STF vai julgar regra de conteúdo na internet

O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), entidade responsável pela governança da internet no País, publicou na quinta-feira, 28, uma carta em defesa do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que define as responsabilidades de conteúdos de terceiros na internet. O artigo deve ter a sua constitucionalidade julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2020, na discussão sobre dois casos envolvendo remoção de conteúdo na internet – um envolve o Orkut e é anterior ao Marco Civil; outro diz respeito ao Facebook e é posterior à promulgação da lei. Segundo especialistas, a anulação do artigo pode iniciar a uma onda de censura na internet do País.

O artigo 19 foi um dos principais pontos de discussão durante a criação da lei que rege a internet brasileira. Ele determina que empresas que atuam na internet, como provedores, redes sociais, veículos de imprensa, blogs, sites de comércio eletrônico, plataformas de streaming e outras empresas online, só sejam obrigados a remover conteúdos após uma decisão judicial. É esse mecanismo, por exemplo, que impede que políticos determinem a remoção imediata de posts no Facebook que consideram problemáticos para a sua imagem.

Parte do documento diz que o CGI “reconhece a importância do disposto no art. 19 do Marco Civil da Internet para a preservação da liberdade de expressão, para a vedação à censura e para a garantia do respeito aos direitos humanos”.

O temor entre diferentes setores da sociedade é de que a derrubada do artigo 19 provoque uma onda de censura na internet brasileira. Sem o dispositivo de proteção, as empresas adotariam uma postura mais cautelosa e removeriam qualquer tipo de material sob a ameaça de serem multadas.

“Corremos o risco de substituir uma regra amplamente debatida no Congresso por uma ausência de regras num cenário de menor discussão”, explica Francisco Brito Cruz, diretor do centro de pesquisa em direito e tecnologia InternetLab.

Na quarta, organizações acadêmicas e da sociedade civil especializadas em direito digital, como o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), já publicaram uma carta em defesa do o artigo.

Quando pedidos de remoção terminam na Justiça, sua taxa de sucesso é baixa, o que significa que os tribunais reconhecem a legitimidade da maioria dos conteúdos. O jornal O Estado de S. Paulo apurou que o número de remoções de uma das empresas envolvidas no caso é baixo – quase metade das decisões é pela manutenção do conteúdo.

Impacto de ‘fake news’
O debate sobre o artigo 19 ganhou uma nova camada graças à discussão sobre “fake news” que tomou Brasília neste ano.

Em setembro, o presidente e relator do caso do Facebook no STF, Dias Toffoli, disse em um seminário promovido pela Câmara dos Deputados: “O julgamento tem o objetivo de analisar se é obrigatória a ida à Justiça para que seja removido um conteúdo falso ou se as plataformas, a partir da denúncia do próprio ofendido ou de um usuário, que demonstre que ele é manifestamente inverídico, seja obrigada a retirá-lo sob pena de não o fazendo, depois, aí, sim, junto com a Justiça, arcar com as penas adequadas”.

“O tema ‘fake news’ está afetando bastante esse julgamento”, diz Carlos Affonso de Souza, diretor do ITS-Rio e um dos principais responsáveis pela criação do artigo 19 (leia entrevista ao lado).

Startups
Além do receio em relação à censura na internet brasileira, outros setores se preocupam com o impacto sobre pequenas empresas e startups. Como muitos modelos de negócios se escoram em conteúdo de terceiros, o temor é de isso iniba novas empresas. “Há o risco de muitas startups não prosperarem nesse cenário”, diz Ana Paula Varize Silveira, advogada da ABStartups.

Agência Estado

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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