Do Congresso em Foco
Relator do projeto de lei que, na prática, acaba com a vitaliciedade no serviço público, o senador Lasier Martins (PSD-RS) sabe a resistência que enfrentará nos próximos dias. Em seu primeiro mandato, o jornalista por formação recebeu da colega Maria do Carmo Alves (DEM-SE), autora da matéria (Projeto de Lei do Senado 116/2017), a missão de relatar um texto que, em resumo, propõe a exoneração de servidores estáveis por mau desempenho. Os efeitos da legislação proposta valem para União, estados, municípios e Distrito Federal.
De natureza complementar, a matéria regulamenta o artigo 41, parágrafo primeiro, da Constituição. Esse dispositivo já determina que o servidor estável – já transposto o período de três anos de estágio probatório – fica sob risco de perder seu posto de concursado em caso de resultado insatisfatório “mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa”. O que o texto em discussão promove é a definição de normas mais específicas para a execução de tais testes, com pontuação por desempenho (veja um resumo no quadro abaixo).
Em entrevista ao Congresso em Foco (leia abaixo), Lasier diz que a aprovação do projeto é questão de bom senso, uma vez que o país precisa de funcionalismo público eficiente. “Querem que tenhamos uma administração pública caracterizada por funcionários medíocres? Não é justo. Vamos exigir mais”, defende o senador, dizendo como rebaterá quem contestar a proposição.
Lasier apresentou seu parecer favorável à matéria na última terça-feira (5). O relatório consta da pauta da próxima reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), marcada para quarta-feira (13), e será levado a voto na forma de um substitutivo ao projeto original. O senador flexibilizou a redação concebida por Maria do Carmo, por exemplo, ao dobrar o período de testes a que o servidor concursado com desempenho considerado insuficiente deverá ser submetido – em vez de exame a cada seis meses, o senador propõe sabatina anual.
O senador também aumentou de um para três o número de avaliadores – no primeiro texto, a tarefa cabia apenas ao chefe de departamento, situação que poderia suscitar casos de perseguição. Segundo o parecer, essa espécie de banca examinadora passaria a contar com um profissional de nível e setor equivalentes ao do servidor examinado e outro do departamento de recursos humanos – Lasier admitiu à reportagem que o número de membros desse colegiado pode ser até ampliado, o que poderia ser resolvido com uma emenda apresentada na CCJ.
A matéria já passou por audiências públicas, foi submetida a consulta pública no site do Senado e, como já era esperado pelo próprio relator, despertou objeções em categorias do serviço público e setores da sociedade civil (leia mais abaixo). Mas, segundo Lasier, trata-se de um mecanismo de aprimoramento do funcionalismo com o máximo de garantias ao servidor estável – eles terão, de acordo com o relatório, até cinco anos para tentar se aperfeiçoar e, em caso de êxito, reverter a desconfiança em torno de sua proficiência profissional. Caso a situação não mude depois de todo esse período, destaca Lasier, o servidor deve ser submetido ao processo de exoneração.
“É um processo que vai provocar o funcionário negligente, acomodado a crescer. Porque o público, o usuário que paga o seu salário, que precisa de um atendimento correto, ele tem o direito de ser atendido por um bom funcionário. E, se tem um funcionário modelo, que consequentemente fica sobrecarregado pelo colega relapso, isso é injusto”, defende o senador. “Nós queremos exaltar os bons e provocar aqueles que não estão tendo alcance para atender melhor ao público. Em resumo, é isso”, acrescenta Lasier.
Entre outras providências, o texto fixa uma escala de notas de desempenho para avaliar servidores considerados pouco produtivos. Esse funcionário poderá ser demitido, segundo o relatório de Lasier, caso não alcance nota superior a 2,9, em dois anos de avaliação, ou maior que 4,5, em cinco anos.
Rejeição
Tão logo foi apresentado, em 19 de abril, o projeto passou a provocar a reação contrária de associações de classe, servidores de carreiras típicas de Estado e mesmo de internautas que optaram no canal oferecido pelo Senado (e-Cidadania) – até o fechamento desta matéria, eram 67.342 os que se disseram contra o projeto, enquanto outros 26.991 disseram apoiá-lo. A consulta pública ainda está aberta (veja aqui).
Mas partiu de entidades como a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União (Fenajufe) e o Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) a contestação técnica da proposição. Um dos argumentos contra o projeto é que ele configura vício de iniciativa, uma vez que já existem instrumentos legais para promover a exoneração de servidores que não desempenhem suas funções adequadamente – o regime disciplinar disposto na Lei 8.112/1990, apontam as entidades.
Além disso, alegam as entidades, o artigo 61 da Constituição já esclarece que é prerrogativa exclusiva da Presidência da República a elaboração ou a alteração de leis que versam sobre o regime jurídico dos servidores públicos. Lasier discorda. “Trata-se de uma lei nacional, que abrange os três Poderes, em âmbito nacional. O presidente da República legisla quanto aos servidores públicos federais. Nesse caso, como a lei tem âmbito nacional, cabe ao Poder Legislativo. É uma lei complementar determinada pela Constituição. É de uma clareza solar, usando o velho chavão, que essa é uma atribuição do Poder Legislativo”, ponderou o senador.
Na justificação do projeto, Maria do Carmo Alves diz que a legislação pertinente carece de atualização e complemento. “Embora a Emenda Constitucional nº 19 tenha sido promulgada em de 4 de junho de 1998, até hoje o Brasil não possui uma legislação de avaliação de desempenho dos agentes públicos. A Constituição Federal obrigou que lei complementar estabelecesse procedimento periódico de avaliação de desempenho, para a perda de cargo do servidor público estável que não desenvolvesse corretamente as atribuições do seu trabalho (artigo 41, § 1º, III, da Constituição). Todavia, quase vinte anos depois, este Parlamento se mantém inerte em relação ao mandamento constitucional”, diz trecho do texto.
“Temos que ter em vista que, quando não há a perda do cargo de agente público negligente, sérias consequências derivam dessa omissão. A sociedade se sente prejudicada, porquanto desembolsa pesados tributos para o correto funcionamento da máquina pública”, acrescenta a justificativa da senadora.