Coluna: Se vier noite traiçoeira…

Por Menelau Júnior

Existem certos hinos religiosos que ficam na cabeça na primeira execução. Como se fossem uma boa música pop, essas melodias “grudam” rápido, e a gente acaba saindo da igreja assoviando os acordes.

Impossível resistir aos versos “E ainda se vier noites traiçoeiras,/ Se a cruz pesada for, Cristo estará contigo/ O mundo pode até fazer você chorar,/ Mas Deus te quer sorrindo”. Imagino que aqueles que frequentam igreja conhecem bem a canção, já gravada até pelo padre Marcelo Rossi. Ótimo, a mensagem é bela, a melodia é inspiradora, mas o pessoal dos corais deveria ter mais cuidado na concordância verbal: o trecho “Se vier noites traiçoeiras” apresenta problema.

O engraçado é que a letra original não traz o termo “noite” no plural. Em sua origem, a canção diz “E ainda se vier noite traiçoeira”. Tudo bem assim: “noite traiçoeira” funciona como sujeito e por isso o verbo fica no singular. Ao usarem “noites traiçoeiras” junto à forma “vier”, os desavisados cometem deslize na concordância verbal. É como se estivessem cantando: “E ainda se noites traiçoeiras vier…”.

Portanto, líderes de corais, meu conselho: cantem muito essa música (é linda!), mas respeitem a concordância! Basta cantar: “E ainda se vier noite traiçoeira,/ Se a cruz pesada for…”. Tudo bem que Deus não esteja nem aí para regras gramaticais, mas não custa nada dar o bom exemplo àqueles que usam a língua portuguesa, certo?

Meus críticos ferrenhos vão dizer: “Herege! Fica olhando essas coisas até na hora de rezar!” Não é bem assim. Mas observar letras é hábito de quem gosta de ler. Perceber deslizes é quase inevitável. Deus há de perdoar a mim, que observo, e a quem canta errado, pois o faz sem maldade. Que Ele tenha piedade de nós… e da língua portuguesa.

Menelau Júnior é professor de português