Pouco mais de dois meses após tomar posse, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), transferiu temporariamente o seu gabinete para São Sebastião, no Litoral Norte, onde uma chuva deixou 65 mortos e centenas de desabrigados.
Foi o primeiro grande desafio de sua gestão. Neste primeiro ano, ele demonstrou força, por um lado, ao aprovar na Assembleia Legislativa a privatização da Sabesp, a companhia de saneamento — uma promessa de campanha. Por outro lado, enfrentou crises na área da educação e greves no transporte público. O governo também foi marcado por uma relação de vaivém com bolsonaristas.
Tarcísio passou o ano se equilibrando entre afagos à base bolsonarista que o elegeu e medidas mais estratégicas para o governo, que por vezes exigiram acertos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ministros.
O caso mais emblemático foi quando o chefe do Executivo paulista apoiou a reforma tributária proposta por Lula, irritando bolsonaristas, que o chamaram de traidor. Em julho, durante evento do PL, Tarcísio foi vaiado e interrompido por Jair Bolsonaro quando defendia a reforma. O ex-presidente pediu que o partido se unisse para “não aprovar nada”.
O impasse se repetiu em vários episódios, um deles logo nos primeiros dias de mandato. Lula convidou, em 9 de janeiro, todos os governadores para discutir os atos golpistas ocorridos no dia anterior. Inicialmente, Tarcísio declinou, mas a decisão pegou mal e horas depois o governador decidiu comparecer — assim como todos os outros 26 chefes dos Executivos estaduais. Dois dias depois, Tarcísio se reuniu novamente com o petista, que publicou uma foto de ambos nas redes sociais e escreveu que estavam trabalhando juntos “pelo bem do Brasil”.
Lado a lado
No episódio de São Sebastião, Tarcísio caminhou pelo cenário de terra arrasada ao lado de Lula. Os dois discursaram lado a lado e prometeram parcerias na área de prevenção a desastres naturais no estado.
— Veja que coisa bonita e simples. Nós estamos juntos, acabou a eleição — disse o petista na ocasião.
Por outro lado, Tarcísio não deixou de tomar medidas focadas em agradar o seu eleitorado. Na segurança pública, com Guilherme Derrite (PL) como secretário, sua gestão adotou um discurso linha dura contra a criminalidade (mais detalhes na matéria abaixo). Na área econômica, as privatizações foram o grande enfoque. Na educação, a gestão Tarcísio pretende implementar um programa próprio de escolas cívico-militar, bandeira de Bolsonaro que foi descontinuada por Lula na esfera federal.
O governador sempre fez questão de exaltar a amizade e gratidão que tem pelo ex-presidente. Na semana passada, por exemplo, o afago veio quando Tarcísio disse que só apoiaria a reeleição de Ricardo Nunes (MDB) na capital em 2024 se Bolsonaro se manifestasse da mesma maneira.
O cientista político Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que Tarcísio fugiu do bolsonarismo que é “polêmico à toa” e que já tinha esse perfil quando era ministro da Infraestrutura.
— Quando ele foi ministro do Bolsonaro, não era um bolsonarista ideológico. Ele já tinha uma carreira como servidor público federal. Dentro de um estado que é bastante conservador como São Paulo, ele me parece ter governado para este público que o elegeu, e dialogou com Lula porque não tinha nada a ganhar brigando com o presidente — disse.
Eleito com um discurso privatista, Tarcísio fez dessa plataforma a maior marca de seu primeiro ano. Logo nos primeiros meses, anunciou a contratação de estudos para a privatização da Sabesp. Neste mês, a Assembleia Legislativa aprovou a venda das ações que vão tirar o governo do controle da companhia.
Mas o projeto de concessões de sua gestão é ainda maior, e envolve todas as linhas do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Esses planos não ficaram sem reação dos sindicatos, que deflagraram greves no transporte público em março, outubro e novembro, fazendo com que o atual governo se tornasse o que mais enfrentou paralisações do sistema metroferroviário em um só ano na última década.
Em meio a um secretariado discreto, um a chamar a atenção foi Renato Feder, titular da Educação. Ele fez uma série de anúncios sem consultar a rede de ensino, o que provocou críticas de todos os lados e uma sequência de recuos.
O secretário anunciou, em agosto, que as escolas paulistas iriam usar material 100% digital nas salas de aula e abandonar o Programa Nacional do Livro e do Material Didático. A medida foi criticada por especialistas em educação, e o governo recuou. A gestão também iria comprar livros digitais sem licitação, mas cancelou após o caso vir à tona.
O Globo