OPINIÃO: Menos hipocrisia e mais beijinho no ombro (Parte I)

Por DANIEL FINIZOLA

Semana passada, um fato chamou a atenção de milhares de brasileiros nas redes sociais:o professor Antônio Kubitschek, de Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, pôs em sua prova a seguinte questão: “Segundo a grande pensadora contemporânea Valesca Popozuda, se bater de frente é?” Era uma questão de múltipla escolha, em uma prova de filosofia. Pronto! De repente, surgiram indignados defensores da “boa cultura” e dos “bons costumes” por todos os lados. Várias pessoas compartilharam a foto da questão com frases do tipo: “Isso é um absurdo”, “É o fim da escola pública”, “Esse professor é louco”, “Não acredito!”

O que não dá pra acreditar é no tamanho da hipocrisia da sociedade brasileira, em especial, de parte da classe média que adora exercer o seu discurso “cult ostentação”. Se a música vem da periferia é logo tachada de “pouco inteligente”, “coisa de gente sem educação”. Os “intelectuais” da arena virtual não tardam em corrigir os erros de concordância das composições e se gabam do seu belo português, geralmente utilizado para criar uma relação de poder frente aos que não tiveram acesso a uma “boa” educação. Sim, boa entre aspas. Não se engane! Hoje, o ensino propagado nas escolas é refém das provas que ditam o acesso às universidades, isso é algo que distorce de forma significativa a finalidade da educação básica no país. Criamos a ilusão de que a boa educação básica é aquela que garante o acesso à universidade. Será? Cada vez mais, a leitura de mundo é individualista, segregadora e pouco colaborativa, fruto de uma educação que fortalece esses valores no seu cotidiano. O assunto é muito bom e merece um artigo só sobre ele. Mas, voltemos aos recalques sociais.

Há muitos senhores moralistas que detestam, odeiam e demonizam o funk ostentação e “inculto”, mas que adoram ouvir o bom e velho rock n’ roll. Recordo-me de uma música do Nirvana que diz “Rape me, my friend”, ou seja, “estupre-me, meu amigo”. Nessa hora, vale quem fala a frase. Nesse caso, foi Kurt Cobain que falou, então, há todo um sentido: maníaco, drogado, depressivo, que justifica a frase no contexto da música e tal. Não é mesmo? Mas, caso algum funkeiro ou funkeira utilize-se dessa frase em uma música, tendo por objetivo chocar a sociedade e chamar atenção para um problema social, não iria tardar a aparecer moralistas e “intelectuais” com a expressão “Absurdo!”, “Que música horrível!”, “Que mau gosto!”. A causa poderia ser nobre, mas a primeira coisa a ser julgada seria a origem e a estética da música, renegada por muitos “intelectuais” que geralmente costumam seguir a lógica provinciana de que bom mesmo é a música que vem de fora ou aquela feita pela nata intelectualizada do país, que adora fazer músicas com rimas ricas cheias de palavras proparoxítonas.

Olhe que o rock está cheio de expressões como essa da música do Nirvana. É só uma banda de rock gringa falar em drogas, loucuras e sexo, pra classe média cult se reunir em torno de uma boa cervejada e comentar orgulhosa as atitudes, digamos, “pouco ortodoxas”, dos seus ídolos do rock. Por outro lado, veste a carapuça da hipocrisia e não tem coragem de sentar pra debater com a sociedade a descriminalização da maconha, por exemplo. Mas adora dizer que tem cultura só porque escuta músicas do Velvet com frases do tipo: “Heroin it’s my wife”.

Esse assunto é instigante e merece que continuemos semana que vem.

Beijinho no ombro para todos e todas.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

10 thoughts on “OPINIÃO: Menos hipocrisia e mais beijinho no ombro (Parte I)

  1. Pablo Patriota says:

    É meu amigo, acho coerente o seu posicionamento. Mas tem lá suas nuances.
    A gente há de convir que não se trata apenas de preconceito com o que vem dos pobre e favelados. Lembre que em outra hora, a música que vinha do morro era a poesia de cartola, em outro tempo tínhamos uma música que fazia qualquer “intelectual” da classe média, colocar o rabinho entre as pernas e se morder de inveja da genialidade que vinha das favelas, dos pobres. Digo mais, fazia a música da cidade subir o morro por necessidade de se misturar com as joias que vinham de lá.
    Muitos aspectos sociais, com muito boa vontade, podem ser garimpados do funk carioca, mas pra mim a música que sai das favelas, francamente honesta, é o hip hop. O brilho que vi nos últimos anos veio do disco “Nó na orelha” do Criolo.
    O Funk carioca com seu beijinho no ombro é apenas mais um produto cultural. Visa o sucesso, somente!
    Isso me parece bem distante do que procuramos e da busca que travamos todos os dias.
    Beijinho no ombro pra tu!

  2. Carlos Antônio says:

    Texto meia-boca….Sem profundidade,argumentos pífios.Concordo com Patriota.Não é porque é da favela,não é porque é de pobre(De pobre a Popozuda não tem nada) é simplesmente porque é ruim!!Venha da classe A Ou Z!!!Essa tendência de defender tudo que soa subversivo apenas porque vem “das classe menos favorecidas” é algo raso,só pra pintar um cenário pseudo-equerdista libertário.Faça-me o favor: Vai lá na favela da ilha do Rato em Olinda,aluga um barraco e fica compondo funk lá.Beijinho no Ombro.É nóis!!!!

  3. Daniel Sales says:

    É fato nas artes, no futebol, nas religiões, na política, em vários temas, existe o antagonismo e muitos indivíduos, a fim de defenderem seus gostos/crenças, se utilizam da máxima de que “isso não se discute”. No entanto, os que usam desse discuro são os que mais levantam a voz para denegrir a crença ou gosto do outro. Fazem isso preconceituosamente, sem parar por um segundo e pensar: “O que eu gosto/creio faz sentido pra todo mundo?”.

    Gostei do texto, me lembra uns 10 anos atrás, nas conversas sobre bandas de rock, quais eram as bandas boas e quais eram as posers. Meninice, sabe?

  4. Jair Marques says:

    “Instigante” essa é a palavra. Instigante como quase 100% do funk nacional – só fala em como desrespeitar o outro em um relacionamento, não ajuda em nada na concordância gramatical mesmo com direito livre de licença poética, pasme – letras rasas, mas com apologia as drogas, muito mais que em qualquer “rock”. Instigante como alguém vem a público falar que devemos conotar “aquele barulho/Bagulho” de fenômeno cultural. Instigante como a hipocrisia entra facilmente em crônicas que mais parece conveniência de quem escreve, por gostar e se identificar, do que um pensamento racional; mais parecendo torcer pelo Ibis se ele enfrenta o Barça, por peninha! Instigante como “rolezinho” é cultura; político ladrão é cultura…etc.

  5. João Paulo says:

    Olá Daniel, concordo também com seu ponto de vista mas tenho uma opinião divergente quanto à questão de que atualmente, diferente de algumas anos atrás, o funk tornou-se um tanto vulgarizado, no sentido de que embora seja uma forma de expressão e possua cultura, hoje em dia suas letras só incitam certos tipos de comportamento prejudiciais principalmente a jovens em formação. Sou voluntário em um projeto do governo e me deparo muitas vezes com jovens cantando e dançando músicas que depreciam a mulher e provocam a visão de apenas um objeto na mesma, e isso é extremamente danoso para o futuro dos mesmos.
    De fato, entendo que o funk possui sim objetivo cultural e social, como o hip hop, o rap trazem questões e problemas das favelas em prol de soluções e mostrando sua indignação com absurdos que vemos todos os dias mas que são aceitos diversas vezes sem uma disputa de interesses. Mas as musicas que na atualidade fazem sucesso nesse meio muitas vezes só trazem mensagens superficiais e sem conteúdo e isso vale pra todos os gêneros. Então vale ressaltar que existem muitas musicas boas por ai, seja funk, rock, samba, sertanejo, rap, etc. Apenas falta discernimento principalmente dos adolescentes que são os maiores consumidores dessa mídia para ouvir algo que traga beneficio em sua vida.

  6. Mayra Clara Vitorino says:

    Se me perguntarem se gosto de funk, diria que gosto da batida do funk porque é bastante dançante e gosto mesmo de dançá-lo. Entretanto, sobre as letras a opinião pode variar. Existem vários tipos de letras do funk e prefiro as que falam de indignações sociais ou as mais românticas. Não vejo um grande problema na letra do funk da Valesca Popozuda, entretanto, não diria, menos ainda numa prova escolar de filosofia, que ela é uma “pensadora”, no sentido filosófico do termo. Mas, em um sentido geral, somos todos e todas seres pensantes.
    Enfim, na verdade o que quero dizer é que o funk não é exatamente o problema. Sim, há uma discussão boa sobre a hierarquização que se faz entre música de classe média/alta e música da periferia, contudo, o que acho mais interessante de se pensar é que o funk, o sertanejo, o rock, etc. fazem, também, um sentido de mão-dupla com as mazelas sociais de um modo geral, ou seja, as letras refletem sim um estado de realidade, tipo de educação e de vivência. Vale lembrar que boa parte de nossa classe média/alta tem pesamentos e posicionamentos parecidos ou idênticos com muitas das letras do funk, tanto que também o consomem, mesmo que neguem. O problema mesmo está no tipo de sociedade em que vivemos: violenta, machista, homofóbica, racista, classista. E esses problemas sociais se transformam em músicas, sejam elas reivindicatórias de direitos sociais, sejam elas retificadoras de tais problemas.
    O que entendi da problematização do texto do Daniel Finizola é que existe uma hipocrisia sobre consumidores de música dita “cult” em relação a música da periferia. Concordo que exista, mas creio que vale abrir a discussão para além: realidade social das músicas de periferia X realidade social das músicas das classes médias/altas: diferenças e semelhanças ou onde o pensamento social se mistura. hahaha…mote pra dissertação!

  7. Jonathan Soares says:

    Pense num assunto polêmico.
    Concordo em alguns pontos com você. É hipócrita a idolatria a alguns ídolos do rock que esbanjam mal exemplos como se fossem reis de alguma coisa, ao mesmo tempo que se propaga o desgosto raivoso ao funk carioca, como se os primeiros apresentassem alguma contribuição “cultural” ou para a educação das pessoas, da maneira que praticamente exigem que o funk dos morros o faça.

    Nesse assunto, não tem como deixar de lado o gosto pessoal de cada um. Eu, particularmente, concordo com Pablo. A periferia produz muita coisa de qualidade, mas a exposição que antes tinha o Cartola, por exemplo, hoje tem a Valesca Popozuda. Na minha opinião, em se tratando de contribuição artística, há uma distância gigantesca entre esses nomes. O que não pode impedir que falte respeito com a Valesca, como mulher e cidadã.
    Só acho complicado enaltecer uma figura como ela (artisticamente muito fraca, em minha opinião, mas ainda assim uma pensadora, como todos nós somos) pra fazer prevalecer essa idéia do respeito.

    Acredito que nenhum gênero musical é ruim por natureza, isso aí vai depender de cada artista. Tem Rock ruim, Rap ruim, ‘MPB’ ruim… assim como tem Rock bom, Rap bom, ‘MPB’ boa e por aí vai. Isso pode acontecer com o sertanejo, o funk, o samba e qualquer outro gênero também. No mais, cada um que tenha seu gosto, mas o respeito tem que prevalecer sempre, afinal, como você falou, o gosto não faz ninguém melhor que ninguém. E no fundo, é aquela estória, muitos usam as críticas apenas para se afirmar e se posicionar acima do criticado. Vai entender.

  8. Pedro Henrique says:

    Gostei da comparação da música do Nirvana com a da Valeska. Elas tem bastante coisa em comum. Assim como um pinguim e uma calculadora.

    Querer falar que a discriminação do funk é pelo fato de ser música de periferia é por preguiça de argumentar?
    Até onde eu sei umas das principais e bem reconhecida estilo musical é o Rap. Que tem um respeito da sociedade.
    Poderia fazer uma lista de estilos musicais e cultura de periferia que são autênticos, bom exemplo, de qualidade e tudo que o “Funk” não é!

    O mais próximo do funk que o rock pode chegar é no Hard rock. E esse ainda escapa pela boa qualidade musical.

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