Desenvolvi uma teoria que finalmente elucida a principal razão dos Estados Unidos serem o país mais rico do mundo. Sem falsa modéstia, minha revolucionária tese foge das tradicionais explicações como educação, colonização, religião ou patriotismo, mas tem origem na persistente prática desta sociedade de cometer um dos sete pecados capitais: a preguiça. Logo ao chegar nos EUA, se vê fortes evidências da minha elucubração resultante de anos de ampla reflexão e análise da cultura local. Os aeroportos possuem longas esteiras, inúmeros carrinhos elétricos, trenzinhos ligando os terminais… tudo para evitar ao máximo qualquer esforço físico.
A busca pelo empenho mínimo se espalhou e transformou o cotidiano da sociedade americana. Facilmente se identifica um dos principais instrumentos que levam ao pecado: o automóvel. Os Estados Unidos são uma nação feita para automóveis e tem mais automóveis per capita que qualquer outro país. São o símbolo máximo de independência e liberdade individual, algo tão caro a este povo. Graças aos drive-thrus, os americanos fazem de quase tudo sem precisar sair deles. O conceito de drive-thru surgiu há exatamente um século, em Dallas, no Texas, onde uma lanchonete começou a servir hambúrguer e fritas; a ideia deu tão certo que logo se espalhou pelo país.
Hoje, o conceito se ampliou para inúmeros outros usos, como bancos, lavanderias, floriculturas, farmácias, bibliotecas e bancos de alimentos. Em alguns estados como Califórnia e Havaí pode-se até votar passando por um drive-thru. Na cidade do pecado, Las Vegas, até se casar em um deles é possível e no Texas é permitido comprar armas e munições sem sair do seu carro.
Alguns ganham em sofisticação e vão além de apenas entregar. O drive-thru do meu banco parece ter saído de uma das cenas do desenho dos Jetsons: eu me conecto ao meu gerente do banco por uma caixa de som e um tubo pneumático é usado para enviar ou receber documentos sem sair do carro. Todas essas infraestruturas vieram a calhar em tempos de pandemia e o uso de drive-thrus se expandiu para a testagem e vacinação contra a COVID-19, como em outros países.
Entretanto, a mais concreta evidência da minha tese sobre a preguiça vem do campo da comunicação. Este país tem uma quantidade abrupta de abreviações, acrônimos (abreviações que podem ser pronunciadas como palavras) e atalhos que fazem necessário aprender uma linguagem toda particular para se desvendar essas abreviações. E, apesar do mundo das redes sociais ter proliferado essas novas formas de se comunicar, com poucos esforços como emojis e outros atalhos, essa moda de abreviar a comunicação é bastante antiga. Um dos acrônimos mais antigos, o OK, surgiu como uma brincadeira num jornal de Boston em 1838, que com sarcasmo desafiava os leitores a desvendarem os mistérios das abreviações publicadas. Uma das mais usadas no inglês e até mesmo em outras línguas é o OK (oll correct), com um intencional erro ortográfico que significa tudo certo (all correct).
Na política, várias formas de acrônimos são derivadas da versão reduzida de “os Estados Unidos”, conhecido como OTUS (Of The United States). Então, o presidente virou POTUS, a primeira-dama (First-lady) FLOTUS e a Corte Suprema (Supreme Court) SCOTUS.
Logo que vim morar aqui me chamou a atenção esta forma de abreviar os nomes de amigos e colegas dos meus filhos, que normalmente têm uma versão bem mais curta do nome, normalmente três ou quatro letras. E nome composto é uma coisa que nunca vi por essas terras. Notei que meu nome era um tanto extenso para os padrões americanos, já que às vezes ao falar parecia que tinha narrado uma redação por extenso. Então, resolvi fazer um experimento: na academia, me rebatizei de Gus e nunca vi tanta gente me cumprimentar e me chamar pelo meu novo nome!
Uso como final evidência da minha tese a reflexão de um dos maiores empreendedores dos EUA, Bill Gates. Durante o seu tempo no comando da Microsoft, fazia questão de dar um trabalho difícil para um preguiçoso, pois este encontrava uma forma mais fácil de resolver. Uma outra forma de ver a minha teoria é a busca constante por eficiência nestas terras, para atingir o máximo de produtividade com o mínimo de esforço perdido. A preguiça, aqui, é condição necessária para se conquistar o sonho americano. Se a necessidade é a mãe das invenções, acredito que a preguiça seja o pai.
*Gustavo Miotti é autor do livro Crônicas de uma pandemia – reflexões de um idealista. Empresário e Cientista Econômico, pesquisa atitudes relativas à globalização em seu doutorado no Rollins College (Estados Unidos).