Com queda das importações, déficit nas contas externas cai para US$45,3 bilhões em 12 meses

As transações correntes do Brasil – que medem a entrada e a saída de dólares do país – acumularam déficit de US$ 45,3 bilhões ou 2,21% do PIB nos últimos 12 meses até agosto deste ano.

O número mostra uma redução em relação ao que foi acumulado até agosto de 2022, que tinha um saldo negativo de US$53,6 bilhões, no intervalo de um ano.

Para agosto, explicam essa redução fatores como: redução da importação de bens e serviços, além do aumento das exportações, com a entrada de mais dólares.

As transações correntes consideram três dados:
A balança comercial de produtos entre o Brasil e outros países, isto é, as exportações e importações;

A balança de serviços das contas externas. É considerado, sobretudo, as compras de brasileiros no exterior, incluindo gastos com importações de serviços financeiros, fretes e aluguel de equipamentos e até gastos de turismo;

A renda primária é o terceiro dado e trata das remessas de dinheiro e pagamentos (lucros, juros e dividendos) que as empresas multinacionais, com filial no Brasil, enviam para o exterior. Nesse cálculo, também estão as remessas que empresas brasileiras recebem do exterior.

No caso da balança comercial, houve superávit de US$7,6 bilhões em agosto de 2023, ante saldo positivo de US$2,6 bilhões em agosto de 2022. Enquanto as exportações de bens aumentaram em 0,8%, as importações diminuíram 16,8%.

O déficit na conta de serviços totalizou US$2,9 bilhões em agosto de 2023, redução de 23,2% em relação a agosto de 2022. Os brasileiros reduziram em 48,5% os gastos com transportes.

Já na chamada renda primária houve saldo negativo de US$5,6 bilhões em agosto de 2023, redução de 8,2% comparativamente ao déficit de US$6,1 bilhões em agosto de 2022.

Investimento direto
Os investimentos diretos no país (IDP), que o Banco Central não considera nas transações correntes, somaram ingressos líquidos (entradas superiores às saídas) de US$4,3 bilhões em agosto de 2023, ante US$10,0 bilhões em agosto de 2022.

No acumulado em 12 meses, o chamado IDP totalizou US$65,9 bilhões (3,21% do PIB) em agosto de 2023, ante US$64,9 bilhões (3,55% do PIB) em agosto de 2022.

O Globo

Desenrola Brasil: Leilões entre credores começam nesta segunda. Veja como participar

Começa nesta segunda-feira (25) a última fase do programa do governo federal Desenrola, voltado para renegociação de dívidas.

Nesta etapa, serão realizados leilões entre credores (bancos e empresas) para dívidas de brasileiros com renda de até dois salários mínimos, com salvo devedor de até R$ 20 mil.

Com base nas propostas dos credores, a Fazenda vai realizando as operações a partir de outubro até esgotar o valor disponível para garantia do Fundo Garantidor de Operações (FGO).

Inicialmente estavam previstas renegociações de dívidas até R$ 5 mil, mas o governo estendeu o valor para até R$ 20 mil. Entenda a seguir como vai funcionar o leilão do Desenrola:

Quais dívidas poderão ser renegociadas?
Serão renegociados débitos realizados entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022. Segundo o governo, cerca de 32,9 milhões de CPFs estão aptos a participarem no programa, seguindo os critérios de renda e limite de dívidas.

Como será feito o leilão de descontos?
A ideia é estabelecer uma competição entre os credores: ficam com a garantia do fundo do governo aquelas que oferecerem os maiores descontos ao consumidores no leilão, que vai de segunda a quarta-feira. Com base nas propostas das empresas – dadas durante três dias – a Fazenda vai realizando a partir de outubro as operações até esgotar o valor disponível para garantia.

Como as dívidas serão apresentadas?

Para a realização do leilão, as dívidas serão divididas em lotes, separados por perfil e por idade das dívidas. Ou seja, dívidas semelhantes serão agrupadas por categoria de crédito (como dívidas bancárias, dívidas de serviços básicos e dívidas de companhia, como as de redes de lojas).

Os lotes serão organizados pelos seguintes segmentos:

Serviços financeiros

Securitizadoras

Comércio varejista

Eletricidade

Telecomunicações

Educação

Saneamento

Micro e pequena empresa

Demais setores

A divisão por categoria ocorre porque há credores com menor capacidade de descontos, em função de questões operacionais e legais – como companhias de saneamento e eletricidade. Já outros credores estão com dívidas há mais tempo em aberto. Esses têm capacidade de dar descontos maiores.

De quanto será o desconto?

Cada lote terá um piso mínimo de desconto, considerando suas características. O governo espera descontos na base de 90%, mas reconhece que isso não está garantido. Estima-se que o lance mínimo deverá ficar em 58%, tendo como referência a média dos leilões de renegociação já feitos no país. O desconto será informado aos credores previamente à realização do leilão.

Quais são as condições de pagamento?
As parcelas dos empréstimos serão de até 60 meses. Não haverá necessidade de entrada. Os juros do financiamento serão de 1,99% ao mês, e o pagamento das parcelas poderá ser feito por débito em conta, Pix ou boleto bancário.

Qual será o prazo de renegociação?

A plataforma vai divulgar a lista de dívidas passíveis de negociação, o desconto ofertado pelo credor e a respectiva situação de cada uma delas. No primeiro momento, os consumidores terão 20 dias, prorrogáveis por igual período, para renegociação das dívidas de até R$ 5 mil.

Para pagamento à vista, não haverá esse prazo e todas as dívidas de até R$ 20 mil já poderão ser negociadas a partir da primeira semana de outubro.

Como posso me cadastrar para participar?
Para participar do programa é preciso fazer um cadastro no portal do governo federal. Veja o passo a passo:

Acesse www.gov.br

Selecione “Entrar com gov.br”

Digite seu CPF e clique em “Continuar” para criar ou alterar sua conta

Ao realizar o cadastro, será necessário preenche um formulário simples e seus dados podem ser validados na Receita Federal ou no INSS. O cadastro também pode ser realizado em uma Agência do INSS ou nos postos do Senatran. Todavia, este formulário só permite o nível Bronze.

Para subir para o nível Prata, deve-se fazer biometria facial com a CNH ou ser servidor público federal ou fazer o login pelo banco, caso este faça parte dos que estão credenciados.

Saiba quais são os bancos credenciados:

Banco do Brasil,

Banrisul,

Bradesco,

Banco de Brasília,

Caixa Econômica,

Sicoob,

Santander,

Itaú,

Agibank,

Sicredi, e Mercantil do Brasil.

O devedor deve ter o número de telefone cadastrado em seu banco para recebimento do SMS de confirmação do acesso.

Já a conta Ouro exige o reconhecimento facial pelo aplicativo para conferência da sua foto nas bases da Justiça Eleitoral (TSE) ou validação a partir do QR Code da sua Carteira de Identidade Nacional ou com Certificado Digital compatível com ICP-Brasil.

O Globo

PEC da Anistia vai à votação na Câmara com o apoio de parlamentares mulheres da esquerda à direita

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que livra os partidos de punições por descumprir regras de participação de mulheres e negros nas eleições, a PEC da Anista, deve ser votada amanhã na Câmara, respaldada por declarações públicas de deputadas federais da esquerda à direita. Além disso, 76% das parlamentares da Casa silenciaram sobre a possível queda de participação feminina prevista no projeto, em um levantamento feito pelo Globo.

O apoio à PEC já foi explicitado por nomes de diferentes siglas, da presidente do PT e correligionária de Luiz Inácio Lula da Silva, Gleisi Hoffmann (PR), à deputada Bia Kicis (PL-DF), aliada de Jair Bolsonaro. Ambas se manifestaram a favor das mudanças nas regras para limitar aplicações de sanções às legendas. Em um discurso, a petista chegou a pedir a extinção a Justiça Eleitoral e recuou após a repercussão negativa.

A PEC da Anistia será analisada por uma comissão especial e, na sequência, pelo plenário. Depois, vai para o Senado. Para valer nas eleições municipais de 2024, precisa receber a chancela de ambas as Casas antes de 6 de outubro.

O perdão aos partidos une legendas rivais, a exemplo de outro projeto, a minirreforma eleitoral, já aprovada na Casa com apoio de mais de 70% das deputadas que participaram da sessão. A minirreforma também enfraquece o cumprimento da cota feminina, ao possibilitar que federações sejam consideradas no cálculo, hoje restrito a cada sigla, e ao permitir que recursos recebidos por candidatas possam bancar gastos de campanha de homens em alguns casos.

Em relação à PEC da Anistia, poucas parlamentares têm se manifestado publicamente. Em um levantamento feito pelo Globo, que questionou durante duas semanas as 94 deputadas federais sobre o tipo de cota feminina (cadeiras, candidaturas ou ambos) e o qual percentual elas defendem, 72 parlamentares não responderam. Nesse grupo, apenas seis deputadas sinalizaram publicamente apoio à aprovação da PEC da Anistia, e outras oito discursaram ou fizeram postagens nas redes sociais contra o texto debatido.

O relatório discutido na comissão especial da PEC prevê a implementação de uma reserva inicial de 15% das cadeiras do Legislativo nas três esferas (federal, estadual e municipal) destinada às mulheres. Esse percentual passa a ser de 20% em 2026. Por outro lado, a proposta flexibiliza o cumprimento da atual cota de candidaturas. Na prática, desobriga os partidos a lançarem o mínimo de 30% de mulheres no pleito.

Já entre as 22 deputadas que responderam ao Globo, 14 defenderam tanto as cotas de cadeiras no Parlamento quanto a de candidaturas com percentual mínimo maior que 15%, e duas indicaram apoiar o mesmo modelo, mas com percentual de 15%. Outras cinco se disseram favoráveis à manutenção das regras atuais, que preveem o preenchimento de 30% das candidaturas de mulheres na disputa eleitoral. Uma parlamentar, Julia Zanatta (PL-SC), manifestou-se contrariamente a qualquer cota.

Apesar de ter defendido no levantamento a coexistência de reservas de vagas e assentos com percentual acima de 15%, a presidente nacional do Podemos, Renata Abreu (SP), já indicou que votará a favor da PEC, assim como outras seis deputadas com a mesma posição.

Para pesquisadoras do tema, a PEC representa um retrocesso, já que as deputadas eleitas em 2022 ocupam 17% das cadeiras e a média nacional de mulheres nas Casas Legislativas também já supera os 15%.

— O texto me parece um recado dos homens: para que mulheres entrem, eles têm de sair e, no que depender deles, não vai ocorrer — diz Ligia Fabris, especialista em representação política de mulheres e violência política de gênero.

A advogada eleitoral Luciana Nepomuceno caracteriza a proposta como “canto da sereia” por aparentar um avanço que não se concretiza:

— Se o partido tiver que apresentar dez candidatos, ele pode lançar apenas sete homens e deixar três vagas em aberto. Para que adianta a reserva de cadeiras, se o partido não precisa preencher (candidaturas) com mulheres? — questiona.

Maioria de homens
No levantamento feito pelo Globo, 20 das 22 deputadas que responderam às perguntas concordaram com a afirmação de que o fato de existir hoje uma maioria de homens no Congresso dificulta a aprovação de um percentual maior que 15% para a reserva de cadeiras. Além disso, 12 elencaram o pouco acesso de mulheres a cargos de comando e de participação nos partidos políticos como principal dificuldade para a entrada de candidatas no Legislativo.

No campo da esquerda, a maioria do PT tende a apoiar a proposta, embora nomes como o da deputada Benedita da Silva (RJ) indicaram reprovar o texto. Já o PSOL tem se manifestado contra a PEC da Anistia. Na comissão especial que analisa o projeto, Fernanda Melchionna (RS) tem alertado que a reserva de cadeiras servirá como um “teto de vidro”, limitando a participação das mulheres:

— Existe uma disputa principalmente com os homens dos partidos conservadores e do Centrão, já que a chegada de mais mulheres representará a perda de privilégios nas decisões sobre políticas públicas brasileiras — diz a deputada.

A oposição à PEC não fica restrita à esquerda. A deputada Eliane Braz (PSD-CE) defende a manutenção da cota de candidaturas:

— O estímulo à participação feminina por meio da cota de gênero está previsto há 26 anos. Estamos em 2023 e muitos partidos seguem insistentemente buscando jeitinhos para não cumprir a legislação. Queremos avançar muito mais. Não aceitamos nenhum retrocesso.

Coordenadora do programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio, Yasmin Curzi defende, para aumentar a participação feminina na política, vagas garantidas em um percentual superior ao que já é realidade, investimento na campanha para assegurar candidaturas competitivas e segurança psicológica. Ela critica a anistia aos partidos:

— A proposta atropela os entendimentos do TSE e do Supremo, o que é extremamente grave. Há o argumento de que muitos partidos pequenos são punidos pelas multas e que mulheres eleitas perderam os mandatos pelas fraudes. Isso não deveria ser discutido, é um erro justificando outro.

No Senado, a bancada feminina, liderada por Daniella Ribeiro (PSD-PB), vai se reunir esta semana para definir uma posição conjunta — parte das 15 senadoras da Casa está insatisfeita com a proposta da Câmara.

Três senadoras afirmaram ao GLOBO defender cotas de cadeiras e de candidaturas com percentual superior ao fixado pelo texto na Câmara. São elas Soraya Thronicke (Podemos-MS), Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Zenaide Maia (PSD-RN). Já Dorinha Seabra (União-TO) é a favor da manutenção da regra atual.

— Mudamos a legislação quando percebemos que não adiantava haver cotas, se a mulher não recebesse também cota de investimento para campanha e na propaganda eleitoral ela não ocupasse espaço de TV. É necessário garantir estrutura— diz Gabrilli.

O Globo

Bolsonaro admite que há “problemas a resolver” em São Paulo para as eleições de 2024

Jair Bolsonaro (PL) admitiu neste domingo (24) que ainda há “problemas para resolver” dentro do PL para as eleições municipais de 2024, citando entraves em São Paulo e no Ceará, mas sem citar nomes. As declarações do ex-presidente foram dadas durante a Cpac 2023, conferência internacional que reúne nomes da direita conservadora, que ocorreu em Belo Horizonte neste final de semana.

— Temos eleições municipais no ano que vem e estamos acertando o partido. Nesse caminho, vão aparecendo alguns problemas. Conversei com o nosso presidente (Valdemar Costa Neto, dirigente nacional do PL) na semana passada e, se Deus quiser, vamos resolver a questão do Ceará. Também pintaram alguns problemas em São Paulo — afirmou Bolsonaro, que participou do evento por videoconferência.

Internamente, ficou acertado que o Bolsonaro vai participar ativamente da escolha dos candidatos apoiados pelo PL em prefeituras estratégicas, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Na capital paulista, apontada como um “problema ser resolvido”, o prefeito Ricardo Nunes tenta se cacifar à reeleição pleiteando o apoio da sigla, que estuda indicar o candidato a vice-prefeito, enquanto pesquisas mostram um bom desempenho de Guilherme Boulos (PSOL) na cidade.

Além de citar as arestas aparadas internamente no PL, o ex-presidente convidou os presentes ou telespectadores interessados em ingressar na política a ingressar no PL para disputar cadeiras em câmaras municipais e prefeituras no próximo ano.

Durante a transmissão, Bolsonaro ainda afirmou que, apesar de unida, a direita precisa “acertar o nosso norte”. O ex-titular do Palácio do Planalto foi tornado inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no final de junho e deve ficar de fora das próximas eleições presidenciais, em 2026, mas vai seguir atuando como uma espécie de cabo eleitoral de nomes do partido.

— Começamos muito tarde em relação à esquerda, que não são adversários, são inimigos da humanidade e do cidadão. Mas, tudo passa e creio eu que, ao longo desses últimos quatro anos, quando estive à frente da Presidência, serviu para despertar milhões de pessoas pelo Brasil do que realmente é a direita, do que são os conservadores e quão importante estarmos na política e bastante afinados para o futuro da nossa nação.

O Globo

Governo aponta bloqueio de R$ 600 mi do Orçamento de 2023

O estouro no limite estabelecido pelo novo arcabouço fiscal fez o governo contingenciar (bloquear temporariamente) mais R$ 600 milhões do Orçamento Geral da União de 2023, anunciaram há pouco os Ministérios do Planejamento e da Fazenda. O valor consta do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, documento que orienta a execução do Orçamento publicado a cada dois meses.

Com a decisão, o total bloqueado este ano sobe de R$ 3,2 bilhões para R$ 3,8 bilhões, valor considerado pequeno diante do total das despesas primárias, estimadas em R$ 2,056 trilhões para este ano. Até o dia 30, o governo precisará editar um decreto detalhando a distribuição do novo contingenciamento entre os ministérios.

O bloqueio ocorre porque a estimativa de despesas primárias acima do limite do arcabouço aumentou no mesmo montante (R$ 600 milhões). Estipulado em R$ 1,945 trilhão para 2023, esse limite equivale ao antigo teto de gastos estabelecido para este ano. A partir de 2024, vigorará o novo limite, equivalente a 70% do crescimento das receitas acima da inflação em 2023.

Esse é o primeiro contingenciamento desde a sanção do novo arcabouço fiscal. Embora o governo tenha tentado extinguir o contingenciamento no projeto original das novas regras fiscais, a obrigatoriedade foi restabelecida durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados.

Segundo o Tesouro Nacional, as projeções de receita devem melhorar nos próximos relatórios com a incorporação de medidas aprovadas ou a serem aprovadas pelo Congresso, como a lei já sancionada que altera a definição de preços de transferência, preços de importações e exportações dentro de um mesmo grupo empresarial que tradicionalmente trazem brechas para a diminuição de lucros e o pagamento de menos tributos.

Déficit primário

O relatório também reduziu a estimativa de déficit primário em R$ 4 bilhões. O valor passará de R$ 145,4 bilhões para R$ 141,4 bilhões. O déficit primário representa o resultado negativo das contas do governo sem os juros da dívida pública.

O secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Paulo Bijos, ressaltou que o déficit previsto continua abaixo da meta de R$ 216,4 bilhões para o Governo Central – Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 estabelece uma meta de déficit primário de R$ 231,5 bilhões, mas o valor muda a cada bimestre por causa de compensações pagas pela União a estatais e a estados após a Emenda Constitucional da Transição e um acordo sobre a tributação de combustíveis.

Um dos principais motivos para a revisão do déficit primário foi a alta na arrecadação de royalties de petróleo decorrente do encarecimento do produto no mercado internacional. Após chegar a US$ 73 em junho, o barril do tipo Brent, usado nas cotações internacionais, avançou para US$ 93 neste mês.

No início do ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha estimado que o déficit fecharia 2023 em torno de R$ 100 bilhões.

Receitas e gastos

A previsão para as receitas primárias totais da União aumentou em R$ 6,6 bilhões. A estimativa para a arrecadação administrada pela Receita Federal, que considera o pagamento de tributos, caiu R$ 4,8 bilhões. No entanto, essa diminuição foi compensada pela elevação da arrecadação líquida da Previdência Social (+R$ 5,4 bilhões) e pelos royalties de petróleo ( R$ 5,2 bilhões). Outras pequenas variações resultaram na elevação da estimativa total de receitas pouco acima de R$ 6,6 bilhões.

Em relação às despesas obrigatórias, que não podem ser contingenciadas, a estimativa foi elevada em R$ 600 milhões. Desse total, R$ 2,4 bilhões correspondem aos benefícios da Previdência Social. Também houve aumento de R$ 2,4 bilhões na estimativa com benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e R$ 800 milhões em abono salarial e seguro desemprego.

Em contrapartida, a projeção de gastos obrigatórios com controle de fluxo, rubrica que inclui o Bolsa Família, caiu R$ 1,3 bilhão por causa da revisão de cadastros no programa social. A previsão de gasto com o funcionalismo público caiu R$ 3,3 bilhões por causa da diminuição do pagamento de precatórios (gastos determinados por sentença judicial definitiva).

Agência Brasil

Governo criará museu em homenagem às vítimas da ditadura

Num cenário ainda embaralhado na relação com os militares, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inseriu na sua agenda um tema que nunca foi bem digerido pelas Forças Armadas. Nos 60 anos do golpe militar, a serem completados em março de 2024, o governo irá inaugurar um espaço de lembrança daquele período, expondo as violações perpetradas pelos militares da época, as perseguições a opositores ao regime, as mortes, os desaparecimentos, os atos de exceção, censura e exílio.

Somente seis décadas depois, o Brasil irá ganhar o seu Museu da Memória e da Verdade, uma parceria dos ministérios da Justiça com o dos Direitos Humanos e da Cidadania. O governo chega atrasado nessa dívida com o país. Outras nações que passaram também por ditaduras no continente já viraram esta página e expõem tais mazelas em museus e memoriais, casos de Argentina e Chile, que até julgaram e condenaram seus militares ditatoriais.

Ainda incipiente, o projeto começou a ganhar corpo agora. O Correio ouviu ex-presos políticos, parentes de desaparecidos e integrantes de comissões da Anistia e dos Mortos e Desaparecidos. E perguntou o que eles acham que o museu deve exibir, diante de tanta história de violações e da luta pela volta da democracia em 25 anos de uma ditadura.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, reconhece haver essa dívida com o país. Ele anunciou a um pequeno grupo de brasileiros, no Chile, há duas semanas, a construção do museu brasileiro.

“O exercício da memória é um exercício de coerência com a luta democrática e popular. É um exercício de coerência com a luta contra o fascismo. Nós devemos ao Brasil e vamos pagar essa dívida. Um museu da memória, da verdade e dos direitos humanos no nosso país”, afirmou.

Dívida

O médico e professor Gilney Viana atuou na luta armada contra a ditadura. Ficou preso 13 anos. Vítima direta do regime dos generais, ele acha “louvável” a iniciativa do governo em criar esse museu. Mas a considera “um pouco tardia”. Ele lembra que, em governos petistas passados, se tentou criar um museu da anistia, que não foi concluído.

“O governo segue em débito com a gente. A primeira tentativa fracassou. Louvo essa ideia do museu e esperamos que saia de fato. E que não fique restrito aos anistiados políticos e às vítimas conhecidas da ditadura. O número de atingidos é bem maior. O número de mortos e desaparecidos não são apenas os 434 oficialmente reconhecidos pela Comissão da Verdade. Na minha conta, chegam a 1.650. Nesse museu, será preciso incluir os excluídos, como os indígenas e os camponeses perseguidos pelos militares”, cobrou Gilney.

A construção do museu estará sob a incumbência do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos) e de Nilmário Miranda, assessor Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do ministério — também ex-perseguido político e ex-deputado federal pelo PT.

A professora Vera Paiva, da USP, é filha do ex-deputado Rubens Paiva, perseguido e morto pela ditadura e cujo corpo jamais foi localizado. Seu pai ganhou um busto num local central na Câmara dos Deputados. Durante o ato, em 2014, o então deputado Jair Bolsonaro passou pelo local e fez provocações.

Marielle, Bruno e Dom

Vera integrou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos durante anos. Ela comentou sobre o museu. “Como familiar de alguém perseguido e morto pela ditadura, acho que esse museu precisa dedicar uma seção com os nomes dos mortos e desaparecidos. Mas imprescindível também que constem as identidades dos inúmeros indígenas e moradores do campo que não estão listados hoje. E entendo que é preciso expandir mais ainda e inserir pessoas que foram alvos de práticas daquele passado, casos do pedreiro Amarildo de Souza (desaparecido e morto pela PM em 2013, no Rio), de Marielle Franco e de Bruno Araújo e Dom Phillips, mortos recentemente na Amazônia, com requintes de tortura que lembram a ditadura”, disse Vera.

Atual presidente da Comissão de Anistia, a advogada e professora Eneá de Stutz e Almeida, que coordena um trabalho de justiça e transição na UnB, celebra a iniciativa. Lembra que, no Brasil, há poucos lugares de memória desse período “tão violento e tão sombrio da nossa história”. Para Eneá, é preciso ir além das comissões de estados, que existem e que já existiram antes.

“É absolutamente fundamental um museu ou um memorial de memória e da verdade, que exista essa referência para contar a história desses heróis e heroínas, que foram perseguidos pelo Estado e, ainda assim, seguiram lutando por democracia. É uma história que precisa ser contada e recontada sempre. Esses, sim, são verdadeiros patriotas”, afirma Eneá.

Ex-presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, extinta no último dia do governo Bolsonaro, a procuradora Eugênia Gonzaga, como Gilney, lamenta a não conclusão do memorial da anistia. Ela entende que um museu, ou memorial, tem que ir além de homenagear as vítimas do regime e considerar, também, as circunstâncias que levaram a um golpe há 60 anos.

Correio Braziliense

Contagem regressiva para saída de Weber aumenta pressão por ministra negra

Com a aproximação do 2 de outubro, quando a ministra Rosa Weber se aposenta compulsoriamente, cresce a pressão para que uma jurista negra ocupe a cadeira que ela deixará no Supremo Tribunal Federal (STF). Além das articulações políticas que envolvem padrinhos e preferências, circulam vários documentos — elaborados por entidades de classe e movimentos sociais — cobrando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não se deixe levar pela tendência de indicar um homem, possivelmente branco. E, dessa forma, ele mantenha a promessa de promover a ocupação de postos decisivos, nos Três Poderes, com mulheres e negros, que compõem a maioria da população brasileira.

Nomes de juristas negras, com currículo, história e reconhecimento entre os pares, não faltam (veja no quadro quais são as principais citadas). “É importante começar a fazer um movimento intencional de transformação do Judiciário pelas cortes superiores, que têm uma baixíssima representação (de mulheres e negros)”, explica Tainah Pereira, mestre em Ciência Política e coordenadora do movimento Mulheres Negras Decidem.

O coletivo que ela coordena é um dos que estão na linha de frente da pressão para que uma negra suceda Rosa Weber, o que não parece ser a tendência de Lula. Três homens disputariam a predileção do presidente: o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino; o advogado-geral da União, Jorge Messias; e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.

“Ele tem mulheres perto dele com capacidade jurídica e relação próxima”, aponta Kone Prieto Cesário, professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, sobre a “dificuldade” de Lula em indicar uma jurista negra. “É necessário implementar práticas de paridade de gênero nas instituições brasileiras. Várias instituições têm falado sobre isso, mas não vêm cumprindo os objetivos de paridade”, salienta. Para ela, se o presidente não escolher uma mulher, estará “traindo os compromissos” assumidos na campanha.

Maioria delas

Atualmente, 51% dos advogados filiados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são mulheres. Entretanto, jamais uma mulher ocupou a presidência da entidade. No Judiciário, apenas 23% são desembargadoras e, no STF, sem Rosa Weber, restaria a ministra Cármen Lúcia entre 10 magistrados.

Sobre a ausência feminina nos altos cargos do país, Tainah Pereira lembra que “nas carreiras públicas, os vieses da seleção não consideram fatores de gênero, raça ou origem. Para fazer essas avaliações, caem no mito da universalidade, de que todos são iguais. Isso não é verdade, tem os fatores sociais. A gente vem trabalhando muito nessa ideia de que, agora, temos um governo que é progressista. Então, é importante que essa decisão seja tomada a favor da população”. Por sinal, um evento com as mulheres negras cotadas ao STF com juristas está marcado para amanhã, em São Paulo.

Uma negra ministra do STF tem o apoio, inclusive, do chefe em exercício da Defensoria Pública da União (DPU), Fernando Mauro Oliveira Júnior. “Seria importante trazer essa questão do gênero aliada à questão racial para o STF oxigenar as ideias”, propôs.

Entretanto, das pressões para que uma jurista negra ocupe uma das 11 cadeiras do STF correm risco de serem infrutíferas, pois Lula não tem a obrigatoriedade de indicar o substituto de Rosa Weber logo a seguir à aposentadoria da ministra. Não é raro que o sucessor do magistrado que deixa Corte demore para ser escolhido.

Isso, aliás, aconteceu com o ministro Edson Fachin, que será o vice-presidente do STF na gestão de Luis Roberto Barroso. Ele só tomou posse (em 2015) quase um ano depois que o ministro aposentado Joaquim Barbosa deixou o Supremo. À época, a então presidente Dilma Rousseff disse que aguardaria o transcurso do processo eleitoral para fazer a indicação, só que demorou mais de um semestre para formalizar sua escolha.

Para reforçar a pressão sobre a discussão da igualdade de gênero, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retoma, amanhã — e ainda sob o comando de Rosa Weber —, a votação uma resolução que institui que tribunais de segunda instância adotem a política de paridade nas promoções para as cortes. Três conselheiros votaram a favor da norma — o colegiado, porém, é composto de 15 membros e ainda faltam cinco votos para que haja maioria pela aprovação.

Correio Braziliense

Segunda fase do Desenrola começa com leilões de descontos

Após renegociar R$ 13,2 bilhões na primeira fase, o Desenrola, programa especial de renegociação de dívidas de consumidores, inicia a segunda etapa nesta segunda-feira (25). Até quarta-feira (27), 709 credores participarão de leilão de descontos em um sistema desenvolvido pela B3, a bolsa de valores brasileira.

Quem oferecer os maiores descontos será contemplado com recursos do Fundo de Garantia de Operações (FGO). Com R$ 8 bilhões do Orçamento da União, o fundo cobrirá eventuais calotes de quem aderir às renegociações e voltar a ficar inadimplente. Isso permite às empresas concederem abatimentos maiores no processo de renegociação.

O Ministério da Fazenda estima que o desconto corresponderá a pelo menos 58% das dívidas, podendo superar em muito esse valor, dependendo da atividade econômica. O credor que não conseguir recursos do FGO poderá participar do Desenrola, mas não receberá ajuda do Tesouro.

No último dia 13, a Fazenda tinha divulgado que 924 credores tinham aderido voluntariamente ao programa, mas apenas 709 fizeram o processo de atualização das dívidas e estão aptos a participar da nova fase do programa. As empresas credoras estão agrupadas em nove setores: serviços financeiros; securitizadoras; varejo; energia; telecomunicações; água e saneamento; educação; micro e pequena empresa, educação.

Destinada à Faixa 1 do programa, a segunda etapa do Desenrola pretende beneficiar até 32,5 milhões de consumidores com o nome negativado que ganham até dois salários mínimos. Em tese, só poderão ser renegociadas dívidas de até R$ 5 mil, que representam 98% dos contratos na plataforma e somam R$ 78,9 bilhões. No entanto, caso não haja adesão suficiente, o limite de débitos individuais sobe para R$ 20 mil, que somam R$ 161,3 bilhões em valores cadastrados pelos credores na plataforma.

Portal Gov.br
Nesta semana, o Desenrola está restrito aos leilões de credores. Somente a partir da primeira semana de outubro, os contribuintes poderão formalizar as renegociações. Isso se o Senado aprovar, até 2 de outubro, o projeto de lei do Programa Desenrola.

O consumidor precisará ficar atento. Só poderá consultar se o débito foi contemplado no programa e verificar o desconto oferecido a quem tiver conta nível ouro ou prata no Portal Gov.br, o portal único de serviços públicos do governo federal. O login único também é necessário para formalizar a renegociação.

As dívidas poderão ser pagas à vista ou em até 60 meses, com juros de até 1,99% ao mês. Os consumidores com débitos não selecionados no leilão poderão conseguir o desconto oferecido pelo credor, desde que paguem à vista

Primeira etapa

Aberta em julho, a primeira etapa do Desenrola, destinada à Faixa 2, renegociou R$ 13,2 bilhões de 1,9 milhão de contratos até o último dia 18. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), isso equivale a 1,6 milhão de clientes, já que um correntista pode ter mais de uma dívida.

Além disso, 6 milhões de pessoas que tinham débitos de até R$ 100 tiveram o nome limpo. Nesse caso, as dívidas não foram extintas e continuam a ser corrigidas, mas os bancos retiraram as restrições para o devedor, como assinar contratos de aluguel, contratar novas operações de crédito e parcelar compras em crediário. A desnegativação dos nomes para dívidas nessa faixa de valor era condição necessária para os bancos aderirem ao Desenrola.

Diferentemente da segunda fase, a primeira etapa renegociou apenas débitos com instituições financeiras. Podem participar correntistas que ganhem até R$ 20 mil por mês e tenham dívidas de qualquer valor, o que permite a renegociação de débitos como financiamentos de veículos e de imóveis. As renegociações para a Faixa 2 devem ser pedidas nos canais de atendimento da instituição financeira, como aplicativo, sites e pontos físicos de atendimento.

Policial civil pode ter aposentadoria especial com proventos integrais e paridade

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que policiais civis que tenham preenchido os requisitos para a aposentadoria especial voluntária têm direito ao cálculo dos proventos com base na regra da integralidade. Eles também podem ter direito à paridade com policiais da ativa, mas, nesse caso, é necessário que haja previsão em lei complementar estadual anterior à promulgação da Emenda Constitucional (EC) 103/2019. A decisão, unânime, foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1162672, com repercussão geral (Tema 1019).

Integralidade e paridade

A regra da integralidade assegura a totalidade da remuneração recebida no cargo em que se deu a aposentadoria. Já a paridade garante a inativos as mesmas modificações de remuneração e os mesmos benefícios ou vantagens concedidos aos servidores ativos da carreira.

Aposentadoria especial

O recurso foi apresentado contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu a uma policial civil o direito à aposentadoria especial com proventos integrais, por ter preenchido os requisitos da Lei Complementar (LC) 51/1985, que dispõe sobre a aposentadoria de policiais. Contudo, a paridade foi negada.

No STF, o Estado de São Paulo e a São Paulo Previdência alegaram que, com a reforma da Previdência de 2003 (EC 41/2003), o servidor público deixou de ter direito a proventos integrais. A policial, por sua vez, argumentou que tinha ingressado na carreira antes da alteração e, por ter preenchido os requisitos para a aposentadoria especial em razão do exercício de atividade de risco, não precisaria cumprir as regras de transição para ter direito à integralidade e à paridade.

Lei complementar

Em seu voto, o ministro Dias Toffoli lembrou que, de acordo com os precedentes do STF, a LC 51/1985, que assegura a integralidade a policiais, foi recepcionada pela Constituição Federal. Observou ainda que, até a última reforma da Previdência (EC 103/2019), a Constituição permitia fixar “requisitos e critérios diferenciados” para a aposentadoria especial em atividades de risco, desde que por meio de lei complementar. Para Toffoli, essa expressão abrange a edição de regras específicas de cálculo e reajuste de proventos, de forma a garantir a integralidade e a paridade.

Segundo o ministro, a redação anterior do artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição permitia a instituição da aposentadoria especial voluntária dos policiais com integralidade e paridade independentemente da observância das regras de transição previstas para os servidores em geral.

Caso concreto

Com base na fundamentação apresentada no voto, o ministro ressaltou que o direito à paridade precisa estar previsto em lei complementar da respectiva unidade da Federação, em razão da compreensão de que a LC 51/1985 garantiu, como norma geral, apenas a integralidade. No caso dos autos, a decisão do TJ-SP reconheceu somente esse direito, e, para divergir desse entendimento, seria necessário o reexame da causa com base na legislação paulista, o que não é admitido no âmbito de recurso extraordinário.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:

“O servidor público policial civil que preencheu os requisitos para a aposentadoria especial voluntária prevista na LC 51/85 tem direito ao cálculo de seus proventos com base na regra da integralidade e, quando também previsto em lei complementar, na regra da paridade, independentemente do cumprimento das regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC 47/05, por enquadrar-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à EC 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco.”

Rosa Weber vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 semanas de gestação. Ela é a relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que começou a ser julgada na madrugada desta sexta-feira (22), em sessão virtual. O julgamento foi suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, e, com isso, prosseguirá em sessão presencial do Plenário, em data a ser definida.

A discussão sobre a descriminalização do aborto foi provocada no STF pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor da ação, e chegou a ser objeto de audiência pública em 2018 convocada pela ministra Rosa Weber. O objetivo era debater o tema com especialistas e representantes de entidades governamentais e da sociedade civil.

Extrema delicadeza

Em voto de 129 páginas, a ministra considera que os artigos 124 e 126 do Código Penal não estão de acordo com a atual Constituição Federal. Na sua avaliação, é desproporcional atribuir pena de detenção de um a quatro anos para a gestante, caso provoque o aborto por conta própria ou autorize alguém a fazê-lo, e também para a pessoa que ajudar ou realizar o procedimento.

A ministra ressalta que o debate jurídico sobre aborto é “sensível e de extrema delicadeza”, pois suscita “convicções de ordem moral, ética, religiosa e jurídica”. Apesar dessas conotações discursivas, porém, Rosa Weber considera que a criminalização do aborto voluntário, com sanção penal à mulher e ao profissional da medicina, “versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito à saúde e os direitos das mulheres”.

Início da vida

Um dos pontos destacados pela ministra é que a falta de consenso sobre o momento do início da vida é fato notório, tanto na ciência quanto no campo da filosofia, da religião e da ética. Para Rosa Weber, o argumento do direito à vida desde a concepção como fundamento para a proibição total da interrupção da gestação, como defendem alguns setores, “não encontra suporte jurídico no desenho constitucional brasileiro”.

Ela lembra que a discussão sobre direito à vida e suas formas de proteção não é nova no Supremo: ela esteve presente tanto no julgamento da Lei de Biossegurança (ADI 3510), sobre o uso de embriões humanos para pesquisas com células-tronco, quanto no da interrupção da gravidez de feto anencéfalo (ADPF 54). Nesse julgamento também foi debatida a liberdade reprodutiva e a autonomia da mulher na tomada de decisões.

Direitos reprodutivos

O Estado, portanto, segundo a ministra, tem legítimo interesse (e deveres) na proteção da vida humana configurada no embrião e no nascituro conforme a legislação civil, por exemplo. Todavia, essa proteção encontra limites no Estado constitucional, e a tutela desse bem não pode inviabilizar, a priori, o exercício de outros direitos fundamentais também protegidos pela legislação nacional e tratados internacionais de direitos humanos, incluindo-se os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Saúde pública

A ministra destacou que, em diferentes países onde o aborto foi descriminalizado, houve redução do número de procedimentos, associada à ampliação do uso de métodos contraceptivos. Após citar vários dados e casos julgados em outros países, ela concluiu que há uma tendência contemporânea do constitucionalismo internacional de considerar o problema da saúde sexual e reprodutiva das mulheres como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. A principal nota é a interdependência dos direitos – à liberdade e à vida digna em toda sua plenitude, física, mental, psicológica e social.

Proporcionalidade

“O aborto não se trata de decisão fácil, que pode ser classificada como leviana ou derivada da inadequação social da conduta da mulher”, afirmou a ministra. Para ela, a discussão normativa, diante de valores constitucionais em conflito, não deve violar o princípio constitucional da proporcionalidade, ao punir com prisão a prática do aborto. Essa medida, a seu ver, é “irracional sob a ótica da política criminal, ineficaz do ponto de vista da prática social e inconstitucional da perspectiva jurídica”.

Autodeterminação

Segundo Rosa Weber, após oito décadas de vigência da norma no Código Penal (1940), é hora de colocar a mulher “como sujeito e titular de direito”, e não como uma cidadã de segunda classe, que não pode se expressar sobre sua liberdade e autonomia.

“Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna”, ressaltou a ministra.

Rosa Weber lembrou que, na época da edição da lei, a maternidade e os cuidados domésticos compunham o projeto de vida da mulher. “Qualquer escolha fora desse padrão era inaceitável, e o estigma social, certeiro”. Por outro lado, a criminalização do aborto visava tutelar de forma digna a vida humana, mas não produziu os efeitos pretendidos.

Diálogo institucional

A relatora destacou que, apesar da competência do Congresso Nacional para legislar sobre o tema, o Poder Judiciário é obrigado, constitucionalmente, a enfrentar qualquer questão jurídica a ele apresentada sobre lesão ou ameaça a direitos seja da maioria ou das minorias. “Na democracia, os direitos das minorias são resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a elas possam ser causados pela vontade da maioria. No Brasil, essa tarefa cabe ao Supremo Tribunal Federal”, frisou.

Ela explicou que não cabe ao STF elaborar políticas públicas relacionadas à justiça reprodutiva ou escolher alternativas normativas às adotadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, como as relacionadas às políticas de saúde pública das mulheres. “Não obstante, compete-lhe o diálogo institucional, por meio das técnicas processuais pertinentes, sejam elas para a coleta de dados e informações, como as audiências públicas, sejam as técnicas decisórias instauradoras da conversação democrática, como o apelo ao legislador”.

Diante disso, a ministra, na parte final de seu voto, fez um apelo a esses Poderes para a implementação adequada e efetiva do sistema de justiça social reprodutiva, com “a remoção dos entraves normativos e orçamentários indispensáveis à realização desse sistema de justiça social reprodutivo”.