Em meio à instabilidade sanitária, econômica e política, e com o impeachment voltando a se tornar um termo cada vez mais presente no cotidiano do País, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), recorreu ao centrão como tábua de salvação. Um bloco extremamente pragmático que é presença constante na órbita do poder.
O sistema de barganhas e trocas característico do presidencialismo de coalizão brasileiro – e popularizado como “toma lá, dá cá” -, demonizado por Bolsonaro ao longo da sua campanha e no começo do mandato, dará as cartas com o ‘Centrão’ oficialmente em um posto de poder, após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara dos Deputados.
O cenário não é novo, apesar de contar com novidades. Com maior ou menor intensidade, o centrão sempre esteve no controle da agenda, sinaliza o cientista político e professor da Faculdade Damas, Elton Gomes. “Não houve período da República desde a redemocratização que o ‘Centrão’ não esteve no poder. Teve momentos que ele teve menos espaço, como nesta primeira metade do governo de Bolsonaro”, sublinha o professor, lembrando que o presidente recorreu ao ‘Centrão’ justamente quando observou que seu apoiadores mais radicais passaram a ser alvo do Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de atos antidemocráticos e tinha no parlamento um ambiente hostil, com a maior quantidade de vetos derrubados desde 1988.
Até por essa constante proximidade do ‘Centrão’ ao poder, o deputado Daniel Coelho (Cidadania) acredita que a dinâmica da Câmara não sofrerá grandes alterações quando comparada com a dos últimos dez anos.
“O ‘Centrão’ está no poder da Casa há mais de 10 anos. Nada muda. Maia foi eleito e governou com o ‘Centrão’. Eduardo Cunha também. Seus antecessores também. O ‘Centrão’, nesse formato atual, foi criado no governo Lula, quando Lula estimulou que os deputados da oposição, que queriam aderir, migrassem para o PSD, PL, PP, entre outros partidos. O ‘Centrão’ no poder, apenas mostra que Bolsonaro repete o modelo de Lula, Dilma e Temer de governar”, enfatiza.
“Estamos começando um tempo novo. Ou não”, corrobora o parlamentar Tadeu Alencar (PSB), frisando que é preciso haver atenção sobre o que a união entre o ‘Centrão’ e o presidente pode gerar. “Esses partidos sempre orbitam o Poder. A novidade é Bolsonaro. Mas nasceu com ar de velho. Vamos acompanhar alerta o que essa ‘química’ entre eles vai fazer com o Brasil”, frisa Tadeu.
A cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda, Priscila Lapa, define que o ‘Centrão’ “ou é veto, ou faz parte da tomada de decisão”. Sem meio termo, ele soube tirar proveito do “imobilismo da maior parte dos ministérios” e pode atuar onde sabe. “Ele tem experiência em fazer, sabe como destravar um ministério, sabe como conversar com governadores e com a bancada”, frisa.
(Nem tão) novo normal
A tendência de momento é de “normalização”, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem. O discurso extremista do presidente tende a ficar no passado, ou pelo menos tornar-se menos corriqueiro. Sinalizações contra o Supremo Tribunal Federal e as instituições tendem a cair em desuso.
A retórica inflamada deve ser reavivada de forma mais esporádica para manter viva a militância ideológica. “Há tendência de normalização das relações. O ‘Centrão’ não gosta de extremos, gosta de cargos, de emendas, de liberação de recursos. Essa pauta mais confrontacionista deve ser minimizada agora. O centrão percebeu que o presidente está vulnerável e consegue extrair mais dele”, explica o professor da Universidade Católica de Pernambuco, Antônio Lucena.
“É a normalização, o sistema de barganhas e trocas. O presidente propõe projetos nacionais e os troca por benefícios federais no nível dos estados, redutos eleitorais pelos quais os deputados e senadores se elegem”, define o professor da Faculdade Damas, Élton Gomes.
Para ele, caso o ‘Centrão’ “opere bem”, Bolsonaro pode ver a sua pauta destravada e levar adiante sua agenda de governo. Para Priscila Lapa, essa normalização acaba sinalizando que Bolsonaro “passou um pouco no teste de articulação política”. Ele enfatiza que a sinalização do presidente contra a “velha política” acabava por atingir em cheio o centrão. “Ele confrontava algo que é natural do sistema político, o grande ponto é como serão essas trocas, se serão maio ou menos republicanas, mas essas barganhas entre Executivo e Legislativo fazem parte do jogo e caracterizam o presidencialismo de coalizão”, afirma.
No ritmo do ‘Centrão’
Tudo passará primeiro pelo crivo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e outros caciques do bloco. A agenda do presidente pode avançar, desde que negociada e acordada com a sua nova base de sustentação. Nessa formatação, Bolsonaro pode ter sucesso na aplicação de algumas reformas, como a tributária e a administrativa, mas pode também enfrentar resistência na agenda de privatizações, uma vez que as estatais são equipamentos perfeitos para acomodação de aliados dos seus novos aliados.
Lucena ressalta que, tanto Arthur Lira, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já sinalizaram que buscarão viabilizar acordos por vacina e, sobretudo, a volta do auxílio emergencial. Esta segunda pauta não é vista com bons olhos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A busca pelo consenso entre Guedes e o parlamento, inclusive, tende a ser outra característica do segundo biênio do governo. “O ‘Centrão’ tem um radar eleitoral muito bom e sabe que há um apelo eleitoral forte nessa medida, apesar do Brasil estar praticamente quebrado e a pauta não agradar Guedes. De um lado o ministério da Economia com uma pauta liberal de austeridade, do outro o ‘Centrão’ defendendo uma pauta de gastos públicos maior”, pontua.
A agenda que andava “travada” no mandato do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) pode fluir, na opinião de Élton Gomes. “Duas coisas vão prevalecer, a agenda emergencial, muitíssimo aludida pelos presidentes Lira e Pacheco e a agenda de reforma, que não andava tanto por falta de articulação, como pela vontade estratégica de Maia”, avalia.
Para Élton, o ‘Centrão’ torna menor o risco de Bolsonaro perder o cargo. “Eles inviabilizam o impeachment e tornam menos factível a apresentação de uma denúncia crime contra o presidente”. Antônio Lucena, porém, frisa outra característica do centrão. “O apoio agora não significa que o impeachment não saia. Lembrando que Dilma teve uma das maiores bases da história, mas o ‘Centrão’ é um aliado de conveniência, quando não é conveniente, ele cospe e joga fora. Ele joga para a torcida”.
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