Raquel Lyra escreve artigo sobre Tancredo Neves

Terça, dia 21 de abril completamos 30 anos de morte de Tancredo Neves. Homem de uma trajetória política repleta de significados, mas aqui quero destacar o homem que se tornou o ícone da redemocratização do Brasil. Conciliação era a palavra que melhor caracterizava Tancredo Neves.

Na candidatura de Juscelino Kubistchek à presidência foi um conselheiro. Quando João Goulart aceitou o parlamentarismo, Tancredo já era visto como um possível primeiro-ministro. Desde o governo Getúlio Vargas, quando foi Ministro da Justiça, já era conhecido como um homem dos bastidores. Combateu a ditadura de forma particular, abrindo diálogo com os militares. Tancredo era a possibilidade de uma transição pacífica da ditadura para a democracia.

Pernambuco foi cenário de muitos momentos importantes da vida política de Tancredo. A sua participação na Campanha pelas Eleições Diretas, teve aqui em Recife, um evento marcante, o comício na praia de Boa Viagem em 1984, e momentos de articulações políticas para a escolha do seu vice. Ele dizia: “Chegou a hora de libertarmos esta pátria desta confusão que se instalou no país há 20 anos”.

Em 1985, momento de retomada da democratização, após o Movimento das “Diretas Já”, meu tio Fernando Lyra, foi o articulador da candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Apesar da candidatura não ter ocorrido, em virtude, de derrota da emenda que restabeleceria o voto direto para o Executivo federal, foi essa posição de conciliação, que o fez, colocar-se como opção dos militares para viabilizar sua candidatura no Colégio Eleitoral.

A chapa Tancredo-Sarney levou às ruas comícios tão grandes como o da campanha das “Diretas Já”. Tancredo era conhecido como o candidato da conciliação e em janeiro de 1985, com 480 votos, contra 180 e 26 abstenções, o mineiro Tancredo Neves foi eleito Presidente da República pelo Colégio Eleitoral. Apesar da eleição indireta, Tancredo representava a esperança do povo.

Suas palavras confirmavam o desejo pela mudança: “Restaurar a democracia é restaurar a República. É edificar a Nova República, missão que estou recebendo do povo e se transformará em realidade pela força não apenas de um político, mas de todos os cidadãos brasileiros!”.

Em entrevista concedida em 2012, meu tio, Fernando Lyra destacou o papel de Tancredo Neves dizendo: “Tive a felicidade de conviver com grandes políticos de várias gerações. (…) Mais do que ninguém, ele soube fazer a hora na história do Brasil. Personificou a transição democrática, mas o destino não quis que fosse o seu executor”.

Após 21 anos de ditadura militar, Tancredo Neves seria o primeiro presidente civil. Mas um tumor no intestino, várias cirurgias e um longo internamento afastaram o ícone da redemocratização. A euforia da vitória abriu espaço para a incerteza, o medo de Tancredo não tomar posse, era o medo do sonho da mudança não se concretizar. E no dia 21 de abril de 1985, sem tomar posse, Tancredo faleceu.

O seu exemplo de luta fica para nós como referência de como fazer política, sem retaliações e com espírito conciliador. A homenagem que faço hoje é para ressaltar o desejo que esse homem público tinha em mudar a realidade do nosso país.

Tancredo Neves soube articular, ouvir, agir, esperar e conquistar. Que seu legado de perseverança não tenha sido em vão. A democracia sonhada por Tancredo Neves continua a ser construída no Brasil por milhares de brasileiros todos os dias, apesar dos momentos difíceis que vivemos.

Que os compromissos e alianças políticas tenham sempre em vista o fortalecimento da democracia e o bem estar do nosso povo, tão almejado por Tancredo.

Trinta anos sem Tancredo Neves

Do Blog do Noblat

Em fevereiro de 1985, Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil do último general-presidente da ditadura de 64, avisou ao presidente eleito Tancredo Neves que Délio Jardim de Matos, ministro da Aeronáutica, estava furioso. Dizia que Tancredo se comprometera a não escolher para sucedê-lo seus desafetos Moreira Lima e Dioclecio Lima. Mas que estava prestes a fazê-lo. Corria contra isso um manifesto de brigadeiros. Tancredo telefonou para Aureliano Chaves, que apoiara sua eleição: “Você tem cinco minutos para dizer quem será o ministro da Aeronáutica: Moreira ou Dioclecio”. Aureliano preferiu Moreira. Tancredo telefonou para seu Secretário de Imprensa e orientou-o a anunciar o nome de Moreira. Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo, que a tudo assistiu, comentou: “Mas, o senhor fez o contrário do que o Leitão disse”. Tancredo: “Se existir um manifesto, quem assinou ainda terá tempo de retirar a assinatura. E quem não assinou não assinará mais”. Tancredo pediu a Dornelles: “Procure o Leitão. Diga que foi Aureliano quem indicou Moreira. E que a essa altura eu não pude fazer mais nada”. Não houve manifesto.

2

Ao saber que Alfredo Karan, ministro da Marinha, conspirava contra sua candidatura a presidente, Tancredo convidou-o para continuar no cargo. Karan aceitou radiante. Às vésperas de tomar posse, Tancredo explicou-se a um amigo: “Karan tentou me dar um golpe e eu dei um golpe nele. Não será ministro”.

3

Um dia, Tancredo recebeu um recado do deputado Gustavo Farias (PMDB-RJ): “Paulo Maluf me oferece 100 mil dólares para eu votar nele. E o senhor?” Tancredo: “Só prometo que não mandarei atrás de você nem a Polícia Federal nem a Receita”. Ganhou o voto de Gustavo.

4

Houve momentos difíceis na campanha de Tancredo para presidente. Num deles, reunido com auxiliares, as reclamações foram muitas. Um disse: “O senhor abandonou Minas.” Outro: “O comitê do Maluf tem mais computadores do que o nosso”. Um terceiro: “Maluf fala olhando para a câmera de televisão e o senhor não”. Tancredo perdeu a paciência: “Se Maluf é tão melhor por que vocês não vão apoiá-lo?” Ninguém foi.

5

Eleito governador de Minas em 1982, Tancredo ouviu do seu Secretário de Planejamento, Ronaldo Costa Couto: “Para pôr ordem nas contas teremos de demitir 10 mil funcionários”. Tancredo: “Posso contratar mil?” Surpreso, Ronaldo respondeu que sim. No dia seguinte, a manchete do principal jornal de Minas foi a notícia da contratação. A fonte dela: Tancredo. Que se justificou: “Mineiro só gosta de admissão”. O jornal não noticiou as demissões.

6

Governador, Tancredo telefonou para Dornelles. Quando a secretária de Dornelles passou a ligação, Tancredo já estava na linha. Dornelles: “Mas o senhor está aí? Pensei que fosse a secretária”. Tancredo: “Só cheguei a governador porque sempre entrei na linha na frente dos outros”.

7

A um amigo que o viu esperar mais de uma hora para ser atendido por um burocrata do Ministério da Fazenda, Tancredo, ainda deputado federal, ensinou: “Ele me humilha, mas libera minhas verbas. Ministro não manda em ministério. Quem manda é o segundo escalão”.

8

Crisanto Muniz, deputado do PSD, queixou-se a Tancredo: “Somos amigos, mas você dá mais atenção ao Ernane Maia” (deputado do PTB). Tancredo: “Faço isso por um só motivo: ele é doido. E doido tem que ser tratado com muito carinho”.