OPINIÃO: Os refugiados ambientais e as mudanças climáticas

Por MARCELO RODRIGUES

Assistimos nas últimas décadas uma preocupação de governos e da sociedade mundial que vem cada vez mais repercutindo planetariamente. E o assunto não é outro: o meio ambiente e o planeta Terra. A confirmação de que os recursos naturais são findáveis colocou o mundo atual frente ao dilema de manter a sua maneira de viver ou mudar esse estilo de vida sem sustentabilidade.

Nesse diapasão, o ambiente tornou-se tema de encontros governamentais e científicos, pois não há como negar que a degradação em ritmo cada vez mais acelerado é a grande causadora do aquecimento global, das mudanças climáticas e dos cataclismos ambientais, levando a uma verdadeira catástrofe ambiental, que poderá tornar impraticável a vida em determinados locais do planeta. Tal situação demonstra, e afirma, a vulnerabilidade humana diante da natureza e as consequências desproporcionais que podem advir para as populações, principalmente aquelas mais desprovidas de recursos econômicos e de subsistência, quando diante de catástrofes naturais produzidas pelo homem em seu afã desenfreado de lucro pelo lucro, sem nenhuma preocupação com o presente e futuro.

Há necessidades prementes de medidas para evitar esse desastre ambiental com horas contadas, o que torna o tema em posição de relevante destaque e prioridade dos estados e municípios, embora a grande maioria dos gestores no Nordeste pouco faz para mudar o reverso da moeda. Ademais, como não bastassem os problemas com secas, enchentes, inundações, enxurradas e poluições de todas as naturezas, urge uma nova consequência extremamente alarmante para a humanidade: o fenômeno da expulsão e dos deslocamentos involuntários de pessoas e de populações, gerando uma massa denominada de refugiados ambientais.

Os refugiados ambientais surgiram com a Conferência da ONU, em Estocolmo (1972), que produziu a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano e criou o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Pnuma), com o objetivo de monitorar o avanço dos problemas ambientais do mundo. No documento que aprovou a criação do Pnuma, foi introduzida a expressão “environmental refugees” (refugiados ambientais), que se caracterizou como “pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas)”.

São vários os fatores que são reconhecidos como causas da migração por força de questões ambientais, entre os quais podemos destacar a desertificação, a destruição das florestas, o desaparecimento de rios e lagos, as mudanças de nível do mar, a degradação terrestre, das águas e do ar e o aquecimento global, como decorrência de pressões ambientais originadas por causas exclusivamente naturais ou antropológicas. Neste último caso, derivadas da atividade propriamente humana, baseada no crescimento desmesurado, que origina um grande impacto ambiental; e também da situação de pobreza que atinge grande contingente das populações como consequência do aumento demográfico e da escassez dos recursos naturais.

O último relatório da ONU sobre o meio ambiente expôs a dimensão dos problemas causados pelas modificações bruscas no meio ambiente. Segundo o relatório “Alterações Climáticas e Cenários de Migrações Forçadas”, elaborado pelo Instituto para o Desenvolvimento Sustentável, para a Comissão Europeia e apresentado durante a Conferência de Poznan (Polônia – dezembro/2008), o total de pessoas que foram forçadas a se deslocar do seu habitat natural em decorrência de problemas ambientais já ultrapassa o número de 25 milhões, podendo chegar a 50 milhões até 2015.

Os dados são relevantes. Não há mais como negar a realidade – aumento crescente a cada ano dos refugiados ambientais -, o que torna imperiosa a discussão em torno das políticas referentes aos refugiados mundiais.

Vários encontros e conferências foram realizados; tratados e acordos internacionais foram promovidos e assinados. Na agenda global, a palavra de ordem é identificar e combater os elementos que geram efeitos negativos ao meio ambiente. Surge a ideia de desenvolvimento, com seus três pilares inseparáveis: proteção do ambiente, desenvolvimento econômico responsável e equilibrado e sustentabilidade.

Além dessas preocupações, acrescente ao debate da questão ambiental a vinculação das questões ambientais aos problemas sociais típicos dos países subdesenvolvidos – desigualdades e injustiças sociais. Os refugiados ambientais constituem um problema que necessita de medidas urgentes. O debate está aberto e as soluções são possíveis e reais. Basta que o homem e as sociedades internacionais demonstrem interesse e responsabilidade.

O auxílio a populações inteiras que sofrem os efeitos catastróficos dos problemas ambientais não pode ser encarado apenas como um problema local e regional, mas, principalmente, como uma questão de ordem mundial da manutenção e existência da humanidade em nosso único habitat, o planeta Terra.

marcelo rodrigues


Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog

OPINIÃO: Mobilidade urbana e o Plano Diretor (Parte II)

Por MARCELO RODRIGUES

A lei federal nº 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, tem como objetivos melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas e cargas nos municípios e integrar os diferentes modos de transporte, dando prioridade aos meios não motorizados e ao serviço público coletivo.

Não importa se os modais sejam BRT, VLT, bicicleta, a pé, automóvel, ônibus, hidroviário, metrô, etc. Na verdade, o que deve ser levado em consideração é que o transporte coletivo é fundamental na estrutura de funcionamento das cidades e essencial para a vida das pessoas e, como tal, se faz urgente e extremamente necessário organizá-lo de forma a oferecer o melhor atendimento à população, com conforto, segurança, pontualidade, acessibilidade humana e tarifária. Ele também deve ser organizado como uma rede única e/ou implantação de um sistema integrado, com oferta de viagens às necessidades do usuário.

Os planos diretores estabelecem – e devem estabelecer – diretrizes para uma nova regulamentação do sistema de transporte público, adequando-se ao novo marco regulatório brasileiro (o Estatuto da Cidade e a Lei das Concessões), com a revisão das redes de transporte e da política tarifária, com ênfase na inclusão social. O que se vislumbra nos municípios, na realidade, é a inexistência ou precariedade da oferta dos serviços e as altas tarifas do transporte coletivo, que culminaram com as manifestações da “primavera brasileira”, uma vez que a inclusão social e o sistema de transporte público andam de mãos juntas, pois os fatores mencionados restringem as oportunidades de trabalho dos mais pobres pela inacessibilidade ao transporte para procura e deslocamento de emprego, limitando e dificultando o acesso aos serviços de saúde, educação e lazer.

Os modos não motorizados que as pessoas se utilizam no sistema viário disponível, como passeios, calçadas, calçadões, passarelas, ciclovias, dentre outros, se deparam com condições inadequadas que restringem o uso e trazem consequências negativas. Como exemplo podemos citar o caso das calçadas desniveladas, que geram riscos de tropeços. Daí, constatam-se vários acidentes por quedas, quer sejam jovens ou idosos. Acrescente-se que os portadores de limitações físicas, em face da inadequação das vias, também tendem a ficar em casa. Na verdade, a qualificação dos deslocamentos a pé ainda não é uma prioridade nos municípios.

Em que pese a bicicleta, de acordo com a ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), as “magrelas” são responsáveis por 7,4% dos deslocamentos nas áreas urbanas – a frota nacional é de 50 milhões. O que se constata é que esse modal está muito aquém da sua real capacidade. Vários fatores são determinantes: a falta de políticas públicas para sua inclusão, a insegurança quanto ao atropelamento, o medo de assalto, a falta de bicicletários (estacionamentos) e a ausência de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas.

A promoção do acesso a serviços públicos, a oportunidades de trabalho e a outras atividades que assegurem a integração social para toda a população só contribuirá para a construção de uma cidade sustentável se for baseada nos modos coletivos e não motorizados de transporte.

A implantação de sistemas de transporte de ônibus de alta qualidade, conhecidos pela sigla em inglês BRT (Bus Rapid Transit), hoje tema polêmico em nossa cidade pelo valor do investimento, do endividamento do município e da ausência da participação da sociedade em conhecer o projeto, gera insegurança em vários setores conscientes da cidade, pois projetos dessa magnitude devem ser discutidos com a parte interessada diretamente: o povo. Até porque nesse caminho deve haver a incorporação de outros modais, como, por exemplo, a bicicleta nos sistemas de mobilidade urbana. Isso significa integração com instrumentos de gestão urbanística, subordinação aos princípios da sustentabilidade ambiental e ênfase na inclusão social. Tais iniciativas devem se alinhar a instrumentos de gestão econômica e de demanda por viagens, estimulando a livre escolha do cidadão pelos modos de transporte que evitem impactos socioeconômicos e ambientais.

Não é só admitir a aprovação na Câmara de Vereadores do empréstimo para o chefe do Executivo, ao seu bel prazer, fazer o que julga ser o melhor. A construção da política de mobilidade deve ser feita pelos cidadãos, a fim de associar a política de mobilidade e as metas de diminuição do consumo de energia, de emissões de poluentes locais e GEEs à promoção da melhoria da qualidade do ar e à redução de acidentes e de vítimas do trânsito.

A mobilidade urbana deve ser levada como política pública necessária à promoção da acessibilidade, bem como integrar as medidas de mobilidade, por intermédio de um planejamento urbano participativo, admitindo os meios não motorizados na matriz de deslocamento da população; priorizando o transporte coletivo sobre o individual no sistema viário; e considerando o deslocamento de pedestres como um modo de transporte, favorecendo sua circulação com a municipalização das calçadas, com mais segurança e conforto.

Por fim, resta lembrar que a implantação dos instrumentos de gestão democrática previstos no Estatuto da Cidade devem ser levados a cabo, pois não são os “iluminados” do Legislativo ou do Executivo municipal que vão resolver ou saber o interesse de quem usa e vai usar o transporte. Somente com a participação da sociedade civil é que vamos buscar saídas para a questão da mobilidade.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog

OPINIÃO: Mobilidade urbana e o Plano Diretor (Parte I)

Por MARCELO RODRIGUES

O assunto em si despertou – e desperta – a atenção das maiores metrópoles do mundo, das médias e pequenas cidades, por ser, dentre as questões urbanas, o que mais cresce em importância e gravidade, pois, além de consumir cada vez mais tempo, energia, espaço e dinheiro, vem comprometendo a saúde e a sadia qualidade de vida pelos enormes congestionamentos.

É sabido que a crise da mobilidade é resultado de uma política pelo favorecimento dos gestores em atender às indústrias de automóveis, dando preferência ao transporte individual, quando a própria Carta Magna de 1988 considera o transporte público como sendo um serviço público essencial e transfere aos municípios a responsabilidade de gerir os serviços de transporte e trânsito. Essa transferência perniciosa, na prática, retirou o governo federal de cena e ignorou que os problemas existentes não poderiam – e não podem – ser resolvidos localmente.

Os números por si só demonstram as consequências dramáticas para a mobilidade urbana: 55 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de transporte público, por ser caro e ineficiente; 30 mil mortes, 350 mil feridos, 120 mil deficientes físicos a cada ano, que comprometem 30% dos recursos do SUS, a um custo de R$ 5,3 bilhões anuais; e 90% do espaço viário é ocupado por automóveis e, pasme, para transportar 20% das pessoas. Só em São Paulo e no Rio de Janeiro, para servir como parâmetro, são gerados 123 mil toneladas de monóxido de carbono e 11 mil toneladas de hidrocarbonetos (dados retirados de várias ONGs, SUS e ONU).

Na verdade, nos deparamos com conflitos de circulação entre os vários modais (automóveis de toda a natureza, motos, bicicletas, etc.) pela disputa de espaço para o deslocamento e estacionamento, e daí surgem os alargamentos de ruas, viadutos e passarelas; o número cada vez mais elevado de acidentes de trânsito; a baixíssima qualidade dos sistemas de transporte coletivo que não se integram; o prejuízo insofismável de natureza ambiental pela emissão cada vez maior de poluentes, que resulta no aumento do número de atendimentos médicos por conta das internações motivadas por doenças respiratórias e alérgicas; o custo do modelo de mobilidade adotado e suas externalidades negativas.

Vale ainda mencionar sempre a lei, suas diretrizes e princípios fundamentais do Estatuto da Cidade, com destaque para a gestão democrática; a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização; a recuperação dos investimentos do poder público que tenham resultado em valorização de imóveis urbanos; e o direito a cidades sustentáveis, à moradia, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos.

Criar novos paradigmas para uma mobilidade sustentável é construir e contribuir para uma cidade equânime, onde os benefícios do desenvolvimento urbano sejam democraticamente distribuídos e o ônus minimizado. Também deve haver favorecimento aos transportes coletivos de qualidade, menos agressivos ao ambiente, diminuindo ao máximo os congestionamentos e melhorando o deslocamento dos cidadãos ao trabalho, estudo, serviços, lazer, etc.

Na realidade, a cidade deve ser discutida com os cidadãos, e daí definir e executar ações locais, com foco em um desenvolvimento de uma nova e indispensável cultura participativa entre os agentes sociais e institucionais.

Por fim, a mobilidade sustentável deve ser sempre um produto de políticas públicas que estabeleçam o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, reduzindo a segregação espacial e contribuindo para a inclusão com foco na preocupação da sustentabilidade ambiental.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog

OPINIÃO: O Plano Diretor e o saneamento ambiental

Por MARCELO RODRIGUES

O Plano Diretor de Caruaru foi elaborado e aprovado em 2004, contendo o que na época era considerado como diretrizes básicas para um crescimento harmônico da cidade, sendo um instrumento imprescindível da política de desenvolvimento e expansão urbana.

Caruaru está enquadrada em duas categorias de obrigatoriedade do Estatuto da Cidade para elaboração e utilização de Plano Diretor. São elas: cidade com mais de 20 mil habitantes e integrante de área de especial interesse turístico.

No caso em comento, o Plano Diretor aprovado deveria apontar diretrizes, instrumentos e programas que visassem a ampliação do acesso da população aos serviços de saneamento, reconhecendo a política municipal de saneamento como um dos componentes da política local de desenvolvimento urbano.

É sabido que a Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (nº 11.445/2007) criou avanços no sentido de ampliar o acesso aos serviços de saneamento básico, incluindo-se neste contexto os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo das águas pluviais urbanas e o manejo de resíduos sólidos.

Faz mister lembrar que a lei mencionada acima, que estabelece atribuição de planejar os serviços, é intransferível, mesmo em casos de concessão dos serviços. Entretanto, o município aprovou seu Plano Diretor antes da lei, sem, é lógico, o conhecimento do conteúdo da Lei Nacional de Saneamento Básico.

A situação não seria um problema se não significasse uma renúncia de Caruaru às suas responsabilidades na gestão dos serviços concedidos à empesa estadual – Compesa, que, diga-se de passagem, vem se locupletando do dinheiro dos caruaruenses, sem prestar serviço de tratamento dos esgotos, poluindo o rio Ipojuca, cometendo crimes ambientais de poluição de águas e mortandade das espécies que ainda existem ao longo dos 19 quilômetros que cortam nossa cidade, além de crime contra a economia popular.

A maioria desses comportamentos criminosos passa silente pelo Ministério Público local, que nada faz para apurar e denunciar. Porém, essa renúncia é muitas vezes imposta pela Compesa, que detém a concessão, e que continua em vigor, graças à herança maldita do Planasa (Plano Nacional de Saneamento), que, ainda por cima, protege os interesses das companhias estaduais em detrimento dos interesses dos municípios.

A verdade é que predomina no Brasil uma situação em que as companhias estaduais são majoritariamente responsáveis pela prestação dos serviços de água e esgotos. Dessa forma, o contrato entre Compesa e Caruaru deixa muito pouca margem de ação política, e é neste ponto que perdemos o controle sobre os aspectos fundamentais da política de saneamento, como a política tarifária e as decisões sobre os investimentos, questão chave no planejamento e na gestão urbana – presente e futura.

Nesse diapasão, e sem medo de errar, as gestões passadas ou presentes não conheciam e não conhecem a real situação dos sistemas e redes de água e esgotamento instalados em seus territórios, chegando a impedir que sejam construídos diagnósticos fundamentais para a orientação e o subsídio da política municipal de saneamento.

A lei obriga a existência de plano de saneamento básico elaborado pelo titular e da compatibilidade dos planos de investimentos e projetos, sendo estas as condições para a validade dos contratos de concessão ou de programa.

O plano municipal de saneamento deve ser construído de forma articulada e complementar às diretrizes da política municipal de saneamento. Este tem de figurar no Plano Diretor e, em razão de não ter sido contemplado à época como mencionando de início, deve em sua reformulação constar explicitamente, para que o desenvolvimento urbano e a ampliação ao acesso ao saneamento ambiental se concretize.

Por fim, é necessário que se diga que esses planos devem ser instrumentos orientadores do desenvolvimento urbano pautado de justiça social e preservação ambiental. Um modelo é Petrolina, que quebrou o paradigma pernicioso com a Compesa, empresa ineficiente e sem nenhum critério ambiental de sustentabilidade, ao universalizar os serviços para os seus munícipes, assumindo suas responsabilidades em conformidade com a lei, com compromisso com a sua reforma urbana, exemplo a ser seguido um dia por um gestor que tenha responsabilidade com o futuro de nossa cidade.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog

OPINIÃO: A importância da A3P

Por MARCELO RODRIGUES

Em 2010, o governo federal sancionou a Lei nº 12.305, instituindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos e estabelecendo as diretrizes para sua gestão integrada. Em Pernambuco, temos a Lei nº 14.236, de 2010, regulamentada pelo decreto nº 38.483, de 1º de agosto de 2012, instituindo a Política Estadual de Resíduos Sólidos, que dispõe sobre as diretrizes aplicáveis aos resíduos sólidos, bem como os seus princípios, objetivos, instrumentos, gestão e gerenciamento, responsabilidades e instrumentos econômicos. Portanto, a A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública) vem respaldada por ampla legislação.

Na verdade, a A3P se trata do programa Agenda Ambiental na Administração Pública, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2001, objetivando sensibilizar os gestores públicos para as questões ambientais, estimulando-os a incorporar princípios e critérios de gestão ambiental em suas atividades administrativas e operacionais. O grande desafio, porém, consiste em transpor o discurso meramente teórico e concretizar a boa intenção num compromisso sólido, já que a adoção de princípios sustentáveis na gestão pública exige mudanças de atitudes e de práticas, sendo necessárias a cooperação e união de esforços visando minimizar os impactos sociais e ambientais advindos das ações cotidianas atinentes à administração pública.

Tivemos a experiência no Recife em junho de 2011, quando a prefeitura aderiu à Agenda Ambiental na Administração Pública, seguindo uma tendência global no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e à responsabilidade da gestão pública, levando o município a ser o primeiro do Norte/Nordeste a participar do programa, adotando uma série de medidas que inseriu a capital no circuito de gestões que se preocupavam com a preservação e utilização inteligente e responsável dos recursos naturais.

Na verdade, só podemos cobrar atitude se formos credenciados com a prática ambientalmente correta no cotidiano e, sendo assim, a administração pública deve cobrar da sociedade se suas atividades administrativas e operacionais, com relação aos resíduos gerados e sua correta destinação, forem honestas na intenção da lei e do contributo que ela pode mensurar e dar o exemplo para os contribuintes, para redução de impactos socioambientais negativos.

Por tal motivo, é grande a responsabilidade de implementar programas, a exemplo do que preconiza a A3P, aplicando todos os preceitos com seriedade e compreendendo todas as etapas, não ficando em estado inerte ou sendo meramente de fachada eleitoreira, como é a maioria dos casos.

Necessário que se diga que o ministério apoia tecnicamente as instituições interessadas em implementar a A3P, auxiliando o processo de implantação da agenda por meio da assinatura do termo de adesão e o seu cadastro na rede Agenda Ambiental na Administração Pública. A rede é um canal de comunicação permanente, utilizada para troca de informações, experiências e intercâmbio técnico entre os participantes.

A A3P tem como finalidade inserir a gestão socioambiental sustentável às atividades administrativas e operacionais no campo governamental. Os cinco eixos da agenda são: coleta seletiva, educação ambiental, licitações sustentáveis, uso racional dos recursos e melhora da qualidade de vida do ambiente de trabalho.

Para compreensão da discussão, é necessário o conhecimento dos eixos temáticos que cercam a Agenda Ambiental na Administração Pública. São eles:

I. Gestão adequada dos resíduos: A gestão adequada dos resíduos passa pela adoção da política dos cinco Rs: Repensar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar e Recusar consumir bens que geram impactos socioambientais negativos.
II. Licitações sustentáveis: A administração pública deve promover a responsabilidade socioambiental nas suas contratações e aquisições de produtos e serviços sustentáveis não só para a conservação do meio ambiente, mas para uma melhor relação custo/benefício a médio ou longo prazo quando comparados aos que se valem do critério de menor preço.
III. Uso racional dos recursos: Usar racionalmente os recursos naturais e bens públicos implica em economia e redução do desperdício. Esse eixo engloba o uso eficiente da energia, água; o consumo racional de papel; copos plásticos e outros materiais de expediente.
IV. Qualidade de vida no ambiente de trabalho: A qualidade de vida no ambiente de trabalho visa facilitar e satisfazer as necessidades do trabalhador. Esse eixo busca desenvolver ações para o desenvolvimento pessoal e profissional.
V. Sensibilização e capacitação dos servidores: A sensibilização na busca de criar e consolidar a consciência cidadã da responsabilidade socioambiental nos servidores. O processo de capacitação contribui para o desenvolvimento de competências institucionais e individuais aos servidores.

Finalmente, é preciso que se diga que a A3P não é impositiva, sendo espontânea dentro do comprometimento do gestor com as mudanças de paradigmas e questões socioambientais, porque as ações positivas ou negativas nessa esfera afetam diretamente nossa relação com o ambiente, até porque tomamos emprestado o Planeta Terra e temos o dever de entregar aos nossos herdeiros melhor do que recebemos.

É nesse diapasão que a educação ambiental deve ser a mola propulsora das transformações, com novos valores éticos, como bem define Leonardo Boff. Ele afirma que a ética do cuidado não invalida as demais éticas, mas as obriga a servir à causa maior, que é a salvaguarda da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável.

A sobrevivência das organizações públicas ou privadas estará assentada – sem a menor dúvida – na nossa capacidade de atualizar o seu modelo de gestão, adequando-o ao contexto da sustentabilidade.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog

OPINIÃO: Energia limpa

Por MARCELO RODRIGUES

O uso desenfreado de combustíveis fósseis, energia nuclear e combustão do carvão mineral pela humanidade vem, ao longo do século, ocasionando consequências desastrosas para a saúde do planeta. A nossa existência depende e está nas mãos dos líderes políticos, com destaque para a opção correta de utilização das fontes de energia limpa existentes que efetivamente são eficientes e causam menos danos ao meio ambiente, somadas ao fato de serem de baixo custo, como é o caso do uso de energia renovável não poluente e da bioenergia. É um dos vetores de alavancagem mais importantes para o sucesso de uma nova era que se inicia, a era do desenvolvimento sustentável alicerçada em energia de baixo carbono.

O consumo mundial de energia é proveniente dos combustíveis fósseis, que chega a ser de 75%. Trata-se de um dos principais causadores do aquecimento global e do efeito estufa. É sabido que a era do petróleo irá acabar, não por falta de petróleo, mas pela preservação da civilização humana em um planeta sadio e pela nossa permanência no planeta Terra. Por razões de segurança energética, todos os países buscam fontes renováveis de energia, já que as reservas estimadas de petróleo duram 40 anos, de gás, 60 anos, e de carvão, 130 anos.

A energia solar produz diversas formas indiretas de energia renovável, como o vento, as quedas de água, a água corrente (hidroeletricidade) e a biomassa e as células fotovoltaicas ou energia solar, convertida em energia química e armazenada nas ligações químicas dos compostos orgânicos nas árvores e em outras plantas.

Segundo a AIE (Agência Internacional de Energia), 47% das novas fontes de eletricidade instaladas no mundo nos últimos dez anos foram baseadas em carvão. O montante de subsídios concedidos por diversos países à energia fóssil no ano de 2009 foi de cerca de US$ 312 bilhões, ante US$ 57 bilhões para fontes limpas, um completo contrassenso.

Nosso país já é considerado uma liderança no setor energético a caminho do desenvolvimento sustentável. É detentor de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com ações locais e globais em prol da expansão do uso de energias renováveis, por meio do etanol e do biodiesel, produzidos de forma ambiental e socialmente correta, qual seja, sem necessidade do desflorestamento, apenas com implantação de sistemas mais eficientes de gestão e desenvolvimento de tecnologias de ponta.

Temos como vantagens da utilização dessas energias o fato de serem fontes de energia inesgotável, sendo instrumentos capazes de moldar o futuro e conduzir o país ao papel de líder mundial em programas de energia renovável de baixo carbono.

As questões climáticas são visíveis e podem ser reversíveis, depende do processo de transição das economias para o baixo carbono, e este se dará de acordo com os interesses das nações em obter segurança energética, detectando as oportunidades de novos negócios via desenvolvimento de seus potenciais científicos e tecnológicos.

Acordos internacionais já vêm acontecendo, aliados a pesquisas entre nações sobre as fontes de energia alternativa livres de carbono, com o aproveitamento de ondas, marés, ventos, hidrogênio e geotérmica.

Apesar dos esforços para recuperação ecológica, principalmente na maior parte do mundo desenvolvido, o planeta, enquanto um todo, mantém-se em um rumo insustentável. Para satisfazer as nossas necessidades, estamos destruindo a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas.

Por fim, há a possibilidade efetiva de as gerações futuras usufruírem de uma melhor qualidade de vida, uma vez que são diversas as formas de se obter energia sem causar transtornos ao ambiente e auxiliar na solução de parte de um dos maiores desafios coletivos mundiais: o aquecimento global. Sem dúvida, fazer melhor uso de uma nova matriz energética com vários tipos de energias renováveis é um grande passo no caminho para o desenvolvimento sustentável.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as segundas-feiras para o blog

OPINIÃO: A logística reversa

Por MARCELO RODRIGUES

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que completou três anos, uma das exigências da lei é a logística reversa, ou seja, a logística reversa passará a vigorar em 2014 e deverá estar implantada em todo o país até o ano de 2015. Porém, já existem muitas indústrias utilizando a logística reversa em função da política de responsabilidade ambiental que possuem.

Em meio à escassez de matérias-primas, ao aviltamento das riquezas do planeta e aos impactos ambientais tão amplamente discutidos, a logística reversa possibilita o retorno de resíduos sólidos para as empresas de origem, evitando que eles possam poluir ou contaminar o meio ambiente (solo, subsolo, lençóis freáticos, rios, mares, florestas, etc.); permite economia nos processos produtivos das empresas, uma vez que estes resíduos entram novamente na cadeia produtiva, diminuindo o consumo de matérias-primas; e cria um sistema de responsabilidade compartilhada para o destino dos resíduos sólidos entre governos, empresas e consumidores, que serão os responsáveis pela coleta seletiva, separação, descarte e destino dos resíduos sólidos (principalmente recicláveis) e as indústrias passarão a usar tecnologias mais limpas.

A logística reversa tem como objetivos principais o recolhimento e reaproveitamento de produtos e materiais que tiveram o seu ciclo produtivo encerrado. Assim sendo, a logística reversa faz o processo inverso da logística tradicional, pois a tradicional tem como fundamento o fluxo da origem do produto para o seu ponto de consumo.

Em linhas gerais, a logística reversa diz respeito à devolução de mercadorias. Ou seja, quando elas retornam do cliente final ao distribuidor ou indústria. Na prática, a partir do momento em que qualquer empresa recebe um produto de volta, está praticando a logística reversa. Porém, ao não dar importância, perde, e muito, tanto financeiramente como em estrutura. É de suma importância que aconteça uma maior conscientização dos meios de produção e de toda população.

Para entender a função de cada setor no processo, faz-se necessária a seguinte cadeia de acontecimentos: os consumidores devolvem os produtos que não são mais usados em postos (locais) específicos; os comerciantes, por sua vez, instalam locais específicos para a coleta (devolução) desses produtos; as indústrias terão que retirar esses produtos, por intermédio de um sistema de logística, reciclá-los ou reutilizá-los e, finalmente, os governos terão que criar campanhas de educação e conscientização para os consumidores, além de fiscalizar a execução das etapas da logística reversa, sem esquecer de terem o cadastro de grandes e médios produtores de resíduos sólidos em suas cidades.

Para ilustrar, os produtos que farão parte do sistema de logística reversa são: pneus, pilhas e baterias; embalagens e resíduos de agrotóxicos; fluorescentes, de mercúrio e vapor de sódio; óleos lubrificantes automotivos; peças e equipamentos eletrônicos e de informática; e eletrodomésticos (geladeiras, fogões, etc.).

Entre as questões postas na lei está a importância do trabalho dos catadores e das cooperativas de separação, triagem e destinação dos resíduos. Entretanto, quem realmente ganha com esse trabalho são os intermediários e a indústria, porque conseguem de volta o insumo reciclável necessário para sua produção.

No entanto, os catadores devem receber proporcionalmente por sua importância no fluxo da logística reversa, devem ter condições mínimas de trabalho, especialmente no que se refere à segurança e saúde, e não viver de forma sub-humana.

A título de conhecimento e exemplo, em Estocolmo, os resíduos são destinados corretamente pelos moradores da cidade. O lixo é conduzido por dutos subterrâneos para os locais de separação e destinamento. Em Barcelona não é diferente. A tecnologia revolucionou a coleta, que também funciona por sucção subterrânea. O lixo chega a viajar quilômetros de distância para então ser separado. Ou seja, tem gente trabalhando com o lixo, mas de maneira decente.

No Brasil, a grande maioria das indústrias e o próprio comércio ainda não se atenderam a esse aspecto que pode se tornar um ponto de diferenciação no mercado, pois traria à empresa benefícios em diversos fatores: fidelização da clientela, imagem, valorização da reputação, autossustentabilidade, entre outros.

Os resíduos que geramos, porque consumimos enlouquecidamente, o destino e no que eles se transformam após o descarte não são um problema da prefeitura, da indústria ou do catador. É nosso.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as segundas-feiras para o blog

OPINIÃO: A polêmica sobre o aterro

Por MARCELO RODRIGUES

Há algum tempo vem se discutindo o saturamento do aterro sanitário e a ausência de tratamento do chorume, bem como suas consequências, mas foi somente a partir da vinda do TCE à cidade, estabelecendo exigências pontuais determinadas pelos conselheiros do órgão – mais precisamente fixando prazos para apresentação de projeto básico de ampliação do aterro; para exibição do parecer técnico sobre o tempo de vida útil; local para recebimento dos resíduos sólidos; cronograma de planejamento para a abertura do processo licitatório; e, finalmente, 60 dias para o cronograma de implantação das obras – que ficou visível para os caruaruenses o tratamento dado ao lixo pela gestão atual e as implicações daí advenientes para a saúde e o futuro de nossa urbe. Vale salientar que essas recomendações terminaram no mês em dezembro de 2012, sem que tenhamos a certeza que foram atendidas a contento.

Agora, a nova polêmica trazida à baila por vereadores é a transferência da Feira de Caruaru para um local próximo ao aterro sanitário. Pasmem, afinal, o que está em discussão não é a condução de nossa política de resíduos sólidos, enfretamento das mudanças climáticas, saúde dos contribuintes ou a perda de receita do ICMS Ecológico de nossa cidade ao longo dos anos, mas os interesses econômicos envolvidos, ficando a população à mercê da ineficiência e da falta de comprometimento do Legislativo e Executivo na tarefa de criar legislações pertinentes à matéria ora posta em discussão.

Sabe-se que a Lei Estadual nº 11.899/2000, e suas alterações com as leis estaduais 12.206/02 e 12.432/03, regulamentadas pelo decreto 25.574/2003, denominada de ICMS Ecológico ou “ICMS SocioAmbiental”, dá direito a receberem compensação os municípios que implementaram sistemas de tratamento de resíduos sólidos, assim como aqueles que mantêm unidades de conservação em seus limites territoriais. Cálculos feitos pela Fundaj e fornecidos pela Sefaz dão conta de que Caruaru recebeu, respectivamente, do aludido ICMS os seguintes repasses: no ano de 2008, R$ 7,6 milhões; em 2009, R$ 2,2 milhões; em 2010, R$ 2,1 milhões; e em 2011, R$ 1,4 milhão. Os dados foram arredondados para melhor compreensão e para informar o quanto perdemos por falta de investimentos e estabelecimento de uma cultura voltada para o desenvolvimento sustentável.

Antes de discutir a questão do aterro sanitário há a necessidade urgente de repensar a questão do lixo em Caruaru. O primeiro passo é atingir reduções na quantidade de resíduos gerados. Economizar os recursos da natureza por meio da minimização, da reciclagem e de um trabalho transdisciplinar de transformação e conscientização da sociedade por intermédio da educação ambiental nos 365 dias do ano. Esses são meios de atingir um manejo eficiente dos resíduos, refletindo sobre essa necessidade de transformação da sociedade de consumo em uma sociedade consciente e sustentável, onde a população cobre da gestão municipal a aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei Federal nº 12.305/2010.

O município caruaruense deverá implantar o sistema de coleta seletiva e de reciclagem, além de atribuir responsabilidades reais ao gerador, sobretudo industrial e aos comerciantes, que deverão implantar sistemas de logística reversa. Dessa forma, cada um se responsabiliza por seu resíduo, envolvendo diretamente uma maior conscientização da população que também cobrará mais rigor das autoridades responsáveis, garantindo uma vida útil mais longa ao aterro, com a diminuição dos depósitos de resíduos e lixo hoje lançados de forma indiscriminada nas ruas, nos terrenos baldios e no rio Ipojuca.

Nada efetivamente mudou desde que foi criada a Política Nacional de Resíduos Sólidos em Caruaru. Não há legislação pertinente, ou seja, o Legislativo e Executivo nada produziram para se adequar à nova realidade. O Ministério Público, por sua vez, nada faz em sua tarefa de fiscalizar em prol da sociedade, apenas atuando em seus termos de ajustamento de conduta pouco producentes; já a sociedade desconhece sua força e, por isso, Caruaru vem sofrendo com a geração de resíduos de toda espécie, seja no aspecto da saúde e/ou ambiental ou pela omissão das autoridades que deveriam resolver esse mal que vem sendo combatido em sociedades que pensam o presente e o futuro das pessoas.

Em tempo: peço desculpas aos caros leitores. Devido a problemas técnicos no blog, não publiquei minha coluna na semana passada.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as segundas-feiras para o blog

OPINIÃO: Os vários tipos de poluição (V)

Por MARCELO RODRIGUES

A contaminação do solo é um dos principais problemas ambientais da atualidade. Durante séculos, o homem pouco se preocupou com o descarte de lixo e de resíduos sólidos, até porque antes não havia, por exemplo, colheres, facas, fraldas, sacos, computadores, celulares e suas baterias, entre outros. Mas a pergunta é: para onde vão esses materiais?

A poluição do solo provoca vários problemas ambientais, atingindo também mananciais, rios, mares e lençóis freáticos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) é um marco para buscar o atraso de nossos governos no combate a esse tipo de poluição.

Para tratar desse tema de forma mais coerente, é preciso diferenciar lixo de resíduos sólidos – restos de alimentos, embalagens descartadas e objetos inservíveis, quando misturados de fato, tornam-se lixo e seu destino passa a ser, na melhor das hipóteses, o aterro sanitário. Porém, quando separados em materiais secos e úmidos, passamos a ter resíduos reaproveitáveis ou recicláveis. O que não tem mais como ser aproveitado na cadeia do reuso ou reciclagem denomina-se rejeito. Não cabe mais, portanto, a denominação de lixo para aquilo que sobra no processo de produção ou de consumo. Marcar essas diferenças é de suma importância.

Vale lembrar que as cidades, especialmente as grandes, enfrentam a crescente falta de espaços para a construção de aterros. Nos municípios pequenos e médios, esses espaços podem servir para outras finalidades mais importantes, como agricultura, turismo e lazer. A essas dificuldades e desvantagens de destinação para aterros sanitários, acrescente os altos custos para instalação e o gerenciamento.

Outra face da questão é o gravíssimo quadro social que envolve a presença de crianças, adolescentes e adultos vivendo nos inúmeros lixões e, muitas vezes, em aterros sanitários. Essas pessoas coletam alimentos e materiais recicláveis para extrair sua sobrevivência. São pelo menos 35 mil crianças em lixões e uma estimativa de 200 mil a 800 mil catadores trabalhando em depósitos a céu aberto e nas ruas do país.

Os números são frios, mas por trás deles estão os impactos ambientais praticamente invisíveis aos olhos do cidadão: contaminação de lençóis freáticos e do solo pelo chorume e do ar pelos gases emitidos pela destinação inadequada (lixões) dos resíduos gerados por 3.672 municípios (66% do total). A deposição de resíduos a céu aberto é considerada ilegal pela Lei de Crimes Ambientais. Mesmo assim, 59,5% eram destinados dessa forma, ou seja, 146,8 mil toneladas por dia no período da pesquisa. Para aterros controlados, seguiam 19,9% dos resíduos coletados e apenas 14,9% iam para os aterros sanitários (dados da ONU).

Chama atenção o fato de terem sido destinados, nos últimos 14 anos, R$ 154 milhões para programas de gerenciamento de resíduos sólidos nas cidades brasileiras. A cultura de jogar o lixo longe dos olhos da população e junto a mananciais hídricos e/ou em solos férteis tem-se revelado mais forte do que a consciência dos gestores municipais quanto aos danos causados pela destinação inadequada.

Os seres humanos podem ter que pagar caro no futuro por causa da poluição do solo pela omissão criminosa de gestores que teimam em não cumprir a legislação pertinente e pela ausência de fiscalização dos poderes constituídos. Os problemas que afetam a geração de alimentos e a qualidade produtiva são conhecidos e passam também pelo cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A política nacional de manejo de resíduos sólidos urbanos será tanto mais bem-sucedida enquanto tiver como alvos: reduzir a quantidade e a nocividade dos resíduos sólidos; eliminar os prejuízos à saúde pública e ao meio ambiente por eles causados; formar uma consciência comunitária sobre a importância da opção pelo consumo de produtos e serviços que não afrontem o meio ambiente e/ou que sejam recicláveis mediante um manejo adequado; e gerar benefícios sociais e econômicos tanto aos municípios que se dispuserem a licenciar instalações para a destinação correta dos resíduos, quanto a centenas de milhares de catadores e empresas de reciclagem.

Em tempo: este colunista pede sinceras desculpas por não ter publicado o artigo na segunda-feira (4). Todos nós estamos sujeitos a contratempos.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as segundas-feiras para o blog

OPINIÃO: Os vários tipos de poluição (IV)

Por MARCELO RODRIGUES

Dentre as diversas formas de degradação ambiental, a poluição atmosférica vem acompanhando a humanidade há muito tempo. Ela nunca se fez sentir como agora devido ao aquecimento global e é uma das que mais prejuízos trazem à civilização, afetando a saúde humana, os ecossistemas e o patrimônio histórico, cultural e ambiental. Diante disso, a comunidade internacional voltou seus olhos para a questão das alterações climáticas, posto que elas colocam em risco a diversidade biológica, influenciam diretamente a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas, colocando em xeque a segurança planetária.

A qualidade do ar atmosférico possui grande relevância no tocante aos direitos à vida e à existência digna, garantidos constitucionalmente. Além da mera existência, está incluído o direito de viver com qualidade, respirar o ar não poluído, consumir água limpa, ter acesso à proteção da saúde e, havendo a degradação da qualidade do ar atmosférico, ela deverá ser combatida de acordo com a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), o Conama e a legislação municipal, se houver.

Além dos efeitos nocivos diretamente verificados na saúde humana, a poluição atmosférica é responsável pela intensificação e provocação de certos fenômenos, como a destruição da camada de ozônio, o efeito estufa, a chuva ácida, a inversão térmica, o smog (concentração de massa de poluentes) e o aquecimento global. Tais fenômenos possuem relações tanto diretas quanto indiretas com as mudanças climáticas, provocando devastação ambiental e problemas de saúde que, cada vez mais, se alastram geograficamente pelo mundo todo.

Pesquisadores do clima mundial afirmam que o aquecimento global está ocorrendo em razão do aumento da emissão de gases poluentes, principalmente derivados da queima de combustíveis fósseis (gasolina, diesel…) na atmosfera. Esses gases (ozônio, dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e monóxido de carbono) formam uma camada de poluentes, de difícil dispersão, causando o famoso efeito estufa. Esse fenômeno ocorre porque os gases absorvem grande parte da radiação infravermelha emitida pela Terra, dificultando a dispersão do calor.

O desmatamento e a queimada de florestas também colaboram para este processo. Os raios do Sol atingem o solo e irradiam calor na atmosfera. Como essa camada de poluentes dificulta a dispersão do calor, o resultado é o aumento da temperatura global. Embora esse fenômeno ocorra de forma mais evidente nas grandes cidades, já se verificam suas consequências em nível global.

Os efeitos negativos desse fenômeno, que é uma das fases da poluição do ar, podem causar problemas respiratórios, ou seja, sintomas que afetam vários órgãos, como o nariz e a garganta, potencializando o aparecimento e o aumento de casos de asma e sinusite, além de doenças nos olhos (conjuntivite) e no coração.

Em maio deste ano, a Noaa (Agência Nacional Oceânica e Atmosférica, em inglês) divulgou relatório mostrando que o planeta atingiu a maior concentração de dióxido de carbono da história. Segundo dados do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de setembro, o clima brasileiro poderá sofrer os efeitos do aquecimento global até o final deste século. As regiões Sul e Sudeste poderão ter um aumento de até 2,5% na temperatura média. Já as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste poderão ter as temperaturas médias aumentadas em 4%.

Com a Eco-92, que estabeleceu a redução para os países desenvolvidos de suas emissões, e a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto em 2005, que surgiu com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, metas e cronogramas foram definidas na direção da diminuição dos gases causadores do efeito estufa para tentar frear os efeitos desse cenário catastrófico que a humanidade está exposta, bem como nosso único habitat, que é o planeta Terra.

Por conseguinte, existem diversas medidas mitigadoras que o poder público pode e deve buscar para amenizar os efeitos da poluição do ar, a fim de combater a diminuição ao máximo da poluição em tela, evitando que doenças respiratórias atinjam a população. Entre as medidas destacam-se a arborização; a criação de corredores de ventilação e de leis que regulamentem a emissão de poluentes de uma maneira geral; a fiscalização e monitoramento de indústrias e empresas que usem madeira ou que lancem partículas sem filtros; a educação ambiental; a redução do consumo excessivo de combustíveis fósseis, com a facilitação e o incentivo às frotas de ônibus 100% etanol ou biodiesel; ciclovias e ciclofaixas.

Por fim, vale ressaltar que a possibilidade de um futuro melhor depende das escolhas que hoje são feitas. Dessa forma, é crucial a internalização da responsabilidade que cada ser humano tem com o futuro do planeta. Assim, a sociedade, por meio de suas escolhas, e o poder público, por meio de sua gestão, devem se comprometer com o desenvolvimento sustentável, fundamentado nas ferramentas de ampla informação e participação. Afinal, quem não sabe do problema não faz parte da solução.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as segundas-feiras para o blog