Folhapress
Presidente da CBF por duas décadas até 2012, Ricardo Teixeira foi acusado por delatores na Justiça dos Estados Unidos de ter recebido propina na venda de direitos comerciais da entidade.
Investigado em pelo menos quatro países (EUA, Espanha, Uruguai e na Suíça), o cartola de 70 anos se diz inocente e nega ter recebido dinheiro irregularmente. “Isso não existe. Se me deu comissão, mostra. Diz o banco. Diz a data. Manda o governo americano mostrar o papel”, afirma à reportagem.
Desde 2015, quando o FBI tornou público a investigação por corrupção no futebol, Ricardo Teixeira nunca mais deixou o Brasil. O ex-presidente da confederação disse que não voltou ao EUA para “não se aborrecer” e também por causa da sua saúde. Ele fez um transplante renal em 2013.
“Se der uma ziquizira lá, vou ter problema para resolver”, contou, no final da tarde de quarta-feira (6) num restaurante da zona sul do Rio. Em uma hora, Teixeira tomou um café e duas cervejas, que, segundo ele, servem como diurético.
O ex-comandante da CBF afirma que o empresário J.Hawilla, seu ex-amigo e principal delator nos EUA, está “descompensado”. Na Corte de Justiça do Brooklyn, nos EUA, o empresário disse, na segunda-feira (4), que pagou ao ex-presidente da entidade pelo menos US$ 10 milhões em propina.
“Ele está completamente descompensado e quer resolver o problema dele”, afirmou. Ele foi indiciado com outros 15 dirigentes pelo Departamento de Justiça dos EUA em 2015. Hawilla também acusa o cartola de receber propina pela venda da Copa do Brasil em 2013. Segundo o empresário, Teixeira, José Maria Marin, presidente da CBF na época, e Marco Polo Del Nero, atual comandante da entidade, dividiam R$ 1,5 milhão em propina por edição até 2022.
“Não consigo entender essa lógica. Eu rescindo o contrato e a Traffic continua me pagando comissão por ele”, afirmou Teixeira, referindo-se ao acordo anterior rompido com a empresa. Em 2012, a Klefer comprou os direitos do torneio e fechou uma parceria com a Traffic até 2022.
Hawilla apresentou áudios no julgamento de Marin em que negocia com o dono da Klefer, o ex-presidente do Flamengo Kleber Leite, supostas propinas para o ex-presidente da CBF.
Defensor da Globo
Teixeira defende o Grupo Globo, que foi acusado de pagar propina para Julio Grondona (1931-2014), ex-presidente da AFA e então membro do comitê financeiro da Fifa, na compra dos direitos de transmissão das Copas do Mundo de 2026 e 2030.
A acusação foi feita pelo argentino Alejandro Burzaco, ex-homem forte da companhia de marketing argentina Torneos y Competencias, em depoimento em Nova York, em novembro. “Não acredito nisso. Isso é mais uma mentira. Não tenho procuração da Globo, mas isso não existe”, afirmou o ex-mandatário da CBF.
O Grupo Globo confirmou a compra dos direitos de transmissão das duas edições citadas da Copa do Mundo, mas se disse “surpreso” com as alegações feitas no julgamento e negou pagar propinas.
“O Grupo Globo afirma veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina. Esclarece que após mais de dois anos de investigação não é parte nos processos que correm na Justiça americana. Em suas amplas investigações internas, apurou que jamais realizou pagamentos que não os previstos nos contratos”, disse em nota.
PERGUNTA – Hawilla disse que pagava propina ao senhor para a seleção disputar os torneios com o time titular.
RICARDO TEIXEIRA – Isso não existe. Tenho o contrato aqui [mostra os documentos]. Ele deve estar falando disso [mostrando o contrato da Copa América de 2004, disputada no Peru]. Aqui tem um aditivo, que mostra que a Traffic pagou a CBF uma cota suplementar de US$ 1,5 milhão para a seleção disputar “os jogos do evento com os melhores jogadores profissionais disponíveis”. No dia 28 de julho daquele ano, o dinheiro foi parar na conta da CBF no Banco Rural. Foi depositado R$ 4,527 milhões na conta da CBF. Naquele ano, a seleção ainda disputou o torneio com alguns reservas [Roberto Carlos e Cafu foram poupados por Parreira e Ronaldo cortado].
P – Hawilla diz que o senhor era beneficiário de propina para a compra de direitos econômicos da Copa do Brasil e que continuou ganhando mesmo depois de sair da CBF.
RT – Isso começa na Copa América de 2011, quando a Traffic perde o contrato do torneio e decide entrar na Justiça contra todas as dez federações do continente. Quando eles fizeram isso, a Conmebol exigiu que todos as confederações rompessem com a Traffic. A empresa tinha com a CBF o contrato da Copa do Brasil e o televisionamento da seleção. Chamei o Kleber [Leite, dono da Klefer e ex-presidente do Flamengo], e ele me deu 20% acima do que a Traffic me pagava em dólar pela Copa do Brasil. Não consigo entender essa lógica. Eu rescindo o contrato e a Traffic continua me pagando comissão por contrato. Isso tem lógica?
P – A lógica dele é que o senhor manteve a estrutura de poder. Colocou o José Maria Marin no seu lugar [pelo estatuto da CBF, o vice mais velho assume o poder em caso de renúncia]. Tem também a gravação de conversa do Hawilla e do Kleber Leite discutindo o valor da propina ao senhor.
RT – Isso é o que ele justifica. Eu rescindi o contrato com ele e passei o negócio para a Klefer. Mais na frente, a Klefer acertou com a Traffic uma parceira no contrato. Não tenho nada com isso. Já estava fora da CBF desde 2012. Como vou romper o contrato e ganhar comissão? Isso não existe. É ridículo.
P – Como encara o depoimento da Hawilla, parceiro da CBF por anos, dizendo que o senhor recebeu milhões em propina?
RT – Ele está completamente descompensado e quer solucionar o problema dele. Olha a carta que a Traffic mandou para a Klefer em 2015 [após as prisões na Suíça]. Nela [mostrando o documento], a Traffic diz que o senhor J.Hawilla está fora da empresa. Fala que a empresa desconhece o teor da delação nos EUA e diz que quer retomar a parceria com a Klefer. A carta é assinada pelo filho dele, o Stefano de Menezes Hawilla.
P – O senhor é acusado por outros depoentes de receber. Quanto o senhor ganhou em propina?
RT – Nunca recebi propina.
P – A Justiça do Rio está apreciando um recurso do senhor contra o Banco do Brasil. O pedido é para que o banco aceite receber cerca de US$ 22 milhões que estavam na conta de um banco em Mônaco.
RT – Foi um dinheiro que fiz no Brasil, declarado no meu Imposto de Renda. Essa quantia foi transferida oficialmente para o exterior, quando fui morar fora [após renunciar em 2012]. Tenho a entrada dele também na CBF. Eu mandei esse dinheiro para [o banco em Mônaco] quando fui morar nos EUA. Estou de volta ao Brasil e quero de volta.
P – Por que o Banco do Brasil não quer receber?
RT – Não é isso. Eu já trouxe um monte [de dinheiro]e vou trazer mais esse restante. É minha única conta no exterior.
P – E a origem do dinheiro dessa conta?
RT – Era o dinheiro que ganhava aqui. Eu recebia também da Fifa no Brasil [o cartola foi presidente do Comitê Organizador da Copa e integrante do Comitê Executivo da Fifa]. Eu trazia esse dinheiro para o Brasil, colocava no Imposto de Renda e botava no caixa. Foi dinheiro também da venda de casa nos EUA.
P – O senhor já recebeu dinheiro da TV Globo para facilitar na venda dos direitos?
RT – Nunca. Não acredito nisso. Isso é mais uma mentira. Não tenho procuração da Globo, mas isso não existe.
Digo mais. Todas vez que participei de reuniões da Globo na Fifa, eles nunca nem me pagaram passagem. Ia com a passagem paga pela CBF.
P – Del Nero diz que nunca recebeu propina e alega que os contratos suspeitos foram assinados pelo senhor ou pelo Marin.
RT – Esses contratos foram realmente feitos na minha gestão e foram reformados por ele. Não sei como foi feito, nunca voltei à sede da CBF.
P – Vários dirigentes do continente admitiram que receberam propina. Apenas o senhor, o Del Nero e o Marin seguem negando.
RT – Chega um momento que você se cansa de falar as coisas. Teve um argentino [Alejandro Buzarco, da Torneos y Competencias] que disse que me pagava propina. Nunca vi esse cara. Isso não existe. E depois tem outra. Me deu a comissão? Mostra. Diz o banco. Diz a data. Manda o governo americano mostrar o papel. Agora, o Hawilla disse que mandou dinheiro em meu nome para contas bancárias em Hong Kong e Jerusalém. Nunca tive nada nesses países. Me mostre esse dinheiro.
P – O senhor pensa em fazer uma delação nos EUA?
RT – Delação de que?
P – Mas não pretende nem esclarecer essa situação com os promotores? O senhor nunca mais deixou o Brasil, assim como Marco Polo Del Nero, presidente da CBF.
RT – O meu caso é um pouco diferente. Se der um ziquizira com o meu transplante [renal], vou ter problema para resolver. Por isso, prefiro ficar aqui. E também não quero me aborrecer [nos EUA]. Mas não vejo problema, tenho duas filhas que moram nos EUA.
P – Em junho, o senhor disse que tudo que o “acusam no exterior não é crime no Brasil”. Qual crime o senhor acredita que cometeu?
RT – Me expressei mal. Eu digo que comissão privada não é crime. Pergunta a qualquer advogado brasileiro.
P – Mas o senhor recebeu?
RT – Não. Isso é irrelevante.
P – O Sandro Rosell está preso há mais de seis meses. Os promotores espanhóis acusam ele, o senhor e mais três pessoas de integrarem uma “organização criminal transnacional” e de “lavar dinheiro proveniente de comissões ilícitas” da “venda dos direitos sobre a seleção”.
RT – Não recebi nada. É uma pena que está acontecendo com o Sandro, que fez um belo trabalho no Barcelona, na Nike e na ISL [antiga agência de marketing da Fifa].
P – Os espanhóis pediram ao Brasil a prisão do senhor. E também enviaram ao Brasil o processo. O senhor não teme ser preso?
RT – Não temo [ser preso]. Eu já fui investigado centenas de vezes.