O Banco Mundial alertou o governo brasileiro de que a suspensão das dívidas dos estados com instituições internacionais, medida prevista no projeto de socorro aos governadores na crise da Covid-19, pode levar o Brasil a perder acesso a fontes de assistência multilateral, como recursos do FMI (Fundo Monetário Internacional).
O Ministério da Economia defende que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vete um artigo da proposta que permite a renegociação de contratos de dívidas dos estados com organismos multilaterais, como Banco Mundial.
Os governadores querem preservar a versão do projeto aprovada pelo Congresso, pois a suspensão desses pagamentos internacionais representaria um alívio de R$ 10,73 bilhões neste ano ao caixa dos estados. Por isso, há um novo impasse sobre o plano de auxílio aos governos regionais.
Essa questão, portanto, pode virar um problema internacional para o país, pois, segundo o Banco Mundial, a situação do Brasil, em caso de suspensão dos pagamentos, poderá ser considerada calote.
Em carta, à qual a Folha teve acesso, a instituição internacional diz que o abandono das políticas financeiras e de gestão de risco de longo prazo teria um impacto severamente adverso sobre a capacidade de manter empréstimos. E lembrou que o Brasil é o segundo maior tomador de empréstimos do BIRD ( Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) no mundo.
Há um mês, durante as negociações do plano de socorro aos estados e municípios, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que conseguiu a garantia do governo de incorporar ao pacote a garantia de que estados e municípios possam suspender, durante a calamidade pública, o pagamento das dívidas com organismos internacionais.
Mas, agora que o plano de socorro de R$ 125 bilhões aguarda a sanção de Bolsonaro, a equipe econômica quer que um trecho seja vetado e continue vigorando a regra atual: se um estado deixar de pagar um banco multilateral, o Tesouro cobre as parcelas, mas, em compensação, retém uma parte dos repasses via FPE (fundo pelo qual o Tesouro transfere dinheiro para os estados).
O presidente do Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda), Rafael Fonteles, disse que, apesar da disputa, “para os bancos internacionais não há nenhuma alteração, pois eles continuam recebendo os pagamentos normalmente através da garantia da União”.
Os governadores resistem em perder repasse do FPE em troca de a União pagar dívidas com bancos internacionais. Mas para o ministro Paulo Guedes (Economia), o veto é necessário, pois não está prevista uma forma de compensar a União pelo custo de honrar as dívidas internacionais.
Caberá a Bolsonaro tomar uma decisão até a próxima quarta-feira (27), prazo final para sanção do pacote de auxílio aos estados.
Nesta sexta (22), o presidente afirmou que ainda não sancionou o projeto por causa de um artigo que congela concursos públicos. “Não sancionei o projeto, ontem [quinta-feira (21)], do auxílio dos governadores porque tem uma cláusula lá sobre congelamento de concurso”, disse Bolsonaro a um grupo de pessoas aprovadas no concurso da Polícia Rodoviária Federal em 2018, mas que não foram convocadas. “Se tivesse assinado, vocês iam ter complicação”, afirmou o presidente.
Pelo texto aprovado pelo Congresso, ficam suspensos os prazos de validade dos concursos públicos já homologados no dia 20 de março, data da publicação do decreto legislativo que reconhece situação calamidade pública por causa da Covid-19. A suspensão, de acordo com o texto, abrange concursos federais, estaduais, distritais e municipais.
Apesar de Bolsonaro não ter citado o impasse sobre a suspensão das dívidas dos estados com bancos internacionais, o clima no Ministério da Economia é de preocupação.
Alguns técnicos já consideram a batalha perdida. Isso porque governadores já se preparam para tentar, no Congresso, derrubar eventual veto ao artigo que trata dos contratos com organismos multilaterais.
E o alerta feito pelo Banco Mundial em carta enviada a autoridades brasileiras -um movimento pouco comum- deixou técnicos da equipe de Guedes ainda mais receosos sobre as consequências.
Esse não é a primeira disputa em torno do pacote de socorro aos governos regionais. A proposta começou em meio a um embate entre Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que articulou uma versão considerada pelo ministro uma bomba fiscal, pois poderia representar um custo fiscal acima de R$ 200 bilhões para o Tesouro.
Depois, o Congresso, com o apoio de Bolsonaro, blindou algumas categorias do congelamento de salário do funcionalismo público, defendido por Guedes como, praticamente, a única contrapartida para que governadores e prefeitos tenham acesso ao pacote de socorro.
Diante da repercussão negativa, o presidente recuou e anunciou que vetará esse trecho, ou seja, não criando brecha para que corporações, como policiais, Forças Armadas e professores, tenham reajuste salarial até o fim de 2021.
Folhape