‘Nem sei identificar o que é maconha’, diz presidente da Anvisa

Na lista de alvos preferenciais do governo Jair Bolsonaro, o cardiologista William Dib, 72, acha graça quando é acusado de fazer apologia da maconha. “Se colocar maconha aqui na minha frente, nem vou saber identificar. Minha geração é a do lança perfume”, diz. O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) entrou na mira do governo ao abrir para consulta pública a possibilidade de plantio de maconha por empresas e de registro de medicamentos derivados da planta.

Foi acusado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, de buscar subterfúgios para a liberação do uso recreativo da droga. Também apanhou pesado do próprio presidente, que disse que a Anvisa demora demais a registrar medicamentos e para quem o órgão estaria criando dificuldades para vender facilidades.

Às críticas, o médico de voz pausada dá de ombros. Está um tanto acostumado, afinal, a bater de frente com o ocupante do cargo mais alto da nação. “Não é a primeira vez que fico discutindo com um presidente. O Lula subiu muito no palanque contra mim”, afirma ele, referindo-se à eleição municipal de 2004, quando era prefeito de São Bernardo do Campo (SP) pelo PSB e buscava a reeleição. “E eu ganhei com 78% dos votos contra o PT [na verdade, 76,3%]”, afirma, sem disfarçar o sorriso.

Filho de sírios que migraram para Garça, no interior paulista, Dib chegou a São Bernardo aos sete meses de idade, quando os pais abriram uma loja na cidade do ABC paulista. Lá, “Dr. Dib” foi secretário de Saúde, vice-prefeito e por fim prefeito, entre 2003 e 2008. Teve ainda um mandato de deputado federal pelo PSDB (2011-15). Em 2017, chegou à Anvisa, indicado pelo então presidente Michel Temer, que conhece desde a década de 1980. Tem mandato na agência até dezembro deste ano.

A tranquilidade de Dib tem motivo: a Anvisa oferece a ele blindagem, pelo fato de diretores de agências terem mandato fixo. É um caso diferente do ocorrido com outros inimigos do governo, como o ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Ricardo Galvão, exonerado em razão da insatisfação de Bolsonaro com os dados sobre o desmatamento da Amazônia. “Virei bode expiatório”, diz ele. “Mas quando você bate boca, acaba denegrindo a imagem da agência. Acaba entrando na politicagem”, afirma.

Dib conta que introduziu o tema da maconha para consulta pública por uma questão prática. É preciso normatizar o tema, diz ele, que hoje é um cipoal de medidas judiciais beneficiando indivíduos e associações. Ele afirma que antevia reação forte, mas imaginou que viria sobretudo dos defensores do uso da maconha. “O enfrentamento que acreditei que a gente teria é das pessoas com decisão judicial a seu favor, achando que nós estaríamos tirando um direito deles”, afirma.

Segundo Dib, a proposta em debate na Anvisa é “muito, muito, muito mais restritiva do que o que há hoje”, reforçando a entonação da palavra “muito”. “Vai regularizar o plantio da maconha no Brasil, que não será para dezenas ou centenas de pessoas. Não haverá essa possibilidade, porque há a palavrinha ‘cota’ na regulamentação”, diz. A reação dos conservadores, declara, vem do fato de no Brasil as pessoas não terem o hábito de lidar com dados. “Debate científico é uma coisa meio mágica na cultura brasileira”.

Ele espera ter o tema pronto para se votado pelos cinco diretores da Anvisa em outubro. Relator da matéria, antecipa que votará a favor. Numa rara crítica direta ao governo, diz que a defesa feita por Terra de que o assunto seja debatido pelo Legislativo não faz sentido. “Não posso acreditar que um membro do Congresso cite isso, porque foi o Congresso que produziu as leis que delegam à Anvisa essa atribuição”, afirma, referindo-se ao fato de que Terra é deputado federal licenciado pelo MDB-RS.

Polêmicas
Na prefeitura de São Bernardo, Dib teve como marca obras viárias, além da pauta da saúde. Suas contas de 2004 foram reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, por insuficiência de gastos em educação, o que ele contesta. Com controle total sobre a Câmara Municipal, conseguiu reverter o parecer do TCE.

Também se envolveu em uma polêmica quando era candidato a vice-prefeito em 1996, ao ser gravado prometendo dinheiro a dois candidatos a vereador de uma coligação adversária. Na época, afirmou que tinha sido vítima de uma armação e acabou absolvido em primeira instância. Ex-filiado ao PSB, ele não se diz socialista, mas afirma estar “muito mais à esquerda do que à direita”.

Apesar disso, flertou, quando deputado, com temas conservadores. Em 2013, foi coautor de um projeto cujo objetivo era revogar a lei que obrigava o atendimento de vítimas de estupro em hospitais do SUS. Ele diz que seu objetivo era evitar que a prática do aborto se tornasse corriqueira numa rede pública sem estrutura adequada para isso.

Mas na justificativa do projeto, os autores dizem que a lei deveria ser revogada porque tinha como principal objetivo “preparar o cenário político e jurídico para a completa legalização do aborto no Brasil”. Outros projetos tentavam coibir o bullying nas escolas e exigiam teste oftalmológico para concessão de porte de armas. Nenhum foi aprovado. Questionado se é um progressista, Dib responde que “provavelmente”. “Não sou simpatizante do sr. Bolsonaro. Não sou simpatizante da direita ou da extrema direita”, declara.

Folhapress

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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