OPINIÃO: Os tempos são outros (Parte II)

Por DANIEL FINIZOLA

Que a indústria fonográfica está em crise, todo mundo sabe! As grandes transnacionais já não ganham tanto dinheiro com a venda de disco. Há tempos, Caetano, com sua imaginação e genialidade, cantou: “Eu vou fazer uma canção de amor, para gravar num disco voador”. Hoje caberia a frase: “Eu vou fazer uma canção de amor, para gravar no computador”.

A tecnologia aplicada à música possibilitou um barateamento na produção de trabalhos fonográficos. Antes, era preciso muita grana para contratar horas de estúdio e fazer uso da cara tecnologia que viabilizava a produção do CD. Isso mudou. Agora os homes studios se multiplicam, facilitam e barateiam a produção. Não há mais pressa, nem gerente de gravadora dizendo o que você pode ou não fazer na música. Você está na sua casa ou no estúdio do amigo curioso. Ao mesmo tempo, muitos viraram o músico, o técnico e produtor do seu próprio disco. Os artistas de hoje vão se multifacetando e ampliando os seus conhecimentos para além da inspiração e da criação.

Aos poucos, muitas gravadoras foram abandonando os artistas, e muitos artistas também abandonaram as gravadoras. Muitos eram contratados para reproduzir o que o mercado determinava como som vendável, ou seja, estreitando o horizonte da arte em nome dos interesses econômicos das transnacionais do entretenimento. Mecanismos como o famoso jabá ditavam e ainda ditam qual será a música da moda. A popularização da internet vem mudando esse quadro. A ala dos artistas independentes vem crescendo nos últimos anos e, junto com ela, um público.

O cantor Cícero é um bom exemplo de tudo isso que estamos falando. Inicialmente sem grande esquema de divulgação na grande mídia, seu primeiro disco ganhou a internet e virou febre no Brasil. Também podemos citar artistas como Wado, Criolo, A Banda Mais Bonita da Cidade, Bárbara Eugênia e os caruaruenses Almério e Valdir Santos, que produziram seus trabalhos de forma independente e vêm ganhado o universo virtual.

Mas é importante perceber que a produção de um disco é constituída de um conjunto de pessoas e ações que agregam valor à obra. Isso vai da arte impressa na capa aos arranjos aplicados à música. Muitos têm o hábito de pegar o encarte, saber quem são os compositores, ler a ficha técnica, saber quem são as pessoas que gravaram cada instrumento ou em que estúdio a obra foi concebida. Ter o registro físico de uma obra fonográfica em suas mãos é uma sensação que vai bem além da que costumamos ter ao abrir uma pastinha com músicas no computador. É fato que a música digital deu mais alcance aos artistas que não têm espaço na grande mídia, ao mesmo tempo que ampliou o anonimato de todos que participam da produção do trabalho. Nem todo mundo tem o cuidado de, ao divulgar a música na internet, registrar todos que fizeram parte da concepção do trabalho. Uma pena!

Há quem romantize o debate, apontado que, com a música digital, a produção fonográfica perdeu muito do seu conjunto enquanto obra artística (capa, o encarte e as concepções de modo geral). Há pessoas que fazem um debate econômico, mostrando a violação de direitos autorais na internet e os prejuízos que isso causa.

São os avanços e dilemas da cultura digital.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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