José Pio Martin
No dia 17 de junho passado, a imprensa brasileira noticiou que o conglomerado empresarial Odebrecht S.A. (ODB) acabava de ingressar com pedido de recuperação judicial na 1.a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, cujo processo trata de dívidas passíveis de reestruturação no valor de R$ 51 bilhões, além de mais R$ 14,5 bilhões de dívidas garantidas e outras dívidas de naturezas diversas. O total geral do passivo listado no processo protocolado na Justiça, e que a Odebrecht inclui em sua estratégia de recuperação, chega a R$ 83,6 bilhões, o maior valor de empresa em recuperação judicial da história no país.
O grupo empresarial ODB emitiu comunicado no qual informa que chegou a ter mais de 180 mil empregados cinco anos atrás e atualmente tem apenas 48 mil, e citou ainda que esse encolhimento enorme foi “consequência da crise econômica que frustrou muitos dos planos de investimentos feitos pela ODB, do impacto reputacional pelos erros cometidos e da dificuldade pela qual empresas que colaboram com a Justiça passam para voltar a receber novos créditos e a ter seus serviços contratados”. No início de 2015, a Odebrecht chegou a registrar 276 mil empregados entre próprios e terceirizados, o que fez dela um dos maiores grupos empresariais brasileiros.
Essa tragédia financeira e social, a julgar pelo número de trabalhadores que perderam seus empregos e pela queda de produção, levanta de novo uma questão recorrente: qual deve ser o tratamento legal dado às empresas, aos empresários e aos dirigentes e técnicos que praticam crimes em razão do cargo? É sabido que a empresa é um sistema com seus terrenos, prédios, máquinas, equipamentos, empregados, matérias-primas, recursos financeiros e tecnologias, sistema esse destinado a produzir bens e serviços. Nesse sentido, a empresa é um ente material, moralmente neutro e sem vontade própria. Quem elabora estratégias, toma decisões e define as regras de funcionamento da empresa são as pessoas que a possuem, as que a dirigem e as que nela trabalham. A empresa é organizada segundo as leis da pessoa jurídica, registrada no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), e executa atos econômicos e negócios jurídicos diversos sob o mando e gerência de pessoas; logo, a ética só pode ser cobrada das pessoas físicas responsáveis pelos atos empresariais.
Já passou da hora de a legislação fazer distinção clara entre as pessoas físicas dos proprietários e dirigentes, de um lado, e a pessoa jurídica da empresa, de outro. Se a empresa em si não toma decisões, mas apenas executa as decisões tomadas por seus sócios e dirigentes, por consequência a empresa não é ética nem antiética. As pessoas dos donos e dos dirigentes – bem como todos os que na empresa trabalham – é que podem ser éticos ou não, pois ética é uma virtude essencialmente e exclusivamente humana. Bastam esses aspectos para indicar que, por lógica jurídica e econômica, as punições para crimes cometidos no âmbito empresarial sejam distintas para a empresa e para os responsáveis pelos atos ilícitos. Ao produzir bens e serviços, empregar pessoas, pagar impostos e satisfazer necessidades de consumidores, a empresa tem relevante função social e, assim como ocorre em países adiantados, ela deve submeter-se a um conjunto de normas e obrigações consubstanciadas nas leis comerciais, tributárias, trabalhistas, ambientais etc., cabendo aos responsáveis pelos atos de decisão e operação a obrigação de agir na legalidade e com ética.
Irregularidades e crimes ocorridos em uma empresa devem levar à punição dos autores, inclusive com afastamento dos donos e dirigentes, mas a pessoa jurídica deve ser preservada e passar a ser dirigida por outras pessoas, se necessário sob o comando de interventor judicial. O melhor inibidor contra a prática de crimes empresariais, especialmente a corrupção, é a perda do cargo, confisco de patrimônio e prisão dos donos e dirigentes que tenham cometido crimes. Em um país capitalista, em que a propriedade dos meios de produção pertence às pessoas, tanto na forma de donos plenipotenciários como acionistas sem poder de gerência, a empresa é uma entidade econômica e social a ser estimulada, preservada e expandida. No caso de crimes e fraudes, como o diabólico mecanismo de corrupção entre a Odebrecht, seus dirigentes, o governo do PT e demais políticos vinculados ao esquema, a empresa deveria ser libertada dos criminosos e ter sua existência e atividades preservadas, como de resto deveria valer para todas as pessoas jurídicas.
Virou moda denunciar a Lava Jato como responsável por acabar com empresas e fazer mal à economia brasileira. Mas é preciso lembrar que a Lava Jato é uma operação policial e judicial para investigar, processar, julgar e punir corruptos segundo as leis do país. Se o Poder Legislativo já tivesse produzido leis inteligentes e adequadas para retirar da empresa as pessoas dos donos e dirigentes corruptos e puni-los exemplarmente, preservando a existência da empresa e seu direito de operar inclusive em obras públicas, a queda da Odebrecht, e muitas outras, não teria ocorrido. Portanto, não foi a Lava Jato que danificou as empresas cujos dirigentes se envolveram em corrupção, mas os danos às empresas é culpa da legislação insuficiente, precária e malfeita. O Congresso Nacional tem a obrigação de rever e modernizar a legislação e as normas de propriedade e gestão empresarial, e esse sim é o núcleo do problema, não a Lava Jato e as demais operações de combate à corrupção. O preço de punir os corruptos não deveria ser o fim da empresa.