Um total de 2.004 ações relacionadas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) foram apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) entre 7 de janeiro de 2022 e 22 de fevereiro de 2023. Os processos, cujas relatorias estão espalhadas entre os ministros da Corte, dividem-se entre originários, decorrentes por exemplo de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), e recursais.
Questionamentos ao Supremo acerca da redução de arrecadação do ICMS voltada a combustíveis e serviços de telecomunicações, energia elétrica e transportes por iniciativa federal são realizados pelas 27 unidades da Federação de maneira recorrente desde o primeiro semestre do ano passado. As contestações são voltadas majoritariamente às leis complementares 192 e 194. As normas retiraram dos governadores a liberdade da cobrança do imposto, a partir de atos do antigo Ministério da Economia e por meio de projetos de lei, apoiados por Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). À época, a pasta econômica estava sob o comando de Paulo Guedes.
Lira e Pacheco são presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente, e se manifestaram favoráveis às proposições durante as discussões entre o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e gestores estaduais. O foco de Bolsonaro era minar aumentos de combustíveis e energia elétrica a consumidores, uma das principais crises de sua gestão. Nos bastidores, parlamentares comentaram, no período, que se tratava de uma investida do ex-presidente para reduzir as arrecadações de unidades federativas em período eleitoral.
A crise ganhou novos ares após a publicação de uma portaria, ainda em 2022, do Ministério da Economia — hoje Fazenda — autorizando que fosse feita a compensação a estados que superaram 5% de perda de arrecadação. O documento determina que o impacto da redução do imposto deve ser apurado mensalmente, mas ainda não há certeza se o direcionamento será seguido. O ponto é uma das tensões no atual acordo que está sendo debatido entre um grupo de governadores e a Fazenda, para dirimir o conflito da recomposição das perdas, ainda não iniciada.
Há divergência se o cálculo deve considerar 2022 inteiro ou parte do ano, explica Rafael Fonteles, coordenador do grupo de gestores que estão à frente dos debates. O entrave desemboca em outra dúvida: o valor a ser restituído. O somatório levantado por secretarias fazendárias é de R$ 45 bilhões, ao passo em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oferta R$ 22 bilhões. Questionado se houve avanço nesse aspecto, o Ministério da Fazenda respondeu ao Correio, por meio de nota, que a “matéria está em fase de análise” e que, por isso, a pasta não vai se “manifestar no momento”.
As tratativas com o titular da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tiveram início oficialmente em janeiro e, desde então, já ocorreram em mais de uma oportunidade. No mesmo mês, a reunião do presidente da República e nomes de sua gestão, no dia 27, travou diálogo sobre o tema. Na data, em conversa com a imprensa, gestores confirmaram o debate, mas evitaram falar do assunto. Dias depois, em novas tratativas já em fevereiro, a pauta voltou à mesa de negociação. Também neste mês, Lira e Pacheco, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, estes ministros do STF, se reuniram separadamente com o grupo, que busca que Câmara, Senado e Supremo sejam forças complementares para o pagamento, caso as negociações sejam seladas.
Se o acordo for exitoso, ações no STF perdem o objeto, e o Congresso vai precisar aprovar um projeto de lei ou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para autorizar as recomposições, a depender do formato em que a proposição do governo chegar ao parlamento: via fundo de recomposição, Fundo de Participação dos Estados (FPE) ou medida alternativa. Coordenador da temática entre os governadores, Rafael Fonteles afirmou, na semana de início do carnaval, após a agenda com Lira e Pacheco, que o objetivo é “fazer um acordo que seja firme, seguro e permanente para não gerar surpresas aos estados”.
“Agora, há muito mais clima para fazer essa harmonização federativa, envolvendo todos os poderes e todos os entes. Os municípios são afetados, na medida em que eles têm a contraparte do ICMS”, complementou. A ordem é chegar de maneira pacífica a um consenso, para evitar tensões. Decisão liminar de Barroso, deste mês, contudo, pode abrir precedente para recompor as perdas. O ministro determinou que a União inicie imediatamente a compensação ao Espírito Santo decorrente da redução de alíquotas do ICMS de combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
No pedido ao Supremo, o estado aponta que a perda, no segundo semestre de 2022, é estimada em R$ 1,2 bilhão. O presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Economia ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Carlos Eduardo Xavier, foi procurado pela reportagem, que não conseguiu contato com o gestor. Fontes disseram que há uma expectativa de que novas audiências com a Fazenda ocorram nesta semana para que a discussão seja retomada.
Em paralelo, pelo menos 13 estados aumentaram, após aprovações das respectivas assembleias estaduais, as alíquotas de ICMS: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Maranhão, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe, Ceará e Tocantins. Sete estão no Nordeste. Os aumentos passam a viger em março, com calendários diversos. As medidas fatalmente gerarão impactos, entre outros pontos, nas bombas de todo país e podem ser impulsionadas caso a medida provisória (MP) de Lula do início deste ano que desonerou combustíveis não seja apreciada pelo Congresso e outra não seja apresentada.
Correio Braziliense