeachment

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Ex-senadora afirma que não vai “instrumentalizar a crise” para tentar ampliar desgaste de Dilma (Foto: ABr)

Por BERNARDO MELLO FRANCO
Da Folha de S. Paulo

A duas semanas das novas manifestações contra o governo, Marina Silva afirma que está disposta a pagar o preço por não defender o impeachment de Dilma Rousseff.

Ela prega “responsabilidade” com a democracia e diz que não vai “instrumentalizar a crise” para tentar ampliar o desgaste da presidente.

Sem citar o PSDB de Aécio Neves, que convocará eleitores para os protestos do dia 16, a ex-senadora sustenta que os políticos devem “respeitar a sociedade” e evitar o “oportunismo”. “O momento é de escutar. Ouvir e compreender, olhar e perceber”, rimou.

Marina recebeu a Folha na última quarta (29), em São Paulo. Segurava seu programa de governo da campanha de 2014, em cópia xerocada e cheia de anotações a lápis.

Ela manifestou incômodo com as críticas de que estaria muito calada diante da crise. “Estou trabalhando muito. Não estou sumida não, viu?”

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Folha – A senhora consegue ver uma saída para a crise?

Marina Silva – A contração da economia vai se estender por um período que ainda não sabemos qual é. Se o país perder o grau de investimento, a situação vai se agravar.

Neste momento, é preciso ter muita responsabilidade. Já tivemos perdas em relação às conquistas econômicas. Agora estamos tendo perdas em relação às conquistas sociais, com inflação e desemprego. Uma coisa que não podemos perder é a nossa confiança na democracia.

Não podemos, em hipótese alguma, colocar em xeque o investimento que fizemos na democracia. Você não troca de presidente por discordar dele ou por não estar satisfeito. Se há materialidade dos fatos, não há por que tergiversar. Se não há, o caminho doloroso de respeito à democracia tem que prevalecer.

As manifestações do dia 16 devem pedir o impeachment de Dilma. Qual a sua opinião?

A sociedade tem todo o direito de se manifestar, porque foi enganada quando negaram os problemas e não fizeram o que era preciso.

Mas esse protesto não pode antecipar o que a Justiça ainda não concluiu. Uma coisa é o que a sociedade pauta, outra é o que as lideranças políticas têm que ponderar.

Alguns políticos estão tentando instrumentalizar a crise, em vez de resolvê-la. Na democracia, não se resolve a crise passando por cima do processo constitucional.

Isso tem um custo? Claro. Mas a liderança política não tem apenas que repetir o que se quer ouvir. Às vezes, ela tem que pagar um preço. Não podemos deixar de considerar o valor da democracia, até pelos traumas que passamos.

A sra. é cobrada por não defender o impeachment?

O presidente Fernando Henrique tem uma postura ponderada e paga um preço por isso. Eu tenho e pago o meu. Não estou fazendo isso porque quero agradar A ou B. É porque acho que é o certo. É muito fácil pensar que existe uma saída mirabolante.

Dilma tem responsabilidade pelo escândalo da Petrobras?

Ela foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente do conselho da Petrobras. Eu não seria leviana de dizer, sem provas, que ela tem responsabilidade direta. Sinceramente, torço para que não. Ela tem responsabilidades políticas e administrativas. Não há como ser isentada politicamente.

Mas a legislação brasileira diz que é preciso ter envolvimento direto para o impeachment. Não podemos ter uma atitude leviana com isso.

A presidente voltou a falar em diálogo. A sra. aceitaria um convite para conversar?

Agora que estamos com o leite derramado, as pessoas se dispõem ao diálogo…

O caminho do diálogo é sempre bem-vindo, desde que se saiba em que direção. Na direção de mais do mesmo, não há o que conversar.

Torço para que a presidente e sua equipe reconheçam a gravidade dos problemas e os erros que foram cometidos. Reconhecer isso é a base para encontrarmos uma solução.

Qual a saída possível?

Temos que seguir dois trilhos. Um é o das investigações, com autonomia para o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça. O outro trilho é o dos rumos da nação.

Talvez seja o momento de um pacto em torno de uma agenda comum aos interesses do país. Qualquer governo deveria ter apoio para medidas estruturantes. Eu não posso ser a favor do desenvolvimento sustentável e votar contra ele porque quem está propondo é a Dilma ou o Aécio. Isso seria incoerente.

Quais são os erros que o governo precisa reconhecer?

Em 2008, todo o mundo decidiu fazer o dever de casa. O Brasil simplesmente negou a crise. Negou o princípio da realidade. Tomamos medidas inicialmente acertadas, de estímulo ao mercado interno, mas em algum momento a corda iria quebrar.

O governo criou a expectativa de que o país poderia continuar crescendo 7% ao ano, como em 2010.

Se a sra. fosse eleita, não faria um ajuste igual ao de Dilma?

A dose não seria de morfina, como a que está sendo dada agora. Com mais credibilidade, com certeza se criaria um ciclo virtuoso de investimento e mobilização dos setores produtivos. O remédio seria menos amargo.

Eduardo Cunha pode continuar à frente da Câmara?

Nenhum de nós está acima da lei, por mais que tenhamos cargos importantes no Congresso. Uma vez denunciado, é óbvio que ele deve ser afastado, sem que isso seja um pré-julgamento. Mas a função que ele ocupa pode criar impedimentos ao andamento das investigações.

Alguns eleitores reclamam que a sra. anda distante do noticiário. A Marina sumiu?

Em 2010, as pessoas me faziam a mesma pergunta. Esse não é o momento de ficar gesticulando, tagarelando. É o momento do gesto.

Não estou aqui para instrumentalizar a crise. Nunca parei de trabalhar. Continuo na militância socioambiental e sou professora associada da Fundação Dom Cabral.

Pretende se candidatar a presidente de novo em 2018?

Ainda não sei. Estou ajudando a criar a Rede [seu novo partido, ainda não registrado]. Quero fazer as coisas sem estar presa ao que pode ser eleitoralmente melhor.

A gente está no fundo do poço porque a preocupação é maior com as eleições do que com o futuro da nação.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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