Congresso em Foco
Dois desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) votaram pela condenação da jornalista Cláudia Cruz, esposa do deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ), em um dos processo da Operação Lava Jato que tramitaram em Curitiba (PR). Em julgamento realizado na quarta-feira (9) em Porto Alegre, a decisão contraria a sentença do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na capital paranaense, que havia absolvido a ré. Na sentença, o magistrado fez uma advertência e ordenou confisco em conta bancária em nome de Cláudia.
Colegiado formado por três magistrados, a 8ª Turma já tem maioria para reverter a sentença de Moro, mas o julgamento foi interrompida por um pedido de vista do desembargador Victor Laus. Inconcluso, o caso fica em suspendo até a devolução do voto de Laus, sem prazo definido para tanto. Os dois magistrados que votaram pela condenação, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen podem mudar seus votos durante esse período de vista.
Gebran Neto sentenciou Cláudia Cruz pelo crime de evasão de divisas, enquanto Paulsen a enquadrou por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Na denúncia do Ministério Público em Curitiba, Cláudia foi denunciada por movimentação financeira no exterior não declarada à Receita Federal brasileira. Os recursos, segundo a acusação, foram desviados por Cunha em esquemas de corrupção descobertos pela Lava Jato.
Na decisão em primeira instância, embora o conjunto probatório tenha reunido assinaturas de Cláudia Cruz em contas secretas, Moro livrou a jornalista com a justificativa de que não havia provas suficientes a configurar os crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Na advertência, o juiz federal se limita a dizer que caberia à ré “ter percebido que o padrão de vida levado por ela e por seus familiares era inconsistente com as fontes de renda e o cargo público de seu marido”.
Mas Moro fez a ressalva de que “as condutas de ocultação e dissimulação, com a utilização de contas secretas no exterior e falta de declaração das contas no Brasil” são correlatas à atividade parlamentar do emedebista, “já que ele comprovadamente era o gestor das contas”. Além da reprimenda, o magistrado determinou confisco de 176 mil francos suíços, ao em torno de R$ 632 mil (câmbio atual), detectados em nome da jornalista na Suíça.
Diante das evidências e insatisfeito com a decisão de Moro, o Ministério Público Federal (MPF) apelou ao TRF-4 em favor da condenação de Cláudia Cruz. Segundo o MPF, há provas suficientes de que Cláudia ocultou e movimentou US$ 165 mil (quase R$ 600 mil, na atual cotação) na conta suíça em seu nome. Segundo os procuradores, a jornalista tinha “plena consciência da óbvia origem ilícita dos valores” e lavou dinheiro por meio de “gastos com extravagância em hotéis, lojas de grife e restaurantes em Miami, Nova York, Paris, Milão e Madri”.
Por outro lado, a defesa de Cláudia Cruz defendem a preservação da sentença de Sérgio Moro. Os advogados da jornalista declaram que não houve movimentação bancária em seu nome de “valores supostamente oriundos da corrupção”, nem provas acerca “da intenção de ocultar ou dissimular os recursos tidos por ilícitos” ou de “manter o depósito não declarado no exterior”. “[…] mero gasto dos recursos cuja origem é tida por ilícita não configura crime de lavagem de dinheiro. A compra de bens de consumo, ainda que artigos de luxo, não pode ser equiparada à conversão em ativos”, diz a defesa.
A jornalista ainda não pode ser presa. Além da pendência do pedido de vista, ainda cabem recursos como embargos de declaração e embargos infringentes, estes garantidos a condenações não unânimes. A despeito do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite prisão em segunda instância, Cláudia pode continuar em liberdade – mesmo no caso de um terceiro voto pela condenação – até a publicação do acórdão do julgamento, quando se formaliza o fim do processo em segunda instância (trânsito em julgado).
Petrolão
Cláudia Cruz se tornou ré em junho de 2016. Segundo a denúncia do Ministério Público acolhida por Moro, o empresário Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira pagou propina a Eduardo Cunha por ter sido beneficiado em um contrato de aquisição dos direitos de participação na exploração de um campo de petróleo na República do Benin, país da África ocidental. De acordo com o MP, Cunha recebeu 1,3 milhão de francos suíços, ou 1,5 milhões de dólares, intermediados pelo diretor da Área Internacional da Petrobras Jorge Zelada, condenado na Lava Jato a 12 anos de prisão. Já Cunha foi condenado por Moro, em março do ano passado, a 15 anos e quatro meses de prisão.
No despacho em que acolheu a denúncia, Moro alegou que “a movimentação dos valores é inconsistente com os rendimentos lícitos e declarados do Deputado Federal Eduardo Cosentino da Cunha e Cláudia Cordeiro Cruz, sendo de se observar que ambos, embora controladores e, em princípio, verdadeiros titulares das contas secretas no exterior, não declararam os ativos nelas mantidos à Receita Federal ou ao Banco Central, tampouco declararam ser titulares de empresas, trustes ou offshores no exterior”. Na ocasião, o juiz ainda ponderou que, ao longo do processo, verificaria se Cláudia agiu com dolo ao utilizar o dinheiro de propina, numa sinalização de que poderia absolvê-la.
Tornaram-se réus nesse processo, além de Idalécio e dos já mencionados, o lobista João Augusto Rezende Henriques e Jorge Luiz Zelada. Todos foram denunciados pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Na época, Moro expediu um novo mandado de prisão preventiva contra João Henriques, que já estava detido no Complexo Médico-Penal em Pinhais, região metropolitana de Curitiba.