Retomada do Ministério da Cultura tem recorde na Rouanet e críticas pela centralização de recursos

No ano de “reestreia”, o Ministério da Cultura investiu na retomada das políticas de fomento, viu a Lei Rouanet bater recorde de propostas inscritas e começou a preparar o próximo passo para 2024, com a inclusão de obras voltadas à preservação de patrimônio no rol do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine do governo Lula. Enquanto a atual gestão, que tem Margareth Menezes à frente, reclama da “herança bolsonarista”, a oposição critica o volume de liberação de recursos e a centralização da sua distribuição nas regiões Sul e Sudeste do país.

Segundo o MinC, somando recursos da Rouanet e das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc foram injetados quase R$ 7 bilhões no setor em 2023. Mas ainda foi pouco para as demandas do setor, como o próprio governo reconhece:

— A demanda ainda é muito maior do que a gente consegue oferecer. Todo o volume de recursos que tínhamos a responsabilidade de executar foi disponibilizado — garante o secretário-executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares.

Para o ano que vem, são dois os eixos principais: aproveitar o PAC e melhorar a articulação no Congresso. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) selecionou 137 novos projetos para o programa, com o foco na preservação do patrimônio. Dez deles, por exemplo, estão em Ouro Preto (MG) e cinco em Olinda (PE).

A pasta prevê um investimento de R$ 1,3 bilhão, dos quais cerca de R$ 510 milhões serão destinados para a retomada de 26 obras inacabadas, como Centros de Arte e Esportes Unificados, espaços que ofertam serviços culturais, de esporte e assistência social, em locais como Resende (RJ), Ananindeua (PA) e Porto Seguro (BA). Dentro deste montante, também devem ser construídas 300 novas estruturas do tipo até 2026, em locais que ainda estão sendo definidos.

Principal alvo de ataques do governo Bolsonaro na área cultural, a Rouanet atingiu o pico de propostas apresentadas: 12.265, das quais 10.676 já receberam o aval para a captação de recursos via incentivo fiscal. O valor total que os responsáveis pelos projetos poderão buscar com os patrocinadores é de R$ 16,7 bilhões. Até 19 de dezembro, o montante já efetivamente captado foi de R$ 1,2 bilhão, e o governo projeta que 2023 termine com R$ 2,5 bilhões em renúncias fiscais via Rouanet. No ano passado, a quantia chegou a R$ 2,1 bilhões.

Na Lei Paulo Gustavo, há projetos em andamento em todos os estados e em 98,5% dos municípios. Em 2023, segundo o ministério, foram R$ 2,7 bilhões destinados ao audiovisual e R$ 1 bilhão para as demais áreas.

Mesmo com a grande adesão, a execução da Paulo Gustavo enfrentou problemas em diferentes estados e municípios e dúvidas em relação à sua aplicação, como os limites fiscais dos Microempreendedores Individuais (MEIs). A pedido de gestores de cultura municipais e estaduais, o governo sancionou este mês uma lei complementar que prorroga a execução dos recursos até 31 de dezembro de 2024.

Já pela Lei Aldir Blanc foram R$ 3 bilhões desembolsados este ano — englobando todos os estados.

— Conseguimos retomar todas as políticas culturais este ano. O que fica para 2024 é uma agenda legislativa intensa porque a gente precisa qualificar essas políticas — resume Tavares.

A atuação legislativa citada pelo secretário vai buscar ainda a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, a aprovação do Marco do Fomento Cultural e o encaminhamento de iniciativas mais específicas, como medidas que visam reduzir o preço dos livros, outro pedido de Lula.

Para Eduardo Barata, presidente da APTR (Associação dos Produtores de Teatro), o primeiro ano da gestão foi de reconstrução, depois da “destruição” dos anos Bolsonaro. Mas, ele aponta que ainda há muito a aprimorar.

— Em relação à Rouanet, ainda é preciso desburocratizar muito, o que ajudaria na democratização do acesso e descentralização. O governo pode utilizar o Fundo Nacional de Cultura como uma ferramenta de política pública, para que não fique tudo tão centrado no mecenato.

Sudeste e Sul concentram recursos
Secretário de Cultura no governo Bolsonaro e integrante da comissão da Câmara focada no setor, o deputado federal Mario Frias (PL-SP) critica os critérios para a destinação das verbas:

— Há, mais uma vez, a centralização para Sul e Sudeste. O Norte recebe muito pouco, por exemplo.

A centralização dos investimentos é uma das críticas à lei desde que ela foi implementada, em 1991. Na tentativa de contornar o problema, o ministério lançou em 2023 um edital específico para a Região Norte, com capital de R$ 26 milhões.

— São Paulo e Rio têm as maiores populações e um volume cultural proporcional, então vão continuar tendo participação grande. Nosso interesse não é diminuir os recursos para essas áreas, mas aumentar o bolo e distribuir melhor as verbas sem desabastecer os projetos importantes que já são fomentados — diz Tavares.

O ano termina com novidades no setor do audiovisual, com a aprovação, no Senado, na última terça-feira, da cota de tela para exibição de filmes brasileiros em cinemas. A medida terá validade até 2033, mas ainda aguarda a sanção do presidente Lula.

— O primeiro semestre foi de organização para o MinC, de arrumar a casa. Já o audiovisual vinha combalido de uma pandemia e uma gestão desastrosa, o que fortaleceu a união em torno desses objetivos comuns — observa Leonardo Edde, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual. — Conseguimos a liberação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que estavam contingenciados, via Lei Paulo Gustavo, e, agora, a aprovação das cotas. E com votações expressivas e apoio de parlamentares de todos os espectros políticos.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.