Saiba quem é Pedro Castillo, novo presidente do Peru

Pedro Castillo, 51, presidente eleito do Peru, era conhecido no país até a eleição por dois episódios. O primeiro foi a liderança de uma greve nacional de professores, em 2017, à frente do Conare (Comitê Nacional de Reorientação), principal sindicato de professores rurais do Peru.

O segundo foi a rápida escalada até a primeira posição no primeiro turno da eleição peruana, por meio de uma agenda esquerdista, simpática ao chavismo, e de propostas que visam a refundação do país, entre as quais a criação de uma nova Constituição e o desmonte de instituições, como a Defensoria do Povo, que ele considera um órgão corrupto. Pelo mesmo motivo, também defende uma reforma do Judiciário.

A vitória ocorre 19 anos após a estreia na política, em 2002, quando foi candidato a prefeito de Anguía, um pequeno povoado na região de Cajamarca. Perdeu –e, desde então, nunca mais havia se candidatado.

Castillo compartilha com Keiko Fujimori, a rival derrotada no pleito presidencial, uma visão conservadora. É contra o casamento gay, o aborto e o que chama de “ideologia de gênero”. Afirma que o Estado tem de acompanhar os peruanos “na economia, nas ruas, em casa e na escola”, como disse no último debate presidencial.

Também está alinhado com a filha do ex-autocrata peruano Alberto Fujimori quanto à rejeição à entrada no país de mais refugiados venezuelanos, que, para ele, “roubam empregos dos peruanos”.

Castillo nasceu em Tacabamba, na província de Chota, no norte do país. Na escola, à qual chegava depois de caminhar 2 km a uma altitude de mais de 2.000 metros, não era conhecido por se destacar nas disciplinas, diferentemente de quando ajudava o pai na colheita de batata e trigo.

Hoje, ainda vive em Chota, com a mulher e os dois filhos, e dá aulas de espanhol e de história para turmas do ensino médio e fundamental. Trabalha no mesmo colégio há 25 anos, e alguns de seus ex-alunos fazem parte de seu círculo oficial de segurança e coordenação política.

Com o pai, aprendeu a celebrar o general Juan Velasco Alvarado, um ditador de esquerda que governou o país entre 1968 e 1975. Populista, distribuía terras, e uma delas foi parar na família de Castillo. Alvarado, um herói para muitos esquerdistas na década de 1970, tinha também outro admirador: o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013).

Se, por um lado, é conservador em relação a direitos civis, o eleito defende a refundação do Estado e do modelo econômico do país. Quer uma nova Constituição e afirma que fechará o Congresso caso haja oposição à proposta. Diz também que a economia deve ser construída de “baixo para cima” e menciona, entre as áreas que podem ser estatizadas, a mineração –grande fonte de produtos de exportação do Peru.

Para mudar a Carta, no entanto, é necessário o apoio de dois terços do Parlamento unicameral, algo praticamente impossível em um xadrez político tão fragmentado quanto o do país. O partido de Castillo, o Perú Libre, terá 37 dos 130 assentos da Casa. A segunda maior força será justamente o Força Popular, de Keiko, com 24 cadeiras, seguido por Ação Popular (16) e Aliança para o Progresso (15), ambos de direita. Já os esquerdistas Somos Perú e o Podemos Perú terão cinco congressistas cada um.

Na campanha, Keiko tentou tachar Castillo como o “chavismo no Peru”, mas, apesar dos apoios de Nicolás Maduro –ditador da Venezuela e herdeiro de Chávez– e de Evo Morales –ex-presidente da Bolívia–, o eleito buscou evitar tanto as comparações quanto os acenos de ambos os esquerdistas.

Castillo e seu partido mantêm vínculos com o Movadef, braço político da guerrilha Sendero Luminoso, e muitos de seus membros militam ou militaram pela organização. Tanto o Sendero como o Movadef têm forte atuação no departamento de Cajamarca, onde o novo presidente nasceu.

Se um dos pontos fracos de Keiko são as acusações de corrupção, os de Castillo estão relacionados ao líder de sua legenda, Vladimir Cerrón, condenado por desvio de verbas e criticado pelo elo com o Sendero.

Castillo sempre negou vínculos com os senderistas e sustenta ter feito parte das “rondas campesinas”, grupos paramilitares que ajudaram o Exército peruano a derrotar o Sendero, num conflito que deixou mais de 70 mil mortos entre 1980 e 1993. Mesmo fora da lei, os “ronderos” foram tolerados por todos os governos até hoje porque atendem a necessidades de comunidades distantes do centro do Peru.

Em muitos locais do país, há a presença apenas das “rondas campesinas”, sem que a polícia ou assistentes sociais atuem nas áreas, numa demonstração de falência do Estado peruano. Em algumas regiões, são fortemente armados e confrontam as forças de segurança do Exército.

De discurso com grande apelo a regiões rurais, Castillo diz que os políticos da capital, Lima, não sabem como a vida se desenvolve no interior e recorre com frequência ao período em que, diz ele, recolhia lenha, cozinhava e não parava de trabalhar, salvo nos horários de ir ao colégio ou de dormir.

Essa retórica, porém, é combatida pelos próprios fujimoristas do interior, que ainda são muito numerosos.

Foi apenas com o passar do tempo que o fujimorismo virou um movimento relacionado às grandes cidades. No interior e nas áreas onde o Sendero atuava, Alberto Fujimori era muito admirado, justamente porque, em sua gestão, os senderistas foram derrotados. Na eleição de 1990, ele foi o único candidato a visitar os rincões do país aonde políticos de Lima não iam e, durante seu governo, houve subsídios à população do campo, algo que, hoje, Castillo –e não a filha do autocrata– promete fazer.

A vitória mudará a vida de Castillo, que nunca morou numa cidade grande e ainda vive num povoado, em Chugur, num sítio com uma casa simples de vários cômodos, em que a comida continua a ser feita no fogão a lenha.

Folhape

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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