Da Folha de S. Paulo
Faltando seis semanas para o recesso do Congresso, o governo enfrenta o risco de fechar o ano sem a aprovação de boa parte das medidas que anunciou no segundo semestre para reverter o deficit nas contas públicas que chegou a ser projetado para 2016.
O atraso nas votações agrava as incertezas em torno do cenário fiscal para o ano que vem, que já é preocupante diante da perspectiva de retração da economia e das dúvidas que cercam o cronograma de pagamento das chamadas pedaladas, dívidas do Tesouro com bancos públicos.
A principal iniciativa de ajuste proposta pela equipe econômica, a recriação da CPMF, está com a tramitação atrasada e não tem chance de ser aprovada até 22 de dezembro, quando as casas encerram seus trabalhos.
A PEC (proposta de emenda constitucional) não tem sequer relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, responsável pela primeira avaliação dos projetos que chegam à Casa.
O projeto, que pode gerar uma arrecadação extra de R$ 32 bilhões aos cofres públicos, mas enfrenta muitas resistências, ainda terá de passar por uma comissão especial na Câmara, pela CCJ do Senado e por votações em dois turnos nos plenários de ambas as Casas.
O ritmo na tramitação de outra PEC que também é importante para o controle das contas dá uma ideia do tamanho das dificuldades enfrentadas pelo governo. A proposta de renovação e ampliação da Desvinculação de Receitas da União, mecanismo que dá mais flexibilidade à gestão do orçamento, foi encaminhada ao Congresso em julho e até agora só foi aprovada na CCJ da Câmara.
Outras propostas do pacote têm tramitação mais simplificada, mas também esbarram nas dificuldades impostas pela crise no Congresso, onde o governo e o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vivem um cabo de guerra.
DESGASTE
Investigado na Operação Lava Jato, Cunha é acusado de ter sido beneficiário do esquema de corrupção que operou na Petrobras. Na sexta-feira (6), ele reconheceu sua ligação com contas suspeitas na Suíça, mas disse que a origem do dinheiro é lícita.
Nos próximos dias, o Conselho de Ética da Casa decidirá se abre um processo de cassação contra o deputado. Na tentativa de estancar seu próprio desgaste e angariar aliados, Cunha tem dificultado a tramitação de temas de interesse do governo na Casa.
Ele também tem jogado, nos bastidores, com a prerrogativa que tem para deliberar sobre o andamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Duas das medidas provisórias encaminhadas pelo governo são mais urgentes porque mexem com a incidência do Imposto de Renda, que, por lei, só pode sofrer alterações que tenham sido aprovadas pelo Congresso no ano anterior à entrada em vigência das novas regras.
As MPs elevam a taxação sobre ganhos de capital com a venda de imóveis e sobre a distribuição de resultados a acionistas ou sócios de empresas (juros de capital próprio). Nos dois casos, os textos aguardam votação em comissão especial mista e depois terão de passar pela Câmara e pelo Senado.
Outra fonte de receita que pode sofrer atrasos é o programa para a regularização de recursos mantidos no exterior, que o governo tem tido dificuldades para aprovar na Câmara e que também requer o aval do Senado.
“O projeto corre realmente um risco de ficar para o ano que vem”, afirma o analista Cristiano Noronha, da consultoria política Arko Advice, que destaca ainda a possibilidade de o programa sofrer questionamento judicial.
Apesar das dificuldades, o relator do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), acha “factível” a votação das MPs e do projeto da regularização de bens ainda este ano, mas não conta com as receitas da CPMF.
Para levar à votação um Orçamento que contemple o superavit de R$ 34,4 bilhões previsto pelo governo em uma revisão de sua meta original, o deputado incluirá na conta receitas de R$ 10 bilhões com a venda de terras públicas em áreas rurais e também pretende promover corte de R$ 10 bilhões nas verbas do programa Bolsa Família, entre outras medidas.
“Nós aprovaremos o Orçamento dia 17 de dezembro e o que ficar pendente de aprovação vai ser colocado como receita condicionada. Se não acontecer a receita, as despesas correspondentes também não acontecem”, afirmou.