A afirmação é do economista e professor Maurício Assuero, que analisou em entrevista ao Blog do Wagner Gil, os efeitos da aprovação do projeto de lei 4330/2004, que regulamenta contratos de terceirização no mercado de trabalho. Aprovado na última semana, na Câmara dos Deputados, em Brasília, o projeto será encaminhado diretamente para votação no Senado.
Pedro Augusto
Blog do Wagner Gil — Que consequências essa lei poderá proporcionar para o mercado de trabalho. Ela é mesmo necessária?
Maurício Assuero — Existe uma súmula do Sistema Tribunal Federal que trata da terceirização, quando se destina a atividade-meio. Isso tem sido aplicado largamente em todas as atividades. Cito o caso dos serviços contábeis e dos serviços de informática. As empresas perceberam que não era preciso manter uma estrutura contábil, com todos os encargos que a lei impõe, se existe a alternativa de terceirização. O que muda com o PL 4330, recentemente aprovado na Câmara Federal, é que esta terceirização pode ser estendida a atividade-fim. Mas, isso não é novidade, porque em alguns setores já se faz. Por exemplo, médicos em geral, não possuem vínculos empregatícios com hospitais, no entanto, eles utilizam a estrutura dos hospitais para fazer cirurgias e recebem uma remuneração por isso. A questão agora é que isso vai ser estendido a qualquer setor econômico, inclusive ao público, e obviamente trará algum nível de preocupação para os trabalhadores por alguns motivos dentre os quais um funcionário terceirizado passará a não ter o mesmo comprometimento que o outro com vínculo empregatício. Em paralelo, para as empresas haverá benefício na redução de encargos sociais, mas o mesmo não se poderá pensar em relação ao empregado. Vamos considerar o caso dos bancários. O sindicato dos bancários é extremamente atuante no sentido de defender interesses da classe e, por isso, eles desfrutam de um salário melhor em relação à maioria das categorias (incluindo alguns benefícios também). Com a lei, os bancos poderão demitir os funcionários e contratá-los como terceirizados. Haverá ganhos para eles? Em absoluto, porque há muito ex-bancário no mercado que aceitaria voltar ao posto com um salário menor. Entendo que a preocupação dos sindicatos dos trabalhadores é real.
BWG — Caso essa norma entre em vigor, o senhor acredita que o desemprego irá diminuir ou aumentar no país?
MA — Acredito que essa transição proporcionada pela nova lei será bastante traumática. Certamente, as empresas poderão fazer uso da prerrogativa de terceirizar no sentido de reduzir encargos e isso pode gerar num primeiro momento, a elevação do desemprego (já estamos com uma taxa de 7,24% e só com as medidas, os impostos tende a aumentar). É preciso saber como será a organização dos trabalhadores demitidos. Uma experiência que conheço foi a criação de uma cooperativa de funcionários. Vamos a ela: um banco teve a liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central e demitiu todos os funcionários. Para que o processo de liquidação não fosse paralisado, alguns funcionários se organizaram numa cooperativa e esta foi contratada para prestar serviços ao banco em liquidação. Houve casos de cargos de confiança (analistas, assessores de diretorias, etc) passarem a realizar tarefas burocráticas como fazer lançamentos contábeis. Particularmente, acredito que é melhor o empregado se transformar num empreendedor do que ser contratado por uma empresa que faz alocação de mão-de-obra. Assim, o comportamento do desemprego vai depender muito da reação dos trabalhadores, no entanto, a empregabilidade pode não ser afetada intensamente sob risco de um caso econômico e social.
BWG — O consumo também tende a diminuir com o cumprimento da lei?
MA — Na essência, o consumo depende da renda do trabalhador quer seja ele terceirizado ou não. Se a lei atingir a empregabilidade, então, teremos problemas sim. Vamos entender empregabilidade como aquela situação na qual o trabalhador abriu mão da carteira assinada e está lutando para se tornar um empreendedor. Neste contexto, provavelmente ele irá ter melhores resultados. Agora, se o trabalhador não tiver essa tendência, aí sim, teremos sérios problemas, porque é importante lembrar que as regras para o seguro-desemprego são outras.
BWG — Qual a responsabilidade do Governo Federal por essa derrota na Câmara?
MA — Observe que o movimento mais contundente contra o PL partiu da CUT que é o berço do PT. Nitidamente, a presidente Dilma tem dificuldades de relacionamento com o Congresso e dos principais ministros que podiam melhorar esta relação (Pepe Vargas e Mercadante) não corresponderam por pura inabilidade política. Cabe lembrar, que este projeto foi formatado em 2004, ou seja, o governo teve tempo suficiente para discutir, para envolver a sociedade, fazer uma chamada pública, de modo que se produzisse um instrumento mais eficiente. Agora, aproveitando-se da fragilidade da relação do governo com o Congresso, aprova-se a proposta. Então, o governo realmente tem uma enorme parcela de culpa.
BWG — Em relação aos países que facilitaram as terceirizações, que resultados eles têm obtido?
MA — Essa ideia de terceirização teve início na 2a Guerra Mundial, nos Estados Unidos. Na época havia-se a necessidade de trabalhadores para a indústria bélica. Agora, independentemente do lugar, o que pesa na questão da terceirização é a regulamentação trabalhista. Em casos como o do Brasil, onde há rigidez, é mais complicado. Aqui a terceirização só teve um impulso maior nas duas últimas décadas do século passado quando passou a se falar em reengenharia. Cabe lembrar também que a terceirização alcança o setor público. Como a gente sabe, ela existe na atividade-meio, mas não está claro o que isto significa para a atividade-fim.Por outro lado, no caso do serviços público, é muito fácil mostrar que um trabalhador terceirizado custa mais caro do que um concursado (ao longo do exercício do trabalho), mas quando ele passa para a inatividade a questão se inverte.
BWG — Em sua opinião, qual o perfil ideal do trabalhador terceirizado?
MA — Atualmente nós temos de tudo no país. Desde o trabalhador que realiza serviços gerais ao analista de sistemas que tem seus próprios clientes. A oferta é muito ampla e envolve pessoas com educação básica a pessoas com nível superior, especialização, etc. É preciso estar atento aos casos nos quais o empregado tem um nível de qualificação diferenciado. Neste caso é melhor partir para o empreendedorismo, porém muitos se ressentem da falta da “carteira assinada” e optam por vínculos empregatícios. Acredito, que nossos jovens que estão se formando devem pensar mais no seu potencial como empreendedor, porque estes espaços não estão totalmente preenchidos. Há muita carência de mão-de-obra especializada principalmente na área de tecnologia. Quem detém conhecimento numa determinada área pode ser muito útil e ter melhores resultados, se tiver liberdade de atuação. Agora, é preciso um grau de ética muito alto para evitar levar “segredos industriais”, por exemplo, de uma empresa para outra.