Votos de Zanin no STF acirram polarização

Os votos do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamentos de grande repercussão têm provocado surpresa tanto em alas da esquerda quanto da direita e acirrado a polarização.

Como Zanin foi indicado à Corte pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e teve atuação, como advogado, em processos da Operação Lava-Jato, a expectativa era de que mostrasse um perfil mais progressista, como ocorreu com seu antecessor, Ricardo Lewandowski, também escolhido pelo petista.

Em menos de um mês no cargo, Zanin surpreendeu ao votar pela rejeição de uma ação que pedia a equiparação da homofobia e da transfobia à injúria racial. O voto dele foi o único contrário à demanda. Mesmo o ministro Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e considerado mais conservador, votou a favor da equiparação. Já André Mendonça, outro nome escolhido pelo ex-presidente, se declarou impedido por ter atuado na causa antes de ingressar no Supremo.

Zanin explicou que não chegou a analisar o mérito da ação, ou seja, o pedido em si. Mas entendeu que, como não havia uma solicitação de equiparação com injúria racial no pedido inicial, o Supremo não poderia tomar uma decisão nesse sentido.

No processo sobre a descriminalização da maconha para uso pessoal, Zanin votou contra. Até agora, o julgamento está em 5 a 1 para alterar a legislação e derrubar punições ao usuário.

Na avaliação do magistrado, é necessário fixar uma quantidade exata de gramas que podem ser portados para diferenciar usuário de traficante. As posições dele durante o julgamento, porém, causaram críticas em setores da esquerda e agradaram a direita.

“Minha compreensão é de que, por um lado, o sistema judiciário penal é falho e vem permitindo encarceramento massivo e indevido, sobretudo de pessoas vulneráveis. Do outro lado, a declaração da inconstitucionalidade do artigo 28 da lei poderia até agravar o problema, retirando do mundo jurídico os únicos parâmetros normativos para diferenciar usuário de traficante. E ainda ao descriminalizar o porte sem disciplinar a origem e comercialização das drogas”, declarou, no voto.

O magistrado também chamou a atenção por negar aplicação do princípio de insignificância no caso de dois homens acusados de furtarem itens avaliados em R$ 100. O material subtraído foi devolvido posteriormente. Os acusados furtaram um macaco de carro, dois galões para combustível e uma garrafa cheia pela metade com óleo diesel.

Um dos homens foi condenado a 10 meses e 20 dias de prisão, em regime aberto, e o outro a 2 anos e 26 dias de reclusão, em regime semiaberto. Zanin entendeu que um deles, por ser reincidente, não poderia ter a pena abolida.

Os posicionamentos do ministro têm provocado críticas na esquerda. “Lamentável o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta ‘guerra às drogas’, que afeta sobretudo pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas democráticas e progressistas”, escreveu a deputada Sâmia Bonfim (PSol-SP).

Linha conservadora

Juristas e fontes ligadas ao Supremo, ouvidos pelo Correio, apontam que o magistrado demonstra, nessas primeiras atuações, uma linha mais conservadora e menos garantista.

O professor Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional pelo IDP-DF, afirmou que Zanin tem se distanciado da linha progressista. “Quero crer que todas as decisões de um ministro ou ministra do STF, seja quem for, são pautadas em critérios técnicos e constitucionais. Mas, quando olhamos para a natureza da Constituição, é natural que sejam carregados de certos vieses ideológicos e políticos”, avaliou. “E por mais que tenha sido indicado por um presidente ideologicamente vinculado à esquerda, até agora, Zanin tem indicado que tem um entendimento constitucional e jurídico muito mais próximo do prisma conservador do que do prisma de esquerda.”

Silva Filho acrescentou: “São poucas as decisões tomadas por Zanin até aqui. Mas, como são os últimos meses da ministra Rosa Weber (como presidente do STF), ela colocou na pauta os processos mais complexos e com temas caros à sociedade. Então, ele chegou inserido em uma pauta mais complexa e tem se mostrado, em termos pessoais, mais conservador do que progressista”.

Uma fonte do meio jurídico, que conhece Zanin há anos, afirmou à reportagem, sob a condição de anonimato, que Lula sabia da posição mais conservadora do magistrado. Mesmo assim, decidiu que, em razão da atuação em ações da Lava-Jato, teria o merecimento de ocupar uma das vagas do Supremo, além de ser alguém dotado de confiança.

Advogada constitucionalista, Vera Chemim avaliou que Zanin está se pautando por critérios técnicos, imparciais, e que, por isso, é apontado como tendo perfil mais conservador em pautas que levantam atenção da esquerda.

“Trata-se de uma posição racional, prudente e equilibrada, o que remete, evidentemente, a um perfil conservador e, ao mesmo tempo garantista, uma vez que, ao expressar sua posição nos votos, os fundamenta por meio de normas constitucionais e legais”, destacou.

Correio Braziliense

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.