A equipe do setorial de Segurança Pública do governo de transição estuda uma guinada de 180° em relação àquilo que foi realizado no governo de Jair Bolsonaro (PL). Os técnicos escalados para debater os temas ligados à área estão dedicados, neste primeiro momento, em identificar todas as normas estabelecidas durante o mandato do atual presidente que deverão ser revogadas já nos primeiros meses da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ainda na campanha, o petista sinalizava a intenção de retomar o Estatuto do Desarmamento, a exemplo do que fez em 2003, no primeiro ano do primeiro governo. Agora, a atuação será focada na reestruturação da regulamentação das armas de fogo no país e, segundo a equipe de transição, reforçar a segurança da região amazônica.
O grupo de trabalho foi divulgado na semana passada. O senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) coordena a equipe e apresentará ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, a relação de 17 temas que serão tratados durante o governo de transição.
“É claro que é um governo com propostas de mudanças. É um governo de outro campo político. Mas, no terreno administrativo, naquilo que for possível, o que for cabível dar continuidade, é claro que nós faremos”, explicou Dino, à saída do encontro com Torres, na última quinta-feira. O ex-governador do Maranhão é um dos mais cotados para assumir a pasta, a partir de 2023.
A nova regulamentação de armas seguirá o Estatuto do Desarmamento. O senador eleito afirmou que a política do “liberou geral” para a obtenção de artefatos de fogo e munições “alimenta a violência e colocou armas nas mãos do crime organizado”. As estatísticas também mostram os impactos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho passado, houve um aumento de 473% no número de cidadãos registrados com posse de armas.
Participação
Ao mesmo tempo, cresce a pressão para que as forças de segurança sejam ouvidas pelo novo governo. Apenas um policial participa do setorial para a Segurança Pública: o delegado da Polícia Federal Andrei Passos, responsável pela integridade de Lula durante a campanha eleitoral. Os demais componentes do grupo de trabalho são advogados, especialistas no setor e parlamentares.
A ausência vem causando incômodo entre as forças de segurança, que pedem maior representatividade e poder de decisão. Aloizio Mercadante, coordenador dos grupos técnicos da transição, assegurou que os policiais serão consultados na fase posterior de discussões. “Vão participar decisivamente, porque (o grupo) é Justiça e Segurança Pública. Vão compor nessa segunda fase. Está sendo cuidado para poder conduzir de uma forma que possam ser ouvidos e ter resultados”, garantiu.
Procurada pelo Correio, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) disse que não foi procurada pela equipe, “mas espera o contato e está à disposição para colaborar com a construção de uma política de segurança pública que valorize o policial federal, modernize o sistema e, com isso, traga mais segurança para a sociedade”.
Facilitação
Durante sua Presidência, Bolsonaro defendeu o acesso ao armamento como uma das propostas de redução da criminalidade. Porém, pesquisas mostram que a iniciativa teve efeito contrário ao que esperava. De acordo com a publicação Armas de Fogo e Homicídios no Brasil, divulgada pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, em setembro deste ano, se não houvesse o aumento de armas de fogo em circulação, a partir de 2019, teria havido 6.379 homicídios a menos no Brasil.
Uma explicação do estudo é que o aumento de circulação de arma tem relação direta com a ilegalidade: quanto mais revólveres, pistolas ou fuzis nas mãos de uma população desqualificada para usá-los, mais migrarão para o mercado ilegal — seja por meio de extravios, roubos ou ações premeditadas de seus proprietários. O levantamento também mostra que a criminalidade cresce 1,2% em latrocínios (roubo seguido de morte), a cada 1% a mais de pessoas armadas. Já a cada 1% de aumento de armas, a taxa de homicídio sobe 1,1%.
O coordenador de projetos do Fórum de Segurança Pública, David Marques, destacou a necessidade de investimento no Sistema único de Segurança Pública (Susp), elencado como uma das prioridades do governo eleito.
“Isso carece de uma maior organização e da implementação de sistemas, como o sistema nacional de monitoramento, e da avaliação das políticas de segurança pública e defesa social”, explicou.