No começo da tarde, eles começam a chegar ao centro de apoio social da comuna de Saint-Josse-ten-Noode, em Bruxelas. Eram 200, há 15 dias; são mais que o dobro duas semanas depois. Todas as terças, 500 pessoas vêm buscar uma cesta de comida montada para durar uma semana. O serviço de emergência foi criado com a ajuda do Banco Alimentar, para atender ao número crescente de moradores cujo emprego ou a renda desapareceram na crise provocada pelo coronavírus.
A pouco mais de um quilômetro de distância, na Comissão Europeia, o Poder Executivo da UE trabalha nos detalhes finais de um esquema de € 100 bilhões (R$ 600 bilhões) para tentar salvar empregos. O dinheiro financiaria programas nacionais em que o Estado banca uma parte do salário de trabalhadores que tenham ficado sem atividade durante a crise, em troca de que a empresa reduza sua carga horária, mas não o demita. Os programas se provaram necessários: pedidos para segurar 10,1 milhões de vagas foram feitos do começo de março até 26 de abril na Alemanha. Mas não foram suficientes: 373 mil funcionários de empresas alemãs foram dispensados neste mês, elevando para 2,64 milhões o número de desempregados, uma taxa de 5% em abril.
Os dados do departamento de trabalho alemão mostram que a pressão da pandemia sobre o mercado de trabalho está sendo muito maior que a da crise financeira de 2008, quando o esquema foi criado. Em todo o ano de 2009, o governo alemão recebeu pedidos de subsídio para as vagas de 3,3 milhões de trabalhadores, cerca de um terço dos recebidos nos últimos 50 dias. O Instituto de Pesquisa do Emprego alemão prevê que até 1 milhão de empregados percam suas vagas nos próximos meses. Parte deve ser recuperada quando a economia se reanimar, mas a estimativa é que a pandemia retire do mercado até 520 mil postos de trabalho neste ano.
A situação deve ficar ainda mais grave em países que adotaram confinamentos mais rígidos e dependem mais do turismo para sua retomada, como Espanha, Itália, França. Nas cinco maiores economias da Europa (as quatro já citadas mais o Reino Unido), calcula-se que até um quinto da força de trabalho (ou 30 milhões de funcionários) tenha se inscrito nos programas conhecidos como Kurzabeit (nome dado pela Alemanha, pioneira no esquema, e que significa licença de curto prazo). Os governos nacionais montaram seus próprios fundos enquanto esperam pela ajuda da União Europeia, mas empresas e analistas temem que eles não durem o suficiente para aplacar os danos da crise. No Reino Unido, 185 mil empresas pediram ajuda estatal para segurar 1,3 milhão de vagas no primeiro dia de operação do esquema, na segunda-feira (20). O plano foi previsto até o fim de junho, e empresas aéreas e do setor de turismo acreditam que não haverá receita suficiente para manter suas vagas depois disso. Outro limitador é que o esquema de licença pode ser inviável para pequenas empresas. Nesta semana, o governo britânico anunciou uma linha especial de crédito para esse segmento, com garantia total do Estado.
Na Espanha, o esquema evitou 4 milhões de demissões, segundo o governo, e empresários negociam com uma prorrogação (o prazo inicial era maio) e uma redução das exigências para obter a ajuda. Mas em março foram dispensados 285,6 mil trabalhadores, levando o número de desempregados a 3,31 milhões, de acordo com o instituto nacional de estatística. Os números do serviço de seguridade, responsável pelo pagamento do seguro-desemprego, são ainda mais altos: falam em 800 mil pessoas demitidas em março. Pelos dados do instituto de estatística, a taxa de desemprego na Espanha está em 14,4% no primeiro trimestre deste ano, segundo o instituto nacional de estatística, mas chega a 33% entre os menores de 25 anos.
Na França, são mais de 10 milhões de licenças parciais. O esquema francês, considerado o mais generoso da Europa, está sendo usado por 60% das empresas do país (820 mil companhias).
No setor de construção e no de hotelaria e restaurantes, 9 em cada 10 trabalhadores estão com seus vencimentos a cargo do Estado.
Folhapress