“Não viam a luz do dia há 17 anos”, diz capitão que resgatou mulher e filhos em cárcere privado

O caso bárbaro de uma mãe e dois filhos mantidos em cárcere privado há 17 anos pelo pai da família em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio chocou a população. Vizinhos relataram com tristeza o estado em que viram as vítimas serem resgatadas pela polícia nesta quinta-feira (26).

Até o fim da noite de ontem, o estado de saúde da mulher e dos dois jovens de 19 e 22 anos era de desnutrição e desidratação grave. Ao sair da casa e ver o sol pela primeira vez depois de quase vinte anos, a mulher relatou dor na vista aos policiais.

— Ela disse que não via a luz do dia há 17 anos, era a primeira vez nesse tempo todo, dizia sentir dor pela luz do sol. Nós oferecemos água, perguntei se ela tinha comido alguma coisa e se queria comer, ela disse que não. Dizia “não, não, não, eu não posso comer, ele não deixa a gente comer sem autorização dele” — conta o capitão William Oliveira, chefe do setor operacional do 27º BPM (Santa Cruz), que tentou tranquilizar a mulher informando que o homem já estava preso e que eles poderiam se alimentar sem problemas: — Eu expliquei que ela e os filhos estavam em liberdade agora e que o homem havia sido preso, mas ainda assim, ela insistiu e não comeu nada — disse.

A casa onde eram mantidas as vítimas não tinha infraestrutura básica para habitação. O imóvel não tinha revestimento de cimento. Por dentro estava só no emboço. O chão era de concreto batido. Não havia água encanada e nem uma caixa d’água, apenas algumas garrafas pet com líquido esbranquiçado. Em um cômodo, havia dois colchões sujos e sem lençol.

— O local era úmido, não tinha circulação de ar, as janelas ficavam sempre fechadas com cadeado e tapumes de madeira. Também havia forte mal cheiro, o lugar não pegava sol — relata o capitão.

Segundo ele, os dois filhos do casal, um rapaz de 19 anos e uma jovem, de 22, tinham aparência de criança e não falavam. Antes de serem resgatados, eles estavam amarrados e sujos. Apenas a mãe conseguia falar.

— Os dois jovens estavam agitados. Balbuciavam e se debatiam muito. A situação foge da realidade. Difícil de compreender. Recebemos uma denúncia anônima de que uma família estava sendo mantida em cárcere privado. Quando a guarnição entrou na casa, encontrou dois jovens amarrados pelos pés e sujos. Havia até fezes no local. Inicialmente, pensávamos que eram crianças, tal era o nível de desnutrição da moça e do rapaz – descreveu o capitão William.

Ele conta ainda que o criminoso disse aos policiais que não fez nada de errado:

— Ele nos disse que os filhos eram doentes mentais e precisavam estar presos. Quando conversamos com a senhora, ela nos disse que ela e os filhos não saiam de casa há 17 anos. Provavelmente, eles viviam sendo agredidos, mas isso será a Polícia Civil quem irá constatar. O ambiente da casa é um horror. Um imóvel simples, quase sem móveis, sujo e com mau cheiro. A gente que já pensa que viu de tudo nessa vida, nunca imagina que haja algo tão assustador! — comentou o capitão.

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) foi acionado e as vítimas foram socorridas para o Hospital Municipal Rocha Faria. Mãe e filhos apresentam quadro de desidratação e desnutrição grave, segundo informou a Secretaria municipal de Saúde do Rio nesta quinta-feira (28), e estão recebendo os cuidados clínicos necessários, além do acompanhamento dos serviços social e de saúde mental.

O homem que cometeu o crime tem em torno de 45 a 50 anos. Alguns vizinhos informaram que ele saía cedo, trancava a família dentro de casa e voltava ao anoitecer. De acordo com a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Campo Grande, o autor foi autuado em flagrante pelos crimes de tortura, cárcere privado e maus-tratos. A investigação está em andamento.

Folhape

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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