Nem todo pedestre é motorista, mas todo motorista é pedestre. Na contramão dessa máxima, a maior parte das cidades brasileiras retrata um cenário de descaso e negligência aos que se deslocam a pé, que, quase sempre, se desafiam a competir por espaço em meio a um trânsito caótico. Considerado um dos grupos mais vulneráveis no tópico mobilidade urbana, eles protagonizam o dia 8 de agosto, quando é comemorado o Dia do Pedestre. A data, contudo, é apenas um convite para sensibilizar a sociedade para a segurança do pedestre e para a importância de traduzi-la em atitudes cotidianas. Com o intuito de estimular essa reflexão, a Perkons ouviu especialistas para entender o que ainda falta para as cidades se tornarem espaços seguros e agradáveis a quem caminha.
Por um lado, Brasília é considerada a capital planejada para carros. Por outro, referência nacional em educação no trânsito, tendo sido palco, há duas décadas, da iniciativa que prioriza a travessia do pedestre. “Hoje, estamos correndo o risco de perder um pouco desse valor pela ausência de campanhas educativas permanentes, que sensibilizem a população. Também são importantes os programas de moderação de tráfego que estimulem a redução da velocidade, pois há vias em que as pessoas praticam velocidades altas, por abuso ou porque é permitido”, contrapõe o professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Cesar da Silva.
Em termos de estrutura viária e planejamento urbano, Silva é contundente: transformar uma cidade concebida para carros em um espaço convidativo ao pedestre é quebrar paradigmas e apostar na reforma do modelo viário. “Velocidade moderada não é perda de tempo. Além disso, é preciso distribuir os espaços de circulação de forma socialmente justa, para que não sejam compartilhados entre um automóvel com dois indivíduos e um ônibus com quarenta, conceito que ainda nos deixa reféns na busca por um meio de transporte individual”, aponta.
Entretanto, para o professor, velocidade moderada e reformulação do modelo viário não dispensam a necessidade de reeducar a população para o trânsito, ciclo que deve envolver do pedestre ao motorista. “As pessoas não são formadas para a condição de pedestre e muitas vezes não estão atentas à sinalização e à configuração física do espaço de circulação. Isso reforça ainda mais o cuidado que o condutor deve ter, como consta no Código de Trânsito Brasileiro”, pontua. Tomar para si a responsabilidade pela segurança da circulação do pedestre é um dever preconizado pelo artigo 29, § 2º do CTB. Também é imprescindível salientar que respeitar o Código de Trânsito Brasileiro é dever de todos, incluindo os pedestres.
A voz de quem anda
Tornar as cidades acolhedoras ao pedestre. Com essa bandeira nasceu há cerca de dois anos o Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo. Desde então, o grupo participou da elaboração do PAC Mobilidade Ativa – que prevê recursos para a infraestrutura da mobilidade a pé e por bicicleta -, e conquistou uma cadeira no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT) de São Paulo, e o mais importante, abriu os olhos da sociedade para o tema.
“Sentíamos que as pessoas que se deslocam a pé nas cidades não tinham voz social nem política, e decidimos abrir essa porta”, sintetiza uma das cofundadoras da organização, Joana Canêdo, que relaciona o transporte a pé a ⅔ de todos os deslocamentos urbanos no país. Para ela, o que falta nas cidades é uma concepção que ecoe os reais anseios do pedestre. “Quem usa a própria energia para se deslocar escolhe caminhos mais eficientes e mais seguros”, descreve. Para Joana, é preciso pensar na mobilidade a pé como um sistema que necessita de infraestruturas básicas e que conectem toda rede de deslocamento de maneira linear, contínua e articulada a outros modais, com calçadas, travessias e passarelas, além de bancos, arborização e sinalização. “Também é essencial o respeito geral às pessoas que estão a pé, as deixando atravessar na faixa sem ter que implorar, por exemplo”.