OPINIÃO: Cegueira nacionalista

Por MENELAU JÚNIOR

A Copa do Mundo Fifa 2014 começou no último dia 12 de junho com uma polêmica: um pênalti marcado a favor do Brasil. O jogo contra a Croácia estava duro e seguia empatado em 1 a 1. Até que o árbitro inventou um pênalti depois que Fred simulou, teatralmente, uma falta na área adversária.

Neymar converteu em gol a cobrança e isso mudou a história do jogo. Ganhamos dentro de campo e perdemos para o resto do mundo. Em vários países, a imprensa esportiva condenou a atitude do brasileiro e chegou a questionar a lisura do torneio – uma vez que a seleção do país anfitrião já começara ganhando “no roubo”, como diriam os argentinos.

Não bastou. Na última quarta, foi a fez de Marcelo simular vergonhosamente um pênalti. Dessa vez, o juiz não marcou, mas deveria ter dado ao jogador brasileiro um cartão amarelo pela tentativa de simulação. Não deu, favorecendo de novo a seleção. O canal SporTV chamou a atitude dos jogadores brasileiros de “ridícula”. Um comentarista resumiu tudo ao dizer que esse tipo de artifício, malandro, para enganar os juízes e se dar bem de forma desonesta era “feio para o Brasil”.

Obviamente, a cegueira nacionalista que tomou conta do país tratou de minimizar as coisas. Mas cegos que o árbitro japonês que nos deu a vitória contra a Croácia, muitos torcedores defendem que, de fato, Fred sofreu pênalti. Felipão, diante do fracasso de seu time contra o México, reclamou da arbitragem alegando que Marcelo teria sido derrubado na área. Ou seja, deu vez à desonestidade, à malandragem, ao “jeitinho brasileiro” de levar vantagem em tudo.

Ninguém de bom-senso vai negar que a seleção é favorita por méritos próprios. Ninguém de bom-senso vai negar também que, contra a Croácia, a “canarinha” jogou bem. Mas não basta isso. Para os patriotas de plantão, é preciso negar que nosso time foi favorecido, é preciso negar que a história do jogo poderia ter sido diferente não houvesse a participação do árbitro. E é preciso mostrar erros de arbitragem em outros jogos para negar que o Brasil ganhou com a ajuda (imensa) do juiz.

Independentemente disso, o que está em jogo é nosso conceito de honestidade. Admitir que o Brasil foi favorecido não é, como querem os talibãs da patriotada, torcer contra. É simplesmente entender que honestidade não tem lado: ou se é honesto (e se defende esse valor em qualquer situação) ou não se é. Não há meio termo.

Ah, mas “erros existem em todas as Copas”. “O Brasil foi prejudicado há quatro anos”. É verdade. Mas isso não muda as coisas: a Croácia foi prejudicada e pronto. Fred usou de artifícios que o futebol proporciona? Sim. Mas foi honesto? Não. É simples! Marcelo tentou fazer o mesmo no jogo contra o México? Sim! Citar erros de arbitragem para justificar o que houve no jogo anterior é como “encher a cara”, sair dirigindo bêbado e dizer que não é crime porque muita gente faz isso.

Na próxima segunda, o Brasil enfrenta Camarões. A maioria da nossa população espera o óbvio: uma vitória sem maiores atropelos, uma vez que o adversário já não tem chances de classificação. O que se espera também é que nossos jogadores parem de cair na área para cavar pênaltis, como se só pudessem ganhar jogo enganando o juiz. Querer a vitória do Brasil, “não importa como”, é revelar toda a mesquinhez humana. Quem hoje acha que “vale tudo” para ganhar a Copa, deve achar que “vale tudo” para se (re)eleger, que “vale tudo” para vencer na vida, que “vale tudo” para não pagar por eventuais crimes cometidos. E que “vale tudo” para se obter um bom resultado numa prova…

Honestidade não tem lado, não tem pátria, não tem futebol. Admitir que o Brasil foi favorecido por uma arbitragem vergonhosa não é tirar os méritos da seleção. É simplesmente reconhecer o que só nós não queremos ver, por causa dessa cegueira nacionalista que nos acomete em época de Copa. É simplesmente ser honesto. Mas honestidade é item cada vez mais raro nos estádios e fora deles. Nestes tempos de Copa, vale tudo para ver o Brasil campeão. Quem não o ame, que o deixe (ops, isso não era slogan?)…

menelau blog

 

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa. Escreve para o blog todas as quintas-feiras. E-mail: menelaujr@uol.com.br

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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