Por MARCELO RODRIGUES
A Constituição Federal, ao consagrar o ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, atribuiu a responsabilidade de sua preservação e defesa não apenas ao poder público, mas também à coletividade.
Para além disso, a Carta Magna fez do poder público o principal responsável pela garantia, a todos os brasileiros, do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. Para isso, ela determina sete incumbências ao poder público (e somente a ele) para assegurar a efetividade desse direito. Mas a mesma sociedade (coletividade), que deve ter assegurado o seu direito de viver num ambiente que lhe proporcione uma sadia qualidade de vida, também precisa utilizar os recursos ambientais para satisfazer suas necessidades básicas. E, como todos sabem, não é possível vida digna e saudável sem o atendimento dessas necessidades. Na vida prática, o processo de apropriação e uso dos recursos ambientais não acontece de forma tranquila.
Há interesses e conflitos (potenciais ou explícitos) entre atores sociais, que atuam de alguma forma sobre os meios físico-naturais e construídos, visando ao seu controle ou a sua defesa e proteção. Como principal responsável pela proteção ambiental no Brasil, cabe ao poder público, por meio de suas diferentes esferas, intervir neste processo, de modo a evitar que interesses de determinados atores sociais (madeireiros, empresários da construção civil, industriais, agricultores, moradores, etc.) provoquem alterações no meio ambiente que ponham em risco a qualidade de vida da população afetada.
Como mediador principal desse processo, o poder público é detentor de poderes e obrigações estabelecidas na legislação que lhe permitem promover desde o ordenamento e controle do uso dos recursos ambientais (incluindo a criação de incentivos fiscais na área ambiental) até a reparação e a prisão de indivíduos pelo dano ambiental. Neste sentido, o poder público estabelece padrões de qualidade ambiental; avalia impactos ambientais; licencia e revisa atividades efetivas e potencialmente poluidoras; disciplina a ocupação do território e o uso de recursos naturais; cria e gerencia áreas protegidas; obriga a recuperação do dano ambiental pelo agente causador; e promove o monitoramento, a fiscalização, a pesquisa, a educação ambiental e outras ações necessárias ao cumprimento da sua função mediadora, o que efetivamente não acontece em Caruaru, que hoje se tornou, a nível ambiental, a casa da mãe joana, expressão popular que significa sem organização.
E não é difícil aferir, basta olhar para o rio Ipojuca; o Monte do Bom Jesus; o Parque Professor João Vasconcelos Sobrinho (Serra dos Cavalos); a ausência de um plano de arborização, de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas; e daí por diante.
Por outro lado, observa-se em Caruaru que o poder de decidir e intervir para transformar o ambiente (ou mesmo para evitar sua transformação) físico-natural ou construído, e os benefícios e custos dele (do uso do poder) decorrentes, estão distribuídos social e geograficamente na sociedade de modo assimétrico. Por serem detentores de poder econômico ou de poderes outorgados pela sociedade, determinados atores sociais possuem, por meio de suas ações, capacidade variada de influenciar direta ou indiretamente na transformação (de modo positivo ou negativo) da qualidade ambiental, o que infelizmente nos leva a uma reflexão de que esses agentes pouco se importam com as futuras gerações.
É o caso dos empresários (poder do capital); dos políticos (poder de legislar); dos juízes (poder de condenar e absolver, etc.); dos membros do Ministério Público (o poder de investigar e acusar); dos dirigentes de órgãos ambientais (poder de embargar, licenciar, multar); dos jornalistas e professores (poder de influenciar na formação da opinião pública); das agências estatais de desenvolvimento (poder de financiamento, de criação de infraestrutura); e de outros atores sociais cujos atos podem ter grande repercussão na qualidade ambiental e, consequentemente, na qualidade de vida das populações, mas infelizmente essas responsabilidades são pouco produtivas e reais no que tange aos papéis que efetivamente deveriam representar no universo da Capital do Forró.
Na realidade, esses atores, ao tomarem suas decisões, nem sempre levam em conta os interesses e necessidades das diferentes camadas sociais direta ou indiretamente afetadas. As decisões tomadas podem representar benefícios para uns e prejuízos para outros, e sempre prevalecem a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos com todos os habitantes.
Um determinado empreendimento pode representar lucro para empresários, emprego para trabalhadores, conforto pessoal para moradores de certas áreas, votos para políticos, aumento de arrecadação para o governo, melhoria da qualidade de vida para parte da população e, ao mesmo tempo, implicar prejuízo para outros empresários, desemprego para outros trabalhadores, perda de propriedade, empobrecimento dos habitantes da região, ameaça à biodiversidade, erosão, poluição atmosférica e hídrica, desagregação social e outros problemas que caracterizam a degradação ambiental.
Por fim, o termo gestão ambiental não existe no atual governo municipal, que passados cinco anos quase nada avançou em defesa e nas garantias ambientais elencadas na Carta Magna, na Constituição do Estado, na Lei Orgânica e na ausência de marcos regulatórios em matéria de legislação ambiental em nosso município, o que é muito grave. Alie-se a isso a ausência da fiscalização do já sofrível Legislativo e de um Ministério Público que pouco vem fazendo no que pese suas atribuições para minimizar as questões críticas ambientais. É nesse quadro que surge uma pergunta: é omissão ou improbidade administrativa do Executivo, revelada nas condutas descritas ao longo desses cinco anos?
Faz-se mister afirmar que a prática da gestão ambiental não é neutra. O município, ao tomar determinada decisão no campo ambiental, está de fato definindo quem ficará, na sociedade, com os custos e quem ficará com os benefícios advindos da ação antrópica sobre o meio físico-natural ou construído. Daí a importância de se praticar uma gestão ambiental participativa. Somente assim é possível avaliar custos e benefícios de forma transparente.
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog
Omissão e falta de preparo para os atuais legisladores. Fora disso não encontro razões a não ser a econômica dos atuais gestores.