Os deputados federais Fábio Trad (PSD-MS) e Beto Pereira (PSDB-MS), ambos autores de projetos de lei que propõem quarentena política a magistrados e membros do Ministério Público, divergem sobre possibilidade de a proposta atingir o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, possível candidato à Presidência da República, em 2022. Enquanto Trad é enfático ao dizer que seu texto não retroage — ou seja, não alcança quem já deixou a magistratura, como é o caso do ex-juiz da Lava-Jato em Curitiba —, Beto afirma que, no âmbito do seu PL, a questão fica em aberto e deverá ser discutida pelos parlamentares. A divergência mostra que matéria suscitará amplo debate.
A proposta de quarentena política ficou em evidência após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, defender a exigência de um período de oito anos de inelegibilidade para ex-juízes que se candidatem a cargo eletivo público — atualmente o prazo é de seis meses. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a proposta e disse que o assunto deve avançar nos próximos meses na Casa.
O deputado Fábio Trad apresentou o projeto, em novembro do ano passado, enquanto Beto Pereira levou o dele à Câmara meses antes, em abril. Há algumas diferenças entre as matérias: o do deputado do PSD abrange não somente juízes e membros do MP, mas também policiais civis e militares, e pede um afastamento de seis anos antes das eleições. Já o do parlamentar tucano propõe um prazo de cinco anos.
Trad afirma que “a toga é incompatível com pretensão eleitoral”. “Daqui a pouco, vai ter juiz com sentença pensando nas eleições, e não no direito”, criticou. Assim como ele, Maia disse, em recente entrevista, que a proposta não pode atingir Moro, que abandonou a magistratura em 2018 para ser ministro do governo Bolsonaro.
“Estou começando a suspeitar que há um movimento utilizando-se desse argumento em relação ao Moro para tentar não aprovar o projeto. Mas é preciso frisar que ele (o PL) não retroage”, frisou Trad. A Constituição é clara ao dizer que lei alguma pode retroagir para atingir direito adquirido. Mas há como precedente a Lei de Ficha Limpa, que atingiu políticos condenados antes de ser aprovada.
O deputado do PSD afirma, no entanto, que a Ficha Limpa tem a ver com crimes, e que não faz sentido equiparar isso com a nova regra para magistrados, membros do MP e policiais. Trad ressalta, ainda, que acha improvável que um deputado sugira algum dispositivo que possa atingir Moro para impedi-lo de, eventualmente, ser candidato à Presidência em 2022.
“Uma proposta como esta seria tão imoral e descaradamente casuística, direcionada a atingir Moro, que eu duvido que algum deputado tenha coragem de deixar suas digitais. Além disso, a meu ver, e com base em consultas jurídicas feitas, seria inconstitucional tentar retroagir com a lei. Portanto, creio que isso não entra na proposta”, destacou.
Em aberto
O PL de Beto Pereira também não prevê que nova lei atinja quem deixou o posto de juiz ou cargos no MP. Mas, para ele, a questão ainda está em aberto. “Se vai atingir ou não magistrados que aposentaram ou se afastaram antes da aprovação da lei, isso é algo que ainda será necessário interpretar”, salientou. A proposta dele prevê um afastamento de cinco anos –– por ela, Moro poderia ser candidato só em 2023, se o projeto atingir aqueles que abandonaram a magistratura.
Questionado se uma proposta que atinge o ex-juiz da Lava-Jato não poderia ser vista como específica para impedir que o ex-juiz, hoje opositor do presidente Jair Bolsonaro, seja candidato, o parlamentar nega. “A política é tão dinâmica que seria egoísmo pensar que você está fazendo algo em função de A ou B”, assegurou.
Conforme Pereira, tem sido cada vez mais recorrente a participação de juízes e membros do MP em processos eleitorais, e é importante observar o princípio de imparcialidade da magistratura. “Quando tangencia a política, você começa a ser parcial e a emitir juízo de valor sobre as matérias, o que descaracteriza o princípio constitucional de imparcialidade”, explicou.
Trad afirma que propôs o prazo de seis anos, pensando em abranger uma eleição municipal, uma nacional e a reeleição, mas que o período poderia ser reduzido a quatro anos, a depender do debate. Para ele, se um magistrado precisa aguardar três anos para poder entrar na advocacia, após deixar o cargo, é preciso repensar o período de apenas seis meses, como é exigido hoje, para entrar na vida pública, que pressupõe uma responsabilidade coletiva.
Segundo o deputado, no entanto, um prazo de inelegibilidade de oito anos, como foi proposto por Toffoli –– e que suscitou o debate sobre o tema ––, seria excessivo. “Oito anos é para ficha suja e esse não é o caso”, observou.
Migração de militar igual de magistrado
A proposta do deputado Fábio Trad (PSD-MS) inclui os militares no rol daqueles que seriam obrigados à quarentena, caso migrassem da caserna ou das suas corporações policiais e de bombeiros para a política. O texto prevê que precisariam se afastar da função no mesmo prazo que os juízes –– seis anos antes das eleições ––, mas não especifica como se dará esse afastamento, se por licença remunerada, passagem à reserva ou outro motivo. O parlamentar afirma que a questão deverá ser discutida em plenário, mas avalia que a ideia é de que percam os proventos.
Trad salienta que pensou no projeto em decorrência dos casos de policiais militares e bombeiros que se envolvem com milícias, tomam territórios e podem se capitalizar politicamente para as próximas eleições.
A discussão pode envolver também uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que foi apresentada pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), em junho deste ano. Ela visa vedar que militares da ativa ocupem cargos de natureza civil na administração pública.
Trad diz que irá estudar a PEC. Ele até pediu à Casa Civil o número de militares no governo, mas não obteve resposta — de acordo co levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União, são 6.157 egressos da caserna para o Executivo, entre ativos e da reserva.
Diario de Pernambuco