Eleito com amplo apoio de policiais federais e civis, o presidente Jair Bolsonaro tem pela frente uma onda de insatisfação nas categorias, que pedem tratamento igual ao dos militares na reforma da Previdência.
Eles também criticam o ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) que, segundo eles, não está defendendo com ênfase o pleito das categorias junto às autoridades do governo na área econômica.
A UPB (União dos Policiais do Brasil), uma frente que reúne 28 das principais entidades do setor no país, incluindo delegados, peritos criminais, agentes, papiloscopistas, escrivães, guardas municipais e de trânsito e policiais rodoviários e legislativos, começou nesta segunda-feira (6) a abordar parlamentares federais nos aeroportos do país.
No dia 13, algumas das categorias preveem ações ainda não definidas nos estados e, no dia 21, uma grande mobilização em Brasília. Eles esperam reunir cerca de 5 mil profissionais de segurança.
Os policiais discordam, entre outros pontos, das regras para aposentadoria e do valor de pensão para familiares de policiais mortos e feridos. A reforma prevê aposentadoria a partir dos 55 anos de idade, mas na prática, segundo os policiais, o que vai acontecer é o envelhecimento dos servidores, já que o valor previsto para a aposentadoria aos 55 é inferior ao praticado atualmente e valerá mais ao policial continuar trabalhando para receber o salário integral.
Na pensão, o policial hoje deixa para a viúva o teto do INSS, estimado em R$ 5,8 mil, mais 70% sobre o excedente no salário. Com a reforma, esse índice cai para cerca de 50%, mais 10% para cada filho.
Segundo os policiais, quem entrou no serviço público depois de 2013 terá que trabalhar “40 anos” para se aposentar pelo teto do INSS, mesmo cálculo que valerá para outras categorias. Contudo, os policiais defendem que há especificidades na atividade e que “no mundo todo” policiais se aposentam com cerca de 20 anos de serviço. Na prática, a polícia corre o risco de ter idosos em operações policiais, além de dificultar a abertura de concursos públicos.
“A reforma está fazendo um estrago muito grande entre os policiais. O presidente Bolsonaro sempre disse que os policiais devem ser mais bem tratados no país. Se ele vai começar acabando com a nossa aposentadoria, é muito difícil entender a motivação”, disse o presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), Edvandir Paiva.
“Essa reforma está muito ruim para a segurança porque desconsidera a atividade de risco que nós fazemos. Somos considerados uma atividade de risco, mas isso está sendo retirado da Constituição. Com isso, a proposta está, na prática, envelhecendo as polícias. Está dificultando a aposentadoria, está trazendo uma série de impedimentos que vão fazer com o que os profissionais acabem tendo que ficar muito mais tempo na ativa. Para essa atividade é necessária higidez física e mental para exercer sua função com eficiência, que é o que a sociedade espera”, disse o presidente da APCF (Associação dos Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo.
Hoje o policial tem direito de se aposentar após 30 anos de contribuição e 20 anos de atividade policial, no caso dos homens, e de 25 e 15 anos respectivamente, no caso das mulheres, sem idade mínima. A proposta do governo Bolsonaro exige que o policial tenha a idade mínima de 55 anos, tanto homens quanto mulheres, e aumenta o tempo de atividade policial de 25 e 20 anos, respectivamente. A partir de 55, o policial pode se aposentar, mas com o teto do INSS, estimado hoje em R$ 5,8 mil. A tendência natural é a postergação da aposentadoria.
“Talvez para algumas carreiras você se aposentar com 65, 70 anos não seja ruim, mas para a polícia, é. No mundo inteiro a polícia se aposenta cedo. Não é invenção brasileira nem motivo de vergonha. É uma questão de higidez física e mental. Como você vai combater a criminalidade?”, indagou Camargo.
“Essa reforma vai levar a um colapso na segurança pública nacional caso não haja uma consideração, um tratamento igualitário entre as diversas categorias de segurança pública com os policiais militares em relação a algumas regras. Primeiro, é fundamental que sejam reconhecidos os fatos intrínsecos de risco e que nenhuma categoria possui: insalubridade, penosidade e risco de vida. O policial tem o deve legal de enfrentar o perigo”, disse o presidente do Sindepes (Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Espírito Santo), Rodolfo Laterza, que integra a UPB.
“Nossa categoria tem mortes significativas. Nós temos o maior número de baixas do hemisfério ocidental. Maior do que as baixas da Rússia na Síria, por exemplo, ou dos Estados Unidos no Afeganistão. Da forma como está a reforma, ninguém vai querer se arriscar sendo policial no Brasil. Teremos milhares de burocratas que, com razão, não vão querer se arriscar”, disse Laterza.
Segundo policiais, a fase de diálogo com o governo Bolsonaro sobre a reforma terminou quando a proposta foi encaminhada ao Congresso e o principal interlocutor dos policiais na Casa Civil, Arthur Weintraub, se tornou ministro da Educação. “Eles dizem agora para nós que temos que resolver tudo no Congresso, só lá. Esperávamos mais consideração, mais empenho do governo em entender nossa situação. Os policiais apoiaram em peso a candidatura Bolsonaro porque nas eleições ele apontou a segurança pública como bandeira”, disse um policial que participa das negociações com parlamentares e pediu para não ser identificado.
Outro lado Procurada pela Folha, a Secretaria de Previdência do Ministério da Economia informou, em nota, que “hoje as regras já são diferentes. Os policiais civis estão no RPPS [Regime Próprio da Previdência Social] (art. 40 da Constituição e lei complementar n° 41) e os policiais militares são tratados no art. 42 da Constituição Federal”.
“A PEC 6/2019 equipara as regras dos policiais militares e bombeiros dos estados às regras das Forças Armadas, em razão das especificidades da carreira, que obedece hierarquia e disciplina militar. No caso dos policiais civis, a proposta prevê idade mínima de 55 anos para homens e mulheres. Trata-se de carreira de servidores públicos civis que possui requisito diferente de aposentadoria em razão da natureza do cargo”, afirmou a Secretaria, na nota.
Procurado por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Justiça informou, em nota: “O ministro Sérgio Moro tem conversado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a respeito das questões apresentadas pelos policiais sobre a Reforma da Previdência”.
Folhapress