Opinião: Cadê o sotaque?

Por Menelau Júnior

Nos últimos dez dias, os programas jornalísticos deram uma atenção especial ao Rio Grande do Sul por causa de um episódio envolvendo a torcida do Grêmio. Não deve ter sido difícil perceber a pronúncia diferente dos jornalistas de lá quando usam palavras com a letra “r” no fim de alguma sílaba. “Porta”, “corpos” e “marcas” são apenas algumas.

O “r” pronunciado à moda sulista recebe o nome de “retroflexo”. É bastante comum também no interior de São Paulo. Quando um morador dessas áreas é entrevistado, logo se percebe a pronúncia “enrolada” da letra “r”. Mas por que normalmente os jornalistas tendem a não apresentar essa marca regional de forma tão contundente?

A resposta é simples: porque a maioria das redes de televisão tenta, com a ajuda de fonoaudiólogos, extirpar qualquer marca de regionalismo dos repórteres. Para muitas dessas redes, o “r” retroflexo é visto como algo “caipira”, “matuto”. Mudar a pronúncia é, pois, uma exigência para estar no ar em rede nacional.

O resultado, muitas vezes, soa esquisito. É estranho para um gaúcho ouvir um conterrâneo que fala sem as marcas linguísticas da região. No Rio, as TVs retiram o “s” chiado; no Nordeste, evita-se a fala meio “cantada”.

A intenção, óbvio, é uniformizar a língua. Vã tentativa. O idioma muda invariavelmente. Querer que  repórteres falem da mesma forma de norte a sul é como querer que todos os brasileiros pensem do mesmo jeito e tenham os mesmos hábitos. Esses falares regionais, que são marcas identitárias do povo, só aparecem na TV de forma estereotipada, principalmente no caso dos nordestinos.

A língua muda conforme suas próprias necessidades. As variações, muito mais que marcas de desorganização, constituem a base de todas as línguas, conferindo-lhes riqueza e soberania. As tentativas de uniformizar os falares são, portanto, artificialidades que a nada levam e que em muito prejudicam a identidade do povo. Mais importante que retirar à força as marcas regionais dos jornalistas seria dar-lhes autonomia para dar às reportagens a “cara” de cada região. E isso está intimamente ligado à forma como falamos.

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa.