Período de deflação não deve durar muito, alertam especialistas

A queda recorde de 0,73%, em agosto, no Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) — que é a prévia da inflação oficial —, aumentou as chances de um segundo mês de deflação na taxa. Com o dado divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), analistas passaram a revisar novamente a previsão para o indicador do custo de vida no fim deste ano — que gira entre 6,5% e 7%.

No entanto, segundo especialistas ouvidos pelo Correio, é preciso cautela, pois o dragão da inflação não está totalmente domado. O volume é elevado e persistente, tanto no Brasil quanto no mundo. Aqui, a carestia está espalhada na economia, com 63% dos itens pesquisados registrando alta de preços, conforme dados do IBGE.

Analistas lembram que a deflação corrente não é sustentável, porque a recente queda nos impostos sobre combustíveis tem prazo de validade — dezembro deste ano. Conforme salientam, esse é um sinal de que as medidas adotadas têm objetivo somente eleitoral e sem uma estratégia para o controle das pressões inflacionárias. O risco é um cenário muito mais agravado no futuro próximo. Quando os tributos forem recompostos no ano que vem, a inflação poderá voltar, e até com mais força.

Apesar de cogitar a possibilidade de o país vivenciar “dois a três meses” de deflação, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não comemorou a queda de preços, porque a carestia dos alimentos continua acima das expectativas da autoridade monetária. “A gente acha que não pode baixar a guarda”, disse ele, na última sexta-feira, em evento para investidores.

Inconsistência
No Brasil, que tem no histórico a hiperinflação que vem assombrando vizinhos em crise — como a Argentina (de 71% ao ano) e a Venezuela (de 137%) —, o IPCA vem rodando na casa de dois dígitos desde setembro de 2021. Além da alta de preços de commodities, a desconfiança dos investidores em relação à questão fiscal tem deixado o dólar mais valorizado e aumentado a exigência de prêmios de risco dos juros dos títulos públicos.

“A deflação atual não é estrutural porque os preços não estão caindo por fatores consistentes. Não deixa de ser uma ação de política econômica do governo, que usa os instrumentos que possui. Mas o prazo oficial para essa queda de impostos é até dezembro. E pode haver um efeito rebote no início de 2023, quando houver o retorno, gerando mais inflação devido aos repasses em toda a cadeia”, explicou o economista-chefe da Mirae Asset, Julio Hegedus.

O economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), também reconhece que esse processo de deflação é temporário e deve fazer com que os preços voltem a subir no ano que vem. “Essas medidas eleitoreiras funcionam no curto prazo, mas não ajudam a consolidar um processo deflacionário. Mexem apenas no preço, sem mudar a estrutura da inflação na economia. Por outro lado, reduzir os impostos estaduais arrebenta o pacto federativo”, explicou.

Na avaliação do especialista, o Brasil está com um problema de inflação, que afeta os mais pobres e que é necessário estar no centro do debate eleitoral. “Inflação é um imposto perverso. A primeira política que uma gestão deveria fazer é não ter inflação”, frisou.

Para o governo, no entanto, inflação alta é boa do ponto de vista nominal porque ajuda a aumentar a arrecadação e a reduzir a dívida pública — aumenta o PIB nominal, que é o denominador do cálculo da taxa da dívida pública bruta. A redução de impostos sobre combustíveis contribuiu para a queda de 4,51% do grupo de transportes no IPCA de julho, de acordo com os dados do IBGE.

Por outro lado, os preços no grupo alimentos e bebidas — que mais pesam no custo de vida das famílias pobres — continuam elevados, com altas acumuladas em 12 meses até julho (14,72%), acima dos 10,07% da inflação oficial.

Apesar do discurso eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL), a inflação brasileira é uma das mais altas entre as 15 maiores economias do planeta, no acumulado de 12 meses até julho. O país está em 12º lugar no ranking global por Produto Interno Bruto (PIB) de 2021 e registrou a 4ª maior inflação em julho passado, perdendo para Rússia (15,10%), Reino Unido (10,10%) e Espanha (10,80%), segundo dados do site Trading Economics.

“A deflação ajuda muito a reduzir a inflação deste ano, mas mantém os riscos elevados para o ano que vem. O fiscal ainda incerto pode continuar prejudicando a inflação e o que pode ajudar são as commodities mais fracas com a possível recessão mundial. Em tese, ajudaria a inflação, mas vai depender do fiscal estar bem encaminhado para controlar o câmbio e aqui há muitos riscos”, destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Pelas estimativas da economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, mesmo com esse cenário de deflação, o BC não vai abrir mão de um aperto monetário mais forte e deverá realizar mais uma alta da taxa básica da economia em setembro. Com isso, a Selic deverá passar de 13,75% para 14% ao ano, patamar que deverá permanecer até junho de 2023.

“A inflação é muito persistente e disseminada, e o governo não está ajudando no lado fiscal, o que dificulta o trabalho do BC de fazer o IPCA convergir para a meta”, explicou.

Horizonte distante
A inflação estrutural é um dos grandes problemas para o Banco Central (BC) entregar a inflação oficial do país dentro da meta. Com a elevação, em 2021, a autoridade monetária não conseguiu derrubar a taxa abaixo do teto de 5,25%, e o consenso entre analistas é que isso se repetirá neste ano e no próximo.

Pelas estimativas de Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, essa inflação estrutural gira em torno de 4%. Por isso, ele reforça que o BC deve ter dificuldade para cumprir a meta estabelecida para 2024, de 3%.

“Essa é a inflação estrutural e, por isso, o Brasil está muito distante de conseguir ter uma meta de 3% ou próxima a dos países desenvolvidos”, destacou.

Na avaliação de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, existem duas análises no mercado: a primeira, que a inflação começou a cair depois de atingir o pico entre abril e maio; a segunda, é que o BC não vai conseguir cumprir a meta deste ano e de 2023. A convergência da inflação para a meta será lenta e isso só deve ocorrer em 2024.

Desafio
O teto da inflação para este ano é de 5% e, mesmo com as constantes revisões para baixo, as previsões mais otimistas para o IPCA em dezembro estão acima desse patamar — giram entre 6% e 6,5%.

“Ainda tem vários fatores que pesam para o BC controlar a inflação. Um deles é que a meta atual, de 3,5%, vai cair para 3% até 2024. Esse é um dos pontos mais desafiadores para a condução da política monetária”, destacou Padovani.

O especialista manteve as previsões em 5,50%. Pelas projeções do BV, o IPCA em 2023 encerrará o ano em 5,5% e continuará acima do teto da meta, de 4,75%. “A inflação vai cair do pico de 12% para 5,5% no ano que vem, mas, para chegar a 3% em 2024, vai exigir mais da política monetária. Por isso, os juros vão ficar parados por mais tempo”, salientou.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, ressalta que a inflação atual é resultado, em grande parte, do choque de oferta. Mesmo com a queda dos impostos e o cenário atual de deflação, o IPCA continuará acima da meta neste ano e em 2023.

“O problema não é apenas a indexação da economia, mas a oferta, que é mais difícil aumentar do que a demanda, porque depende de um conjunto de decisões tomadas ao longo do tempo”, explicou.

Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, destacou que o mercado está subestimando a questão da inércia inflacionária deste ano, que será herdada em 2023. Para uma inflação menor, será preciso uma Selic mais alta do que a atual. “Para trazê-la para a meta, é necessária uma taxa básica de juros mais alta. Ou seja: para a mesma Selic, teríamos uma inflação mais alta”, reforçou.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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