Uma das prioridades da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para o primeiro semestre deste ano é avançar com o Projeto de Lei nº 3.723/2019, que altera o Estatuto do Desarmamento e regulariza o exercício das atividades de colecionador, atirador esportivo e caçador (CACs). A pauta é parte do discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL), que editou Medidas Provisórias — 10.627, 10.628, 10.629 e 10.630 — e precisa do avanço da lei para manter o apoio do eleitorado que defende armar a população.
O relator da proposta, senador Marcos do Val (Podemos-ES), afirma que, acima de qualquer coisa, é preciso descolar a proposta da imagem do governo Bolsonaro. Segundo ele, a questão é muito mais relacionada à segurança jurídica dos CACs do que às promessas feitas pelo presidente no passado.
Do Val defende o avanço do texto para que os grupos não fiquem descobertos juridicamente caso as MPs percam efeito. O senador deixa claro que estaria disposto a não mexer na redação encaminhada pela Câmara dos Deputados para dar celeridade a pauta.
Contudo, reconhece que há pontos problemáticos e que precisam de revisão. Confira trechos da entrevista.
Avançar com o PL das Armas em um ano eleitoral não é perigoso?
No ano passado, pretendíamos pautar o projeto da forma como está para criar uma segurança jurídica, porque o Supremo Tribunal Federal (STF), durante o recesso, poderia tomar uma decisão monocrática para derrubar o decreto do presidente. Então, iríamos deixar do jeito que estava e construir um novo projeto com a oposição. A única coisa que nos faz ter velocidade é que está valendo um decreto, e o Congresso precisa torná-lo lei. São 600 mil CACs que podem ser considerados criminosos e isso não tem a ver com a questão eleitoral.
O senhor avalia que o avanço da pauta irá endossar o discurso para reeleição do presidente?
Muita gente diz que, sendo votado favorável (o projeto), Bolsonaro ganha pontos. Mas não ganha. Ainda que ele tenha apresentado o projeto, o texto, agora, é totalmente diferente, e o próprio governo não apoia esse relatório. Então, essa sensação de que o Bolsonaro vai ganhar politicamente com isso está errada.
A proposta não vai endossar discursos extremistas e antidemocráticos?
Quando os armamentistas dizem: “vamos invadir o Congresso”, eu condeno isso. É um ato totalmente antidemocrático, e, para mim, são falas infelizes e que acabam prejudicando as pessoas sérias.
A marcação das cápsulas foi um dos pontos mais abordados pela esquerda, e o senhor acolheu a sugestão. O que isso significa?
Uma coisa é a cápsula, e outra, coisa é o projétil. O que acontece é que depois do combate, o criminoso pode jogar essas cápsulas em outra cena de crime. A marcação dá a sensação de segurança, mas, efetivamente, não traz. O caso da Marielle Franco até hoje não chegou ao autor por causa disso. Mas eu entendo que a sociedade se sentiria mais segura tendo isso, o que não pode ser desprezado.
Quais outras modernizações poderão ser acolhidas?
O relatório que será apresentado na próxima reunião da CCJ acolhe diversas sugestões de senadores, tanto de direita quanto de esquerda. Entre elas, conceder porte de arma a procuradores dos estados e do Distrito Federal, aos servidores de fiscalização do meio ambiente, estendendo o porte de armas de fogo aos auditores-fiscais federais agropecuários. Será concedido o porte de arma aos agentes de trânsito e aos guardas municipais, independentemente do número de habitantes do município, mas apenas em horário de serviço.
Não são muitas armas disponíveis? A proposta realmente vai facilitar o acesso?
Se olhar pelo crivo de colecionador, quem coleciona quer ter todo tipo de arma. Um atirador esportivo precisa de diferentes tipos (de armas) para participar de competições. Então, não é que você esteja liberado para qualquer tipo de arma, mas você tem uma situação diferente para cada ocasião.
Mais armas, mais violência?
Uma coisa não casa com a outra. De acordo com os números liberados, mesmo com o acesso às armas, o crime caiu 7%. A expectativa era de que a criminalidade aumentasse. Então, a máxima de que todas as armas são fabricadas para o crime não se aplica.
A legislação estabelece melhores regras para evitar esse tipo de situação?
Quando você fala em aumentar a penalidade, não significa que você tenha que deixar de fazer projetos sociais e gerar emprego e renda. É uma punição muito pontual. Hoje, se uma pessoa for pega pela polícia com um fuzil na rua, paga uma fiança e é liberada no mesmo dia. Nesse projeto de lei, não se paga a fiança e ainda pega a pena. A ideia é gerar a consciência de não andar com arma de calibre restrito. Diminuir o acesso é impossível, é o mesmo que dizer que vai acabar com as drogas no Brasil. Então, assim, é uma coisa meio lúdica. Criminalizar não é a resposta, e, sim, penalizar mais. A própria Constituição Federal garante o direito de se defender. Não é fazer o papel da polícia, mas minimizar a situação até a chegada da polícia. Não é para uso geral, mas tem uma regulamentação do meio.
Como vê os acidentes com armas de fogo?
Quando a criança tem curiosidade, você precisa saná-la. É mostrar para ela o que é e como se usa. Ela vai entender e os acidentes diminuem. Também é preciso dissociar que mais armas nas mãos da sociedade aumentam a criminalidade. Podemos sonhar que as armas acabaram no mundo inteiro, mas, se alguém nasceu com aquele perfil criminoso e a pessoa decide matar alguém de qualquer forma, ela fará. As leis não são seguidas pelos criminosos, a lei é seguida pela sociedade.
Então, seria melhor avançar com propostas que possam mudar o pensamento das pessoas com relação ao uso de armas de fogo?
É preciso mudar a mentalidade da sociedade. O Bolsonaro fez muita besteira, em várias de suas falas, ele piorou essa situação. Quando ele diz: “tem que dar fuzil para todo mundo”. “Bandido tem que morrer”. Eu sou armamentista, mas não fico satisfeito com essa fala. Não é porque eu sou favorável à arma que sou favorável a sair armado de qualquer jeito, ter briga de trânsito, sacar arma… Precisa ter uma evolução social para chegar ao que há nos Estados Unidos, para comprar uma arma com a carteira de motorista, por exemplo. Mas, para isso, a gente precisa ter uma lei que penalize e que seja rígida e realmente funcione.
Então, o senhor acha que a proposta deve ser descolada desse discurso bolsonarista?
Sim. O líder do governo disse que não iria apoiar, eu achei ótimo, porque não quero que seja um projeto ligado nem à direita nem à esquerda. É uma proposta que tem que ser discutida e evoluída com todo mundo e não associar nada a Bolsonaro. Quando as pessoas postam tirando onda com a arma, cometem um desastre social que facilita os argumentos de quem é contra. Quando você faz esse discurso para a sua bolha, a maioria vai ver você como um cara radical com o discurso que você não pode ter arma, e eu concordo.
Correio Braziliense