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Pernambuco alcançou, na madrugada desta quarta-feira (29), a marca de cinco mil homicídios no ano. Esse quantitativo nunca havia sido registrado no Estado desde que crimes do tipo passaram a ser contabilizados no Sistema de Informação de Mortalidade do DataSUS, em 1979.
Na contagem da Secretaria de Defesa Social (SDS), iniciada em 2004, o ano mais violento da história, até agora, havia sido 2006, com 4.638 casos. Considerando que o total mensal de assassinatos tem ficado acima de 400 há quatro meses e que ainda restam os 31 dias de dezembro, 2017 pode terminar com um número ainda mais alarmante de homicídios: quase 5,5 mil.
Os dados oficiais da SDS indicam que, até outubro, houve 4.576 casos. A contagem de novembro só será consolidada no próximo dia 15, como ocorre todos os meses. Contudo, levantamento paralelo feito pela imprensa junto à sede do Instituto de Medicina Legal (IML), no Recife, e dos postos da instituição em Caruaru, no Agreste, e Petrolina, no Sertão, indica que, até a madrugada desta quarta-feira, 426 assassinatos tinham sido contabilizados só neste mês.
Somando o número aos 4.576 casos dos dez meses anteriores, o total do ano chega a 5.002. É provável que essa marca tenha sido atingida até antes, já que os dados do IML não incluem vítimas que saem feridas dos locais de crimes e morrem nos hospitais. Em fevereiro deste ano, a SDS deixou de divulgar, diariamente, as estatísticas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), o que era praticado desde a criação do Pacto pela Vida, em 2007.
Uma das pessoas assassinadas na terça-feira (28) foi um rapaz que acompanhava o tio, ex-presidiário, a uma oficina automotiva em Serra Talhada, no Sertão. Enquanto esperavam o fim do atendimento, as vítimas foram surpreendidas por atiradores, que invadiram o local e efetuaram vários disparos. Além deles, o mecânico foi baleado. O jovem foi hospitalizado, mas não resistiu à gravidade dos ferimentos.
Em Tabira, na mesma região do Estado, outro caso: um adolescente de 17 anos foi morto nas proximidades do mercado público da cidade depois de ser reconhecido pelo dono de uma moto que ele teria, supostamente, roubado em Água Branca, na Paraíba. A vítima foi esfaqueada no meio da rua. Além desse crime, também houve duas ocorrências em Jaboatão dos Guararapes e uma Abreu e Lima, no Grande Recife.
Falta de resultados
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE), Áureo Cisneiros lamenta a marca histórica e critica que bons resultados não tenham aparecido mesmo com investimentos anunciados pelo Governo do Estado nos últimos meses.
“No decorrer do ano, foi dito que haveria R$ 300 milhões para a segurança pública, mas não sentimos isso na Polícia Civil. As delegacias continuam sem estrutura, com os servidores tendo que comprar água para beber e papel para imprimir os boletins de ocorrência. Muitas não funcionam à noite e nos fins de semana. Com tudo isso e com um efetivo menor do que há 30 anos, fica difícil algum resultado. Digo que mais de 90% dos crimes não são investigados. Já denunciamos tudo isso à SDS e ao Governo, mas falta diálogo”, reclama.
O professor do Departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) José Luiz Ratton participou da criação do Pacto pela Vida, em 2007.
Hoje crítico do programa por considerá-lo distante de seus propósitos originais, o especialista explica que o Governo “perdeu a capacidade de coordenação das polícias” e “o foco nos crimes contra a vida”, passando a dar atenção “às apreensões de drogas, o que realimenta a violência”. “Os programas de prevenção da violência nunca foram efetivamente implementados, nunca tiveram escala, nem cobertura ampla. O gasto com segurança pública concentra-se em pessoal (ativos e inativos) e há pouco investimento em formação policial continuada, tecnologia, prevenção da violência, reinserção de egressos do sistema prisional e inteligência policial”, avalia.
Possíveis saídas
Em maio deste ano, a Folha de Pernambuco publicou uma reportagem especial sobre os dez anos do Pacto pela Vida, programa que viveu períodos exitosos e inspirou outros estados do Brasil. Em 2013, por exemplo, foram contabilizados 3.103 homicídios, o menor número desde a criação do Pacto. No ano seguinte, entretanto, a curva voltou a subir e não parou mais. O número de CVLIs chegou a 3.434, em 2014 (+10,7%), 3.889, em 2015 (+13,3%), e 4.479, em 2016 (+15,1%). Em 2017, o pior mês da década: março, com 551 mortes.
O professor José Luiz Ratton afirma que o investimento do Estado em medidas repressivas, como a criação de novos batalhões, sem que haja foco em ações preventivas, tem se mostrado “absolutamente ineficiente” na redução da violência. “Prende-se muito, prende-se seletivamente, prende-se mal. O Bope [Batalhão de Operações Policiais Especiais, criado no primeiro semestre] não é solução para a redução dos crimes contra a vida e é sinônimo de um tipo de atuação policial incompatível com a garantia e realização dos direitos fundamentais. O investimento em formas de repressão direcionada para os crimes contra a vida somado à ampliação e fortalecimento dos programas de prevenção da violência é a estratégia mais adequada e mais sustentável para reduzir a violência”, diz.
Ratton acrescenta que, atingindo a marca de cinco mil homicídios, Pernambuco “voltará a ter uma taxa de mais de 50 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes” e que isso torna o Estado “um dos lugares mais violentos do planeta”.
A resposta do Governo
Em nota enviada à Folha, a SDS informou que só comentará o número de homicídios de novembro quando houver a consolidação dos dados, em 15 de dezembro, e destacou ações que tem realizado para diminuir o número de homicídios no Estado. Veja o texto na íntegra:
“A Secretaria de Defesa Social informa que as estatísticas de violência (a exemplo dos CVLIs) referentes ao mês de novembro serão publicadas e comentadas no dia 15 de dezembro, conforme estabelecido em portaria do órgão.
Sobre os CVLIs, a SDS vem trabalhando intensamente para reduzir as estatísticas de homicídios, um desafio imposto a todos os estados brasileiros, conforme demonstrou a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança. Enquanto não houver uma política nacional de segurança, com maior controle das fronteiras, criação de vagas em presídios e participação da União no custeio do setor, a disputa pelo tráfico de drogas e o crime organizado continuarão fazendo vítimas. Estatísticas da SDS são claras: 60% das mortes são causadas pelas disputas em torno do tráfico de drogas e outras atividades criminais e 41% das vítimas têm passagem pelo sistema penal, como presidiário ou indiciado pela Polícia. É preciso ações que abranjam o território nacional, envolvendo as mais diversas instituições brasileiras, de modo a conter o impacto trazido, fundamentalmente, pela crise econômica e o desemprego.
O Estado de Pernambuco, por meio das suas forças de segurança, tem trabalhado intensamente para conter os CVLIs. Em 2017, 2 mil homicidas foram presos, 90 operações Força no Foco foram desencadeadas para prender assassinos e desarticular grupos de extermínio. Investigações de CVLIs foram descentralizadas para todas as delegacias distritais e novas divisões de homicídios foram implantadas. No policiamento ostensivo, 1.500 PMs entraram em atividade, outros 1.322 estão em formação. Foram criados o BOPE (Recife), o BIESP (Agreste), o 25º Batalhão de Jaboatão dos Guararapes e a Companhia de Tamandaré. Serão implantados, em 2018, o 2º Biesp (Petrolina), o 26º BPM de Itapissuma, nove delegacias de repressão ao narcotráfico e a Companhia de Lajedo. No trabalho investigativo, 1, 3 mil policiais civis vão compor, no primeiro trimestre de 2018, a estrutura das delegacias em 185 municípios (mais Fernando de Noronha). O orçamento da segurança em 2017 (R$ 3,7 bilhões) superou todos os anos superiores.
Ações de gestão, aplicação de recursos e ajustes operacionais nas polícias já deram resultados significativos na sensação de segurança e na redução dos mais diversos delitos. Caíram os crimes contra o patrimônio pelo terceiro mês consecutivo e, em regiões como a RMR e o Agreste, os CVLIs tiveram inflexão. Houve diminuição drástica nos assaltos a ônibus, roubos a ônibus e roubos e furtos de veículos. Recentemente, o secretário Antônio de Pádua instituiu a Força-Tarefa Vidas, para atacar o tráfico de drogas e evitar os conflitos que mais colaboram para as estatísticas de homicídios.
Assim como nos últimos 10 anos, o Pacto pela Vida, responsável por salvar mais de 12 mil vidas no período, continuará como o fórum central de discussão e decisão na política pública de segurança, agregando os mais diversos setores do Executivo, além de Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e municípios.”